terça-feira, 7 de agosto de 2012

Crônica 68 - Quando a companhia dói mais que a da ausência

AUSÊNCIA
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim. (Carlos Drummond de Andrade)


Crônica 68 - Quando a companhia dói mais que a da ausência

Há anos e anos minha maior distração é observar. Sempre e muito. Cada sinal de nervosismo. Cada lágrima derrubada. Cada briga. Cada beijo. São chegadas e partidas. Intermináveis histórias de amor e desamor.

E não tem como escapar da solidão. Pode ser a dois, a três, no meio da multidão. E, pasmem, podemos nos sentir muitíssimo bem acompanhados quando estamos acompanhados de... Ninguém. Ou de quem mais importa: Nós mesmos. O ser humano é mesmo muito louco.
Falo isso porque ando testemunhando histórias interessantes nesse sentido. Dia desses sentaram-se na minha mesa quatro pessoas. Estavam tendo uma conversa. Apenas isso. Não era um papo animado. Também não era frio. Era morno.

De repente uma das integrantes daquele encontro resolve: “Bom, gente, tá na minha hora. Preciso ir”. Todos se assustaram. Até mesmo Eu, um cafezinho, estava achando aquilo espantosamente entediante. Meu conteúdo já estava frio. E olha que eu sou servido expresso. Já estava com gosto de anteontem. A xícara já estava quente. De tanto me segurarem. As colherinhas que me acompanham já haviam sido todas quebradas. Guardanapos picados. Ou seja, a mesa era o retrato do caos.
“Nossa, bom, então vamos todos. Mas você não queria ir ao cinema depois daqui?”. Disse um deles em tom de angústia. É... Eu falei mesmo... Mas acabo de perceber que não será possível. Estou com uma baita enxaqueca... “Bom se você vai, vamos todos”.
Não... Por favor. Fiquem. Não houve acordo. Todos se levantaram. Quando olhei para o rosto dela. Enquanto todos estavam de costas, pude sentir um pequeno sorriso de canto de boca. Uma denúncia sincera do mais transparente alívio.
Quando os outros se voltaram para ela, novamente fez cara de pesar. Pediu desculpas. Abraçaram-se. Despediram-se. E cada um foi para o seu lado. Achei uma pena. Enxaqueca é terrível.

Passados uns 15 minutos ela volta. Sozinha. Feliz. Sem dor. Sentou-se com seu jornal. Me convidou à mesa. E aproveitou seu momento. Minha maior surpresa foi quando vi o que estava lendo. Era a página com a programação dos cinemas....

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Julho/2012