domingo, 25 de setembro de 2011

Crônica 60: O Tédio


Em todo reencontro há um tédio implícito. O tédio da distância reaproximada. O tédio da notícia velha. O tédio da história passada. Todo reencontro é tediosamente bege. (Cafezinho)

Entre o chove e não molha do dia em questão. Dos poucos convivas que passaram por aqui. Fiquei eu, a pincelar algo de interessante. Mas, nas primeiras horas de funcionamento da minha casa, nada, realmente nada, aconteceu. Uma criança levada aqui. Um circunspecto senhor ali. Enfim, comunicação e reflexão, zero.
E quando achei que tudo estava pedido e que esta semana não teríamos histórias para contar neste saboroso blog, entram duas senhoras distintas. Sem muitas descrições dessa vez. Apenas isso, duas senhoras distintas.
Mais que depressa me convidaram a sentar. Algo muito “interessante” aconteceu. Aproximei-me devagar. Interessado no que sairia dali, já que até o momento meu dia estava mais chuvoso aqui dentro, do que do lado de fora. Acomodei-me. Olhei para uma. Para a outra. Nem uma única palavra saía daquelas bocas cheias de batom. Melecaram-me inteiro. Ao menos não puseram açúcar. Estava puro.
Nem mesmo olhavam uma para outra. De repente. Um “entreolhos”. Que alívio. Agora vai. Não foi desta vez. Em uma tentativa de comunicação... Está bom seu café? Ótimo querida e o seu? Ótimo também. O cafezinho aqui é excelente.
Calaram-se novamente. Um silêncio plácido. Sereno. Sem mágoas ou rancor. Amor. Paixão. Ódio. Desprezo. Nenhum desses sentimentos. Bastante nobres. Todos eles. Nenhum sinal de sentimento à vista.
Uma delas arrumou a saia. A outra ajeitou o cabelo. Foram ao banheiro revezadamente. E para minha surpresa... Mais um café. Afinal, sou mesmo uma delícia, né? Olhavam a paisagem. Cuidavam das bolsas. Uma delas tirou um apoio para sua tira-colo. Um gancho dourado. No qual a bolsa ficava pendurada de baixo da mesa. Imediatamente, a outra também tirou seu artefato da bolsa. “Bonito seu gancho. O meu tem aplicação de strass”.
Bolsas instaladas. Continuaram em seu clássico silêncio. Eram duas perfeitas figuras barrocas. Brancas. Com duas bochechas artificialmente rosadas. Olhinhos azuis brilhantes. Tailleur Chanel. E sapatos brilhantes. Não fujo da descrição, não é mesmo?
Os movimentos lentos. O que contribuiu com a longa estada das duas por casa. “Seus filhos e netos. Como estão?”. Todos bem... Lucinha se separou... Ah! Que pena. Era um casal tão bonito. Pois é. Hoje em dia casais perfeitos também se separam.
Bom. Querida. Muito bom revê-la depois de tantos anos sem notícias suas! Preciso ir.  Realmente. Foi muito boa a nossa conversa. Precisamos marcar mais vezes. Deram dois beijinhos. E foram. Eu fiquei ali. Confuso. Tentando entender a importância daquele silêncio. Ou daquela conversa.

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Setembro/2011

domingo, 18 de setembro de 2011

Crônica 59: A Cerveja

Em geral, as pessoas não acreditam no como o ambiente de um Café pode ser realmente interessante. Minha casa funciona como um microcosmo onde a sociedade é refletida e milhões de personagens desfilam e descortinam o retrato da sociedade em que vivemos.
Estou filosofando demais? Não acredito. Dia desses, estava eu em mais um fim de domingo quando se sentaram duas pessoas. Em duas mesas diferentes. Ela, uma linda mulher. Ele um homem interessante.
Cada um na sua história. Na sua vida. Ela falava ao telefone. Dava risada. E seguia em minha companhia. Ele lia seu jornal. Acompanhado por uma cerveja e seu laptop. Ele tomava uma cerveja. De cara antipatizei com a figura. Trocar meu calor. Meu aconchego por uma simples e xucra cerveja? Enfim. Eu não tinha nada a ver com isso. Não estava naquela mesa.
Fiquei ali, tranquilo, acompanhado pela mulher e seu celular. Já comentei que detesto celular. Suas vibrações irritantes. A invasão dos momentos de introspecção. Ou pior, o barulho ensurdecedor. Mas, de qualquer forma. Ia ser um encontro tranquilo.
Observava a mesa da cerveja. Ele estava tranquilo. Vivendo o mundo paralelo da internet. O que também, para mim, é bastante invasivo. Quando me dei conta, não era apenas eu que estava entretido com aquele rapaz. A moça também estava com seus olhos vidrados nele.
Não conseguia tirar os olhos. Calou-se. Desligou o celular. Concentrou-se na tal mesa da cerveja. Como ele não olhasse para a gente, continuamos focados. Intermitentemente. Ela não se conformava. Ele realmente não levantou os olhos em sua direção uma única vez. Resolveu ir ao banheiro. Passou ao seu lado. Mesmo assim, nada aconteceu. Não é possível... Ou é cego, ou é um idiota. Pensou nossa protagonista. Aparentemente optou pela opção da cegueira.
Passados alguns minutos, voltou a prestar atenção no fulano. Ela estava de fato indignada. Resolveu que não voltaria para casa sem ao menos ser vista. Estava determinada a provar sua existência. Encheu-se de coragem. E foi até a mesa de seu alvo. Com licença, mas estou te observando e achei curioso o fato de você estar nesse ambiente e ter optado por uma cerveja ao invés de um café – como seria mais usual. E deu-lhe um irresistível sorriso.
Ele, por sua vez, que havia achado o comentário uma impertinência, declinou de sua arrogância e de seu mundo virtual, e resolveu entender melhor o que aquele lindo sorriso queria por ali. Riu da pergunta da desconhecida. “Eu normalmente opto pela cerveja, pois ela não tem prazo de validade”.
Opa! Prazo de validade? Isso me ofendeu. Fiquei de longe tentando entender essa teoria tão... Tão... Sem sentido. Que? Perguntou ela. Nesse momento ele entendeu que dali uma boa oportunidade de conversa poderia surgir. “Quer sentar aqui?”. E lá fomos nós. “O prazo de validade referido é o tempo que se demora em consumir o café. Normalmente, as pessoas vêm tomam um café e pronto. É difícil tomar duas ou três ‘doses’. O que não permite que a gente permaneça no ambiente. Ou que estabeleçamos conversas muito longas com os amigos”. Interessante... Pensou ela.
“De qualquer forma. Eu discordo. O mundo pode passar por um café. É um motivo para uma conversa amiga. Para um encontro de negócios. Para sair sozinha de casa. E até para, de repente, conhecer alguém interessante e debater o tema...”. Percebeu que o nosso assunto é o café e não a cerveja...?

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Setembro/2011

domingo, 11 de setembro de 2011

Crônica 58: A Nuance

Uma bela tarde de feriado. Sol. Ventinho fresco. Perfeito para sentar-se em um café. Sozinho. Acompanhado. Com amigos. Com a família. Com o cachorro. Tudo pode. Sim. Pessoas felizes. Ai, eu realmente estava me sentindo bem. Adoro dias assim, que exalam bem estar.
Sentou-se uma mulher em uma de minhas mesas. Chamou-me. Fui com o maior prazer imaginando ouvir histórias de amor ou de conquistas. Ou ainda de uma promoção no trabalho. Mas não era nada disso. Quando olhei para o seu rosto vi um pedido de socorro. Um ar nublado. Um quê de desespero.
Permaneceu muda. Olhava para o vazio. Como se ali ele estivesse materializado. E ela, enxergando todas as suas nuances. Assim, é a tristeza em um dia feliz. Destoante. Ao mesmo tempo em que real e solitária.
Ela estava onde queria estar. Em nenhum outro lugar. Talvez faltasse alguém. Que jamais poderia vir. A partir do dia anterior. Anterior a quê? Ela se perguntava. Anterior ao nada. Sim. Ao nada.
Ela havia sido feliz. Sua vida tinha pinceladas de perfeição. Filhos lindos. E naquele momento, preenchida de vazio, sentiu-se oca. Seu querido. Seu amado. Tudo isso. Seu. Já não lhe era mais pertencido. Foi pra longe. Não se sabe bem pra onde. Nenhum cientista até hoje descobriu.
Por que me abandonar dessa forma? Sair de casa montado em uma moto, como se fora seu cavalo alado. Não demorou muito para perceber que ela não tinha asas. Caso contrário teria voado. E passado por cima do ônibus, carro e caminhão que lhe atravessaram o caminho. Ou será que ele é que lhes atravessou? Provável...
Por quê? Não sabe. O celular toca. Ela ignora. Invade-lhe o momento. Chega à alma. Como uma campainha de casa. Quando você não quer atender. Toca de novo. Ela olha para o aparelhinho. Irritantemente feliz, brilhante e ensurdecedor. E deixa que toque. Chega a admirar o som como se fora uma peça de Mozart ou Beethoven ou qualquer clássico da humanidade.
Ela sabia que precisaria atender. As pessoas queriam falar com ela. Precisavam saber como ela estava. Mal sabiam que ela não estava. Queriam vê-la sorrir. Levar os filhos à escola. Voltar ao trabalho. À sua casa – que havia deixado desde então. Mas não podia. Simplesmente não podia.
Não era justo tê-la deixado dessa forma. Sem avisar. Sem permitir que se preparasse... Foi egoísta. E agora... Perguntava-se. Dessa forma chegou a mim. Para falar sem dizer. Sentir sem expressar. Receber colo sem pedir. Para não ouvir julgamentos, nem questionamentos e, principalmente, para não ouvir conselhos.
Ela queria silêncio e a alegria das mesas ao lado. Onde ninguém lhe sentia pena pela perda. Onde ninguém olhava para ela com ar de caridade. Onde era apenas mais uma pessoa. Quieta. Em apenas mais uma mesa. E assim que saísse outro sentaria ali. Talvez uma família feliz... Talvez um casal briguento... Talvez...

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Setembro/2011

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Crônica 57: A Saga

Depois de um tempo sem aparecer, mas com muitas experiências vividas, volto a dar notícias. Esse cafezinho andou meio desaparecido, mas para aqueles que escreveram protestando e sentindo minha falta, peço imensas desculpas e faço questão de deixar bem claro que a verdadeira culpada por toda essa saudade que senti foi a minha interlocutora. A tal jornalista. Fazer o que, né, eu dependo dela...
Bom, escrever a história de hoje foi bem difícil, até porque dois meses sem compartilhar ideias é muito tempo. Pensei em tanta coisa. Queria falar sobre cachorros, sobre casais, sobre famílias, sobre amigos, sobre... Sobre...
Mas como tenho vivido uma experiência - digamos - extremamente nova, optei por ela. Nesse caso, serei obrigado a voltar a um tema já abordado antes... O Metrô. Pois é, mas agora olhando de dentro para fora. É isso mesmo. Eu tenho andado de metrô. Interessante a perspectiva, não?
Antes que vocês, meus queridos amigos e leitores contumazes, se assustem e pensem que, finalmente, eu o seu companheiro preferido, criei pernas e sai por ai “desembestado” – como diz uma amiga minha – respire. Essa vivência foi adquirida através de um amigo, recentemente conquistado, que resolveu me levar “para viagem”. Sempre.
Vocês sabem que eu odeio ser levado “para viagem”. Além dos motivos já explicitados anteriormente, como o copo de isopor, a colherinha de plástico, o sacolejar do instável caminhar, existem outras razões para eu não suportar esse opção tão prática para alguns... Hehehe... Eu simplesmente fico chato. Extremamente chato. Frio. Mau humorado.
Exatamente por isso, quando este camarada chegou e falou: “um cafezinho para viagem!”, já me contorci todo. Evitei sair de toda a forma... “oh ‘Quim’ a máquina tá quebrada!”... “Tá nada é esse café fazendo charme”. Era isso mesmo. Mas não teve jeito. Precisei ir. Até, que dessa vez, as mãos estavam vazias e inteiramente dedicadas a mim.
Era um jovem elegante. Moderno. Usava um terno cinza e tinha uma bolsa transpassada. Quando dei por mim, estava passando uma catraca e descendo uma escada rolante. Fiquei assustado. Entramos no trem. Eu não fazia ideia de como ele era por dentro. Muito lindo. Adorei. Espaçoso. Confortável. Fui feliz.
De repente, tocou o chato do celular... Meu amigo se apressou em atendê-lo. Quase caí. Ai que raiva. “Oi Fá. Então, estou a caminho do trabalho. Ainda nem cheguei à linha amarela, e lá você sabe, né, aquela loucura”. Pára o mundo que eu quero descer. Como assim que loucura? Bom, deve ser apenas uma expressão infeliz... Imaginei...
Ficamos em pé novamente. As portas se abriram. Começou a tal loucura. Não era “modo de falr”... Sair do trem? Missão quase impossível. Uma senhora cismou que queria passar pelo mesmo espaço que nós. “Não dá minha senhora. Ou eu saio ou a senhora entra”, falou meu amigo. Fiquei orgulhoso. Fomos xingados até minha primeira geração. Demos dois passos e paramos. Estávamos diante de duas escadas rolantes sem degraus. Estranhíssimo.  E o pior. Estavam paradas. Ninguém ia nem      para frente, nem para trás.
Acho que dá para me imaginar ai, né? 
Bufamos.
Passados uns 15 minutos... Pudemos continuar. Lentamente, porque não era possível andar pela quantidade de pessoas no corredor. Sem mais, parou tudo novamente. Acontece que nós estávamos do lado direito do corredor e a entrada para o trem é do lado esquerdo. Não. Nós não estávamos errados. O fluxo era esse mesmo. Ou seja, fui derrubado. Levantado. A sensação era de que estávamos atravessando uma parede de pessoas. Ninguém nos deixava passar.
Por fim, chegamos a outro trem. Lindo este. Novamente. Arejado e grande. Com possibilidade de que todos se sentassem. Ufa! Pensei. Agora sim. O quê? Desembarcamos. De novo. Dessa vez foi ainda pior. Eu olhei para cima e vi montes de escadas rolantes – cinco no total – e um número incontável de pessoas. Todas apinhadas. Começamos a subir. Apertados. Sem conseguir sair do lugar, afinal, ninguém respeita a tal regra que diz: “se você vai ficar parado, permaneça à esquerda”. Olha, nessa altura já havia perdido a noção do tempo.
Depois de tudo isso... Entramos em outro vagão. Dessa vez ao ar livre. E qual minha surpresa quando eu percebi que também estava lotado. L-o-t-a-d-o. Fiquei prensado entre a camisa branca do meu amigo e a porta. Segurando para não cair. Já pensou manchar a roupa dele? Fomos assim. Amassados. E quando imaginei que havíamos chegado ainda andamos mais uns vinte minutos. Finalmente entramos em seu escritório... Nesse momento, parei na mesa de trabalho dele e pensei: Nossa... Jura que a gente vai voltar? Que medo...

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Setembro/2011