sexta-feira, 14 de junho de 2013

Crônica 82: Sobre Guardanapos, Vinagre e Rebanhos


Minha casa - sempre tão tranquila e acolhedora - nesse dia era apenas acolhedora. O som ambiente, normalmente composto por conversas animadas e música ambiente, virou um amontoado de palavras descoordenadas. Bombas. Tiros. Gritos de horror.

Lá dentro havia um pouco de tudo. Um microcosmo do mundo exterior. A televisão estava ligada num desses programas "mundo cão". O apresentador vibrava com cada investida policial. Cada um que entrava trazia alguma novidade. Novidade essa que sempre ia na contramão das trazidas pelo tal programa.

Estávamos lá. Apavorados. Assistindo a nossa esquina pela TV. Sem poder colocar a cabeça para fora da janela. Nesse momento, uma conhecida minha de alguns anos, entra. Nervosa. Com o coração aos pulos. Trazia consigo, além da bolsa, cadernos e diversos outros materiais de trabalho nos braços. Ela mora lá perto de mim. Tentava chegar em casa quando a cavalaria da Polícia Militar avançou para cima dela e algumas outras pessoas. Detalhe: eles estavam na calçada e tentavam apenas atravessar a rua. "teve gente que fugiu. Gente que subiu nos canteiros. Eu vim pra cá".

Em seguida entra uma outra amiga minha de muito tempo. Nervosa. Com medo. "Vocês não acreditam no que eu vi: os próprios policiais colocavam fogo no lixo formando barricadas! E ainda empurravam com o pé, para que pegasse fogo mais rápido!"

Por fim, alguns manifestantes entraram na minha casa. Começaram a falar sem parar sobre o que estava acontecendo. Os amigos que apanharam. Outros que passaram mal. Outros que foram presos. Minutos depois, três bombas de gás lacrimogêneo foram jogadas na porta. O gás invadiu minha casa. Por baixo da porta. E foi guardanapo e vinagre para todo lado.

O caos estava posto. O cenário era de guerra. Para mim lembrava uma daquelas cenas de bombardeio que sempre vemos em filmes sobre a segunda guerra mundial. Ou, para dar um exemplo mais tupiniquim, aqueles famosos tumultos entre militares e militantes em 1968. O dia foi digno do mais tenso filme de terror. E tudo isso, apenas por uma reivindicação... Tudo isso porque as pessoas cansaram de ser bons cordeiros desse rebanho brasileiro falido. Tudo isso pela não aceitação do aumento na tarifa dos ônibus. Será mesmo,  por isso?

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Junho/2013

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Crônica 81 - Sobre Dores, Sorrisos e Explosões


Ele estava prestes a explodir. E o mais interessante disso é que ninguém sabia. Mesmo eu. Tão próximo dele. Seu Cafezinho confidente. Pelo menos uma vez por semana ele vinha me ver. Às vezes sozinho. Às vezes com amigos. Às vezes com seu lindo cachorro. Era um homem jovem. Bonito. Comunicativo. Sua marca registrada era o belo sorriso.

Vira e mexe, enquanto estávamos "conversando”, éramos interrompidos pelo chato celular. E eu o ouvia dizer: "comigo tudo ótimo! E você como está?". E o ouvia continuar a conversa alegremente. Mas, ao desligar e voltar-se para mim, eu percebia a tristeza no fundo de seus olhos. Percebia o desencanto no canto de seu sorriso. Tão lindo.

Ele não estava bem. Era nítido. Mas... Será que era tão nítido assim, só pra mim? Será que os outros preferiam acreditar nas palavras superficiais dele? Nas tintas de cor forte que ele usava para esconder os tons de cinza em que realmente se apresentava sua vida?

O ser humano é mesmo racional apenas quando interessa. A solidariedade passa longe. Mesmo grandes amigos, quando se encontram, invariavelmente, perguntam: "Como vai?". E a resposta é, invariavelmente, "Tudo ótimo!". Pronto. Todos acreditam e se dão por felizes. Mesmo quando sabem que não pode ser verdade.

Seu amigo está desempregado e diz: "Estou ótimo!".  E você acredita. Sua amiga terminou com um casamento e diz: "Estou ótima!". E você opta por acreditar. Você não fala com uma pessoa querida por meses, quando resolve procurá-lo diz: "sinto muito, a vida anda corrida. Você está chateado?", e ele por sua vez diz: "claro que não. Imagine.". E você... Acredita.

E por ai vai. É bem mais fácil acreditar. Poupa-lhes providências. Poupa-lhes ajuda. A tristeza, tão comum à vida de qualquer ser humano, às vezes são como mendigos. Passam por eles. Pulam os indivíduos na calçada e fingem que não viram. Ou não veem mesmo.

Nosso amigo estava assim. Ótimo. E todos acreditaram. Pularam por cima dele. E aceitaram que estava ótimo. Mesmo sabendo das dificuldades que enfrentava. Mesmo sabendo que mesmo passando por uma má fase ajudaria quem precisasse. Mesmo sabendo.

Sim. Porque ele não falava. Mas todos sabiam. Meu querido companheiro. Fechara o sorriso por um instante. Estava com os olhos cheinhos de lágrimas. Tinhas as mãos trêmulas. Estava com medo. E encontrava em mim alguém que poderia compreender suas tristezas sem questioná-lo. Isso já era uma ajuda. Ele tinha vontade de gritar. Muito. E alto. Mas não podia. Tinha uma aparência. Caso gritasse, talvez, fizesse com que percebessem sua dor. Ele não sabia como os outros reagiriam. Não sabia como reagiriam às suas próprias dores...
Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Junho/2013