quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Crônica 32: O NATAL

O Natal está chegando. E eu cada vez mais interessado na alma humana. De certo, vocês devem se perguntar: mas como ele vai e vem tantas vezes? Como sabe as histórias até o final? Como consegue escrever? Pensar? Pois é, essas e outras questões jamais serão respondidas. Fato é: Sou especial! Aceitem-me assim e garanto muita emoção, diversão e, é claro, muita polêmica.
Ando pensando muito sobre o Natal. O que significa. E cheguei à conclusão de que é um momento de união, paz, amor. Um pouco clichê? Talvez.
Mas essa é a data mais clichê do calendário. Então, por que não aproveitamos a ocasião? Sim, sem pensarmos em dinheiro, presentes enormes, em impressionar os outros. Digo isso, pois outro dia duas senhoras sentaram-se para conversar e... Tomar um cafezinho. Vinham cheias de sacolas. Diziam-se cansadas.
- Ai, tô “podre”. Também todo ano a festa é na minha casa... Não agüento mais!
- Nem me fale, menina!
- Olha! Estou produzindo uma ceia... Você não imagina... Maria Célia vai morrer de inveja! É, porque ela sempre desdenha, mas acaba em casa, né?
Paro por aqui – um pouquinho – produzir uma ceia para que “Maria Célia” sinta inveja? Tudo errado. A ceia deve ser idealizada e montada para que todos se deliciem com os pratos. Para que se sintam bem e acolhidos em casa. Não para causar sentimentos desprezíveis em outras pessoas. E olha o perigo, disso!
E a conversa continuou nesse tom. O vestido dela seria uma surpresa desagradável pra fulana que ficaria de queixo caído. Os presentes que havia comprado seriam melhores que os dos beltranos. As suas árvore e guirlanda, essas fariam todos se roer por dentro. Credo!
Fiquei imaginando essa festa. Se eu estivesse lá, iria querer ir pra casa o mais rápido possível. Deve ser um ambiente pesado. Cheio de fofoca. Ciúme e aparência. Em pleno Natal? Será que ao menos no Natal vocês, humanos, não poderiam parar com essa competição frenética? Relaxar e curtir as companhias. O simples bate-papo. E, à meia noite, dar um “abraço daqueles” em quem amam? Eu acho uma boa idéia!
É óbvio que presentes fazem parte. Principalmente para as crianças – para essas, aliás, é só o que interessa – e é assim que deve ser. Mas presenteie por prazer. Pra demonstrar seu sentimento. Não para parecer mais rica do que é, mais generosa que os outros. Demonstre amor em suas homenagens. Talvez seja isso que falte no cotidiano humano. Demonstrações espontâneas de carinho, de afeto.
Lembre-se, essa é apenas a sugestão de um simples e observador café. Que está aos poucos captando as necessidades dessa gente estranha: O Ser Humano.
Desejo a todos um lindo Natal, com abraços, beijos, carinhos, afetos, risadas, momentos. Que o grande presente desse Natal seja a união entre seus familiares (mesmo que apenas naquela noite).
Como estou saindo de férias e volto apenas em janeiro, aproveito para lembrá-los que no Ano Novo é importante renovar as esperanças, fazer muitos pedidos e estar junto de quem se ama.
Beijos a todos!!!!
Do seu amigo,
O Café.
Obs: Mas eu volto, hein? E com muitas novidades, aguardem!



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Dezembro/2008

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Crônica 31: O AMIGO SECRETO

Fim de ano. Natal se aproximando. Época do que? Todo mundo deve ter adivinhado: amigo secreto. Pois é, nesse período de festas minha casa fica sempre cheia. Turmas das mais variadas. Colegas de trabalho. Amigos. Famílias. É uma farta distribuição de presentes, lembrancinhas, beijinhos, abraços e sorrisos.
Algumas turmas combinam os presentes. Então todos dão vales CD. Assim, não sai briga. Outros combinam o valor, até R$20,00, por exemplo. E ainda há aqueles que preferem deixar a livre escolha do presente.
Era uma mesa enorme com umas trinta pessoas. Fizeram a maior farra. Todos trabalhavam na mesma empresa. Chegaram felizes, falando alto. Foram se acomodando aos poucos. Uns guardavam lugares para seus amigos. Outros preferiam se sentar onde desse. Cada qual com seu presente em mãos.
- Quem vai começar? – Gritou de uma das pontas um senhor.
Mas ninguém respondeu. Todos ficaram sem graça, com uma inexplicável vergonha.
- Bom já que ninguém se habilita começo eu mesmo!
Ele era um entusiasta. Posso imaginá-lo picando os papeizinhos e escrevendo os nomes. Indo de mesa em mesa com um saquinho pedindo a todos que sorteassem.
- Bom, meu amigo/a secreto/a é uma pessoa muito amável, querida de todos. É doce, meigo, educado. Eu fiquei realmente muito feliz em tirá-lo e tenho certeza que a maioria gostaria de ter essa sorte!
- É a Fabi!!! – Gritaram todos em uníssono.
E assim foi. Um por vez. Alguns falavam mais. Outros menos. Tudo correndo às mil maravilhas. Ao menos aparentemente. Digo isso, porque fui servido diversas vezes a pessoas diferentes e pude constatar implicâncias pessoais e descontentamento.
Nosso eloqüente amigo, por exemplo, após o término da entrega das lembranças, virou-se para seu colega ao lado e disse:
- Odiei ter tirado a Fabi... Oh mulherzinha chata... Fazer o que, né? Chefe é chefe... – O tom era baixo. Praticamente inaudível.
Eu quase caio pra traz. Depois de tantos elogios rasgados. Será que é assim mesmo que as coisas funcionam? Nesse momento, Fabi aproximou-se da mesa.
- Edmir, não sabia que era tão querida assim entre os colegas. Eu sei que às vezes posso ser difícil... “Todos gostariam de te tirar”, valeu mais que o presente!
- Imagina é a mais pura verdade! Você é uma profissional exemplar, fiquei mesmo muito feliz quando vi seu nome. Se não pensasse assim, não diria isso.
- Que bom, aliás, as xícaras são lindas!
Sentou-se ali e ficou num papo animado. Mal sabe ela que Edmir não gostava de sua companhia. Em outros pontos da mesa a mesma cena se repetia. As pessoas não gostavam de seus presentes e diziam que gostavam. Não gostavam de quem os tirou, mas diziam o contrário... Enfim, falar, falar, falar... Quanta hipocrisia.
Pus-me a pensar. Um cafezinho, como eu, está muito acostumado à honestidade. Quando não gostam de mim, dizem logo. Quando gostam elogiam muito. Talvez, eu, por estar muito ligado a chantillys, cremes e canelas seja ingênuo ao pensar que momentos como o “Amigo Secreto” devem simbolizar paz e união entre os colegas.
No entanto, saíram todos ou, quase todos, insatisfeitos. E dando graças por poder sair de férias e não ver mais aquelas pessoas. O espírito natalino não estava posto. Parece que esse presente terá que ficar para o próximo ano...!



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Dezembro/2008

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Crônica 30: O MISTÉRIO

Quando alguém senta à minha mesa imagino mil coisas: de onde essa pessoa é, como vive, como se relaciona com a família, como andará seu coração, se tem filhos ou não, se é solitária... Enfim, procuro logo traçar um perfil. Mas nem sempre é possível. Talvez existam pessoas indecifráveis. Ou alguns se tornem indecifráveis em determinados momentos de suas vidas.
Gostaria de entender a complexa alma humana, afinal, não possuo essas sutilezas. Não tenho uma alma delicada, gentil. O que possuo é conhecimento. Experiência. Mas alma, não. Isso eu não tenho. Outro dia sentei junto a um cliente antigo. Desses que a todo o momento me procuram. Já o vi triste, feliz, amargurado, cansado, animado. Mas da forma que o encontrei essa última semana, ainda não tinha visto.
Ele estava muito bem arrumado. Quieto. Ao chegar percebi o ar pesado no entorno da mesa. Quase sólido. Estaria ele conseguindo respirar? Talvez o corpo, mas sua mente com certeza clamava por espaço. Claustrofóbica. Como sei que a roupa muitas vezes disfarça sentimentos, notei que aquele meu amigo precisava de mim como jamais havia precisado antes. Eu era seu refúgio. Seu pedido de isolamento.
Cheguei. Fui delicadamente apoiado ao tampo, junto com o açucareiro, o adoçante, um cel... Espera um pouco – pensei – as coisas estão diferentes. O celular não estava junto a mim. Uau! Isso era realmente estranho. Mas eu o havia observado falando no tal aparelho. No momento em que me levava à boca, vi o celular no bolso da jaqueta.
Eu, que não sou bobo, entendi logo, o problema era exatamente o celular. Provavelmente recebeu alguma ligação desagradável. E bota desagradável nisso. Não estava concentrado. Parecia inquieto. Pegava o jornal – que estava na cadeira ao lado – abria. Folheava. Fechava. Colocava-o de volta no mesmo lugar.
Olhava o cardápio. Não tinha fome. Ia ao banheiro. Voltava. Tudo sem vida. Sem animação. Finalmente parou. Aquietou-se. Parecia mergulhado em seus pensamentos. Ensimesmado. Tonto. Não consegui entender o que havia se passado. Só sabia que o problema havia sido o celular. Olhou para as mesas ao redor. Mas só conseguia enxergar a si mesmo. O barulho, a conversa, o tilintar dos talheres, pareciam demasiadamente externos a ele, para que pudessem ser percebidos. Observados. Seu olhar seguia caminhos escuros. Desconhecidos. Inimagináveis.
Meu grande amigo pareceu-me um estranho. Parecia impossível desvendar seus mistérios. Sua matemática. Não existia uma lógica para ser desvendada. Não existia, sequer, uma venda. O que existia era o ritmo caótico de um furacão. E a calma inquietante de um lindo dia de sol.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Dezembro/2008

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Crônica 29: O INCÔMODO

Às vezes acho que eu sou muito sensível a certos acontecimentos. Talvez seja o Natal chegando. Talvez, apenas, um lado humano parecendo em mim. Afinal, cafés não costumam sentir. Mas eu sou um café diferente. Sinto. Escrevo. Penso. Analiso. Fico, até mesmo, indignado.
Andei lendo o jornal alheio... Confesso. E li algo que me assustou. O caos instaurado em Santa Catarina, após uma forte tempestade. O dono do jornal era um jovem. Muito bonito. Estava acompanhado por sua namorada. Que casal agradável. Liam. Conversavam. Tomavam seu café.
Era sábado. Um dia próprio para fazer nada. Que delícia. Até que o rapaz abre o jornal. A página escolhida falava sobre o desastre dantesco e surreal ocorrido em algumas cidades do estado de Santa Catarina. Ele pára. Pensa. E, finalmente, pergunta:
- Se você tivesse um helicóptero e soubesse que estão precisando de helicópteros emprestados para o salvamento das vítimas. O que faria?
- Eu emprestaria – responde ela, firmemente. – E você?
- Eu também. Claro. É isso que estou pensando. Aqui diz que estão precisando de helicópteros. Tem uma porção de empresários... Todos com mais de um... Ninguém se habilita? Poxa é para salvamento! Caminhões também...
- Pois é... E depois quem tem um pode ter dois... Caso aconteça algo com a aeronave dele... O pessoal é egoísta mesmo... Triste isso, né?
- Revoltante!
Os dois se entre olharam. Não podiam ajudar. Mas gostariam muito. Infelizmente nem todos pensam como eles. A maioria quer garantir o seu. E isso pode ser percebido desde as situações mais banais até as maiores calamidades. O ser humano, por vezes, esquece que é parte de algo maior que seu umbigo. Que faz parte do mundo.
Mas não faz mal. Ouvir esse casal conversando me trouxe esperança. Conforto. Paz. É bom saber que ainda existem pessoas preocupadas com seus semelhantes. Indignadas. Mesmo que não possam fazer mais que isso. Esse sentimento já tem poder por si só.
Desejo aos meus leitores – algo que ouvi há tempos atrás e jamais esquecerei – que se incomodem. E que nunca, nunca mesmo, consigam deixar de se importar. De se incomodar. Consigo e com os outros.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Dezembro/2008

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Crônica 28: A FALA

Final de tarde de uma quarta-feira. Quente. Promessa de chuvinha no final do dia. Chegam à minha casa um senhor rechonchudinho e sua filha. Ela, uns sete anos. Animadíssima. Tivera um dia cheio. Milhões de novidades para contar. Não podia esperar. As palavras não cabiam na sua boca. Precisava falar. Ele, por sua vez, cansado do dia exaustivo que tivera.
Pararam ali para espairecer. A pequena queria uma torta de morango. Seu pai optou por mim. Um café. Cheio de chantilly. “Tudo bem”, pensei. “Com a quantidade de histórias que a garotinha deve ter pra contar, vale apena encarar o chantilly!”. Fui para a mesa. Doce... Muito doce!
E a menina falava... Ele chamou o garçom.
- Por favor... Gostaria de trocar de mesa... Há algum problema?
- Não senhor. Fique à vontade! – indicou.
A menina havia sido bruscamente interrompida. Mas insistiu. Permaneceram sentados uns 5 minutos em sua nova mesa.
- Então pai, quando a Luiza pegou o brinquedo, eu...
- Um momentinho querida... – chamou novamente o garçom – Olha, aqui está muito vazio, não há ninguém. Gostaria de me sentar em alguma mesa onde tivesse mais movimento... É possível?
- Claro senhor! Mudarei suas coisas não se preocupe...
Nessa altura eu já estava frio e o chantilly todo misturado em mim. A garota estava ficando chateada. Era uma história muito interessante...
- Posso falar?
- Claro, querida!
- A Luiza, pegou a corda e disse que brincava apenas quem ela quisesse...
- Um momentinho, meu amor... – Esticou a mão, novamente, acenando para o garçom.
- Este café está intragável! Traga-me outro, por favor!
O garçom providenciou outro imediatamente. Voltei novo. Purinho. Uma beleza. Pensei, “agora consigo saber o que aconteceu”. O pai pegou o jornal que havia trazido e começou a ler... Sua filha, indignada, apenas calou-se. Talvez pensasse no porque o pai não quis ouvir sua história... Era boa... Mas ele não ouviu...
Passaram-se uns dez minutos. O pai olhou para a menina que já havia comido sua torta - e não estava mais falante como antes – e disse:
- Acabou a torta?
- Sim.
- Então, vamos? Sua mãe nos espera...
Foram. Ela saiu cabisbaixa. Tristonha. Entrou no carro quieta. Talvez tentasse contar a mesma história de seu dia para a mãe. Em casa. A dúvida era: ela ouviria? Valeria à pena? Não sei a resposta. O que eu sei, é que esse cafezinho aqui, gostaria muito de tê-la ouvido. É pena não poder falar... Também...



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Novembro/2008

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Crônica 27: A MÃE

Que final de semana agitado. Também, depois de tantos sábados e domingos chuvosos... O sol apareceu. E era criança brincando. Cachorro latindo. Tantos beijos apaixonados. Casais de mãos dadas. Famílias confraternizando. Uma festa. Adoro finais de semana como esse: Alegres.

Mais uma vez uma vez teremos cachorro na história. Mas, como já comentei, minha casa é muito freqüentada por esses clientes bagunceiros, peludos e de quatro patas. Na mesa estava eu, ornamentado com canela, uma jovem e um lindo “salsichinha”.
Tudo era paz. Ela parecia esperar por alguém. Estava feliz. Lia uma revista feminina. Tomava seu café. O pet – com o sugestivo nome de “Hot” – bebia água. Bem, como todos sabem, cachorro atrai crianças. Funciona quase como um ímã de pequenos.
Pois bem. Eu estava ali. Só admirando aquela algazarra. Do nada surge um lindo serzinho de cabelos ruivos e enrolados. Devia ter 1 ano – no máximo – pois vinha cambaleante. Mesmo com a dificuldade dos primeiros passos, correu o mais que pode para chegar até “Hot”. Alcançou-o.
A jovem segurou a coleira do animalzinho. Procurou pela mãe. “Hot” já não é mais um filhote. Sua paciência com petizes havia terminado. Ele queria apenas comer seu biscoitinho em paz. Mas o menino parecia empolgadíssimo. Veio com tudo. Sem idéia de força, começou a “acariciar” o cão.
A dona do cachorro começou a temer a reação de Hot.
- Querido, por favor... Melhor não brincar com ele... Ele está comendo... – dizia sem sucesso.
A criança parecia determinada. A mãe... Sumiu. Sem mais, a criança agachou-se, ficando cara a cara com o animal. Nesse momento a preocupação aumentou. Se Hot já estava se sentindo incomodado com tanto “carinho”, imagine só uma encarada... Imaginaria estar sendo desafiado...
- Queridinho, ouça a Tia, por favor, se afaste do cachorrinho... Cadê a mamãe?
- Sou eu. – Afirmou uma mulher alta e loura. Muito produzida.
- Meu filho a está incomodando? – Continuou a mãe.
- Não é isso. Acontece que eu estou preocupada. Hot já é um senhor. Não tem muita paciência com crianças... Entende...?
- É tem gente que prefere cachorros a crianças... – provocou a mãe. Muito irritada. Pegando o filho pelo braço.
- Calma senhora. Não é isso. Estou preocupada com a segurança do seu bebê. A senhora deveria ensinar a ele a jamais encarar um cachorro. Animais são puro instinto. A qualquer sinal de ameaça eles podem atacar. É perigoso.
- Olha aqui mocinha quem cuida do meu filho sou eu! Você não vai me disser o que devo, ou não, fazer! – A mãe falou. Falou. Falou. Nossa, até eu cansei daquele palavrório sem sentido.
Nesse instante a dona de Hot se irritou. Rosnou. Indignou-se... Provavelmente...
- Tudo bem. Então o dia que um cachorro arrancar o nariz do seu filho a senhora não reclame!
A moça, então, levantou a revista. Escondeu-se. A mãe, por sua vez, pegou seu anjinho no colo e saiu batendo os pés. Nossa. Pra que? Até onde eu sei e vi, a dona do cachorro tentava apenas alertar à mãe do menino quanto a alguns cuidados.
A mãe foi para casa. Brava. E todo o ódio injustificado que sentiu, pela “mocinha” do cachorro, provavelmente se voltou para ela mesma. Uma dor de cabeça. Uma azia. E o pior: só de birra não ensinará seu filho a lidar com cachorros... O que me leva a crer que a solidariedade caiu tanto em desuso, que hoje é considerada uma provocação. Uma invasão.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Novembro/2008

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Crônica 26: A Desconhecida

Uma jovem. Sentada tranquilamente. Acabando de devorar seu café. Ou seja, me devorar. Pronta para ir embora. Havia acabado de pegar sua bolsa, agenda, celular. Sem mais, aparece outra mulher. De uns quarenta anos. Bem arrumada e muito disposta a conversar.

- Janaína! Não acredito encontrar você! Menina deve ter um ano que não nos vemos!

Ela estava realmente exultante em encontrar-se com a outra. Janaína, por sua vez, não se recordava da “amiga”. Sua testa enrugou. Formaram-se linhas de preocupação e dúvida. Ficou com um ar perdido. Cada centímetro de sua face dizia, claramente, “quem é esta figura?”. Porém, diante do enfático assédio e, é claro, do fato de a outra saber seu nome não poderia ter outro gesto que não fosse o de retribuir-lhe o cumprimento.

- Oi! Faz tempo mesmo, hein!? Um ano? Como o tempo está passando rápido atualmente!

- Nem me diga, menina! – disse risonha a senhora.

- Pois é... – Janaína estava louca para sair dali... Sua próxima fala seria a despedida.

- Posso me sentar com você?

Era tudo que Janaína temia. Ela de fato não tinha outro compromisso. Mas daí a sentar-se e conversar com alguém que não se conhece, sobre assuntos tão desconhecidos quanto... Já era demais.

- Desculpe querida, estava de saída vamos combinar algo qualquer dia desses... Passe-me novamente seu telefone... – eu, vendo tudo de camarote, imaginei: “perfeito!”. Ela se saiu bem demais!

- Que pena! Anote ai... – passou o número e confirmou se a outra havia anotado corretamente...
Começou a chuva. Muita chuva. Uma verdadeira tempestade. A amiga apressou-se. Puxou uma cadeira, na qual, praticamente empurrou Janaína.

- Que chuva boa! Assim, poderemos matar as saudades!

- É verdade...

Janaína estava nitidamente incomodada com aquela situação. Sua amiga parecia não notar. Ou fingia? Pediram mais café. Com chantilly. Canela. Açúcar. Meu pai! Quem se incomodou fui eu. Até enjoei. Quanto doce. Enfim... O cliente tem sempre razão.

- Então... Como vai indo a vida? – já que a única solução era conversar com aquela mulher. O melhor seria um assunto genérico.

- Vai bem. Caí de cama há três meses. Um horror. Hoje é o primeiro dia que saio de casa... Nada é por acaso!

A animação da mulher parecia não contagiar Janaína. Ela discursou sobre toda sua vida, filhos, marido. Falou. Falou. Falou. Com certeza ela precisava conversar com alguém. Muitas vezes as pessoas precisam falar e não têm quem as escute. Escolhem o primeiro conhecido que vêem pela frente. E o monólogo rolando solto. Eu ainda estava intacto.

- E o Tobias? Que cachorro lindo! Meu Deus! A minha morreu, você soube?

Foi nesse momento que Janaína se recordou de onde conhecia a histérica senhora. Dos passeios matinais que costumava fazer com seu labrador no Parque Ibirapuera. E o assunto se estendeu. Meia hora, no mínimo. Até que a garçonete esbarrou na mesa. Vendo a aflição da garota, resolvi dar uma forcinha: tombei. A maior sujeira. As duas se levantaram assustadas. Foi a deixa que ela precisava.

- Nossa! Viu a hora? Preciso ir... Tobias está sozinho desde cedo. É uma pena mesmo!

E antes que a outra pudesse dizer alguma coisa, Janaína levantou-se, deu-lhe dois beijinhos, foi até o caixa e sumiu aliviada.

Fiquei eu e a senhora. Agora triste. Sua melhor amiga havia morrido. E, pelo jeito, não tinha muitas pessoas com quem conversar. Permaneceu ali. Parada. Olhando pro nada. Por um instante imaginou ter encontrado alguém que realmente a quisesse escutar.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Novembro/2008

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Crônica 25: O CATADOR DE PAPÉIS

Ai ai. Mais um dia começa. Movimento insano. Pessoas falantes. Mesas para atender. Cachorros latindo. Pessoas chatas. Pessoas legais. Tristes. Felizes. Ocupadas. A passeio. Enfim, a vida recomeça com seus tropeços cotidianos. Algo muito interessante me aconteceu ontem.

Um homem. Chiquérrimo. Um jornal. Um cachorro. Homens, normalmente, quando sentam sozinhos sempre trazem consigo algo pra ler ou um computadorzinho portátil. Qualquer coisa que mostre que eles estão muito ocupados. É como se sentissem culpa por estar ali, à toa, apenas curtindo um fim de tarde, na companhia de seu café. Serve também como um escudo. Para que ninguém os incomode. Muitas vezes imagino que vou pegar um deles com o jornal de cabeça pra baixo...

Este homem sentou-se. Amarrou Donato (Dinho para os íntimos) na cadeira. Pediu água para o cachorro. Era um bichinho especial. Usava rodinhas no lugar das patas traseiras. Como uma cadeira de rodas. E, por último, abriu seu escudo protetor, o jornal. “Assim não serei incomodado”, pensou.

Fora dos meus domínios, no meio da rua, vinha devagar um catador de papel, com seu carrinho e, em cima do monte de papelão recolhido, um simpático vira-lata. Muito atento. Quando o catador de papéis viu Donato. Parou. Sensibilizou-se. Não agüentou.

- Senhor, com licença... Desculpe incomodar...

O homem que havia acabado de dar um gole em mim – expresso e sem açúcar – me depositou no pires. Nervoso por aquela invasão. Olhou bem o outro e respondeu:

- Pois não?

- Gostaria de parabenizá-lo!

O homem dobrou o jornal. Sem entender. Talvez um pouco assustado.

- Como assim?

- É. Gostaria de parabenizá-lo. Por amar tanto seu cachorro. Por lhe ser tão dedicado. Como ele chama?

- Donato

- No albergue onde eu ficava – quando ainda era permitido cachorro em albergues – tentaram matar meu companheiro. Apenas porque ele latia. Pode um negócio desses. Eu fui muito claro. Avisei o meu compadre: se encostar um dedo nesse cachorro, você é quem morre! “Tô” certo, não “tô”??

- Claro que sim! – respondeu o homem cada vez mais interessado na conversa. Dobrou o jornal e colocou-o ao meu lado, na mesa.

- Pois é! Nunca mais fiquei em albergue. Agora, nem dá, não permitem mais a entrada de cachorros. Vou te falar... Esse cara aqui é meu companheirão! Vai comigo pra tudo que é lugar. Se alguém tenta encostar-se a mim enquanto durmo, ele faz o maior furdunço. Salvei-o de um dono violento. Cachorro sabe o que é gratidão. Eles, sim, sabem amar.

O homem que estava comigo em suas mãos começou a entender aquele sujeito. Ele trouxe palavras interessantes para seu dia reflexões.

- Bom, senhor, vendo-o com esse cachorro – machucado – entendo que o senhor não quis matá-lo. Ama-o como ele é. Ele é para o senhor exatamente o que o meu amigo aqui representa pra mim. Alguém da família. Ele é a minha casa. Parabéns!

E saiu. Deixando o homem, eu e Donato pra trás. Voltei à mesa em uma versão mais quente e com leite. Reparei que meu companheiro de mesa não abriu seu jornal novamente. Ficou observando o homem com o carrinho e cachorro sumirem no horizonte. Era isso mesmo que Donato significava para ele. Companhia. Lar. Ele também havia salvado seu amigo. E seu amigo salvara-o igualmente. Seriam eternamente gratos. Um ao outro.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Novembro/2008

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Crônica 24: O BEIJO

Uma tarde agradável. Uma mesa ao ar livre. Calor. Duas amigas. Um café. Existe tarde melhor? Imagino que não. Afinal, minha companhia é bem vinda e requisitada faça sol ou faça chuva. As duas conversavam alegremente. Animadíssimas.

Os temas eram futilidades. Banalidades. Falavam da vida alheia. Duas mulheres, imagine. Novela, artistas, sapatos, bolsas. Enfim, estavam tirando uma deliciosa folga no meio de uma quarta-feira.

Nessa mesa eu estava acompanhado de tortas doces. Sabe, comer doces junto com o café realça, ainda mais, o meu amargor. Se comê-los depois o açúcar ficará inibido e o sabor da guloseima prejudicado.

Voltando à mesa em questão. Uma das mulheres era grandona. Cabelos curtos. Unhas sem fazer. Usava camisa branca. Calça jeans. E uma bota. Básica. A outra estava toda de preto. Calça. Blusa. E uma sandália.

As duas tinham bolsas grandes. As agendas sobre o tampo da mesa disputando espaço comigo. Não gosto de nada que invada meu espaço. Meu perímetro. Existem cadeiras extras, pra que? Mas... O cliente tem sempre razão.

Depois de uma hora de bate-papo, levantaram-se e seguiram juntas até o carro.

- Tchau amor da minha vida! – disse a mais básica.

A outra voltou. Deu-lhe um agradável abraço. Em seguida um beijo. Beijo de cinema.

Logo se ouviu um burburinho. As pessoas foram tomadas por um choque.

- Oh!

- Pra que isso?

- Que pouca vergonha!

Esses foram alguns dos comentários das pessoas que estavam sentadas no café. Se pararmos pra pensar – talvez com alguma ironia – beijar não faz sentido nenhum. Mas é bom. Por que elas não poderiam? Expuseram-se? Sim. Opção delas. Um casal hetero se beija mais e mais vezes e isso não é considerado uma exposição.

De qualquer forma a questão é: até aquele momento ninguém havia se incomodado com as duas. Elas não haviam representado nenhum grande perigo para a humanidade. Porém, depois de um ato impensado destes, tornaram-se verdadeiros diabos.

Não passariam mais incógnitas. Se a idéia era provocar, conseguiram. Se o propósito era agir com naturalidade, não foram tão bem sucedidas assim. Fato é que este ainda é um assunto que levará muitos cafés para ser debatido.

Achei a frase de uma jovem senhora sentada próxima à janela, emblemática. Assim, termino minha crônica de hoje com ela... Será que você também pensa assim?

- Eu não tenho preconceito. Cada um faz o que quer. Mas o que se ganha com tamanha exposição?



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Outubro/2008

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Crônica 23: O IDIOMA

A mesa era animada. Três pessoas papeando. Gesticulando. Duas mulheres. Um homem. Um deles falava mais que os outros. Curiosamente não eram as mulheres. Cheguei quietinho e me acomodei. Espera aí. Para tudo eu não entendia nada que era dito.

Açúcar. Mais açúcar. Colherinha mexendo. Primeiro gole. Mexe mais. Segundo gole.

- What is this? – Dizia o homem.
- Sugar – as duas moças respondiam.
- Ok, ok. Very good!!

E então começavam a conversar freneticamente sobre aquele assunto. As mulheres gaguejavam um pouco. Mas conseguiam completar a frase.

“O que é isso?” pensei. Algum tipo de seita? Uma comunidade secreta? De repente uma palavra que eu conhecia. Português. Ufa! Mas era apenas uma correção relacionada àquela estranha língua. Foi aí que entendi.

Não se tratava de seita nenhuma. Era apenas um professor de inglês e suas duas alunas. Por isso só falavam inglês. Ele trazia seus alunos para os cafés, para as ruas, a fim de que aprendessem o idioma na prática. Para que se sentissem estimuladas a conversar. E conversavam sobre os mais variados assuntos.

Achei aquilo bárbaro. Uma forma inteligente de ensinar outro idioma. Por que será que poucos professores se valem desse método? Além de ser divertido aprendem-se palavras que não estão nos livros.

Outubro. Mês dos santos. Das crianças. Dos professores. É um mês de respeito. Existem professores bravos. Bonzinhos. Calados. Amigos. Inteligentes. Pedantes. São seres humanos. Cheios de defeitos. Mas também existem professores ousados. Cheios de idéias. Criatividade.

Os três conversaram muito. Mesmo. Comeram. Tomaram café. Eu fiquei tonto. Fui e votei tantas vezes... Nossa.... Sem entender uma só palavra.... Perdido. Preciso urgentemente aprender novos idiomas... Risos.

Percebi que falaram muito de mim. Virei o “Cófi”. Tentei me envolver. Entender. Aprender. Mas não podia perguntar. Dureza essa vida. Ninguém aprendeu minha linguagem ainda. Mas foi uma experiência e tanto.

Levantaram-se. Empurraram as cadeiras. Seguiram até o caixa. Passos leves. Formalidade no ar. Cada um pagou o seu. Ninguém pagou o “Cófi” do professor. Saíram. Foram-se. Falando. Falando. Falando.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Outubro/2008

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

CRÔNICA 22: O PRESENTE

Domingo. Dia das crianças. Parece que o dia abriu depois de um longo período de chuvas e dias cinzentos. Junto com o dia abriram-se também diversos sorrisos de crianças contentes em ganhar seus presentes. A minha cafeteria se encheu. Crianças. Papéis de presente. Pais. Irmãos.

Em uma das minhas melhores mesas se sentou uma grande família. E eram primos e primas de aproximadamente 7 anos. Uma farra. Vinham de um almoço e resolveram me visitar. As crianças optaram por refrigerantes e doces. As mulheres decidiram-se por chá. Os homens ficaram no suco.

Apenas um quis minha deliciosa presença. Talvez tenha me sentido deixado um pouco de lado, mas importante é que estava lá. Confesso que não tenho muita paciência com crianças. Quase fui ao chão duas vezes. Fui sufocado com papéis de presente. Meu degustador mal conseguiu me saborear com a atenção que mereço. Mas o dia era delas.

Em compensação nada paga ver uma criança sorrir. Ver a alegria brilhar quando ela ganha aquilo que quer. Pode ser algo aparentemente sem importância nenhuma. Mas para ela é um tesouro. Que delícia.

Tudo lindo. Mas eu já estava louco para voltar para o balcão, quando o meu apreciador resolveu ir embora. Ufa! Chamou a garçonete.

- Por favor, senhorita!

Nada. Ele esperou uns dez minutos. A casa estava cheia. Havia poucos atendentes. Quando finalmente ela chegou. Anotou algumas coisas em seu computadorzinho de mão e entregou um cartão para o homem.

- Sua comanda senhor!

Era preciso pagar diretamente no caixa.

- O que? Além de esperar por você, ainda terei que pegar aquela fila? Em pleno domingo?

- Nós funcionamos assim, senhor, desculpe...

A mulher segurou o braço do homem. Delicadamente. Para que ele se acalmasse. Mas seu rosto foi ficando vermelho. Sua voz num tom nada agradável. Pedante. Empurrou a cadeira com força. Dirigiu-se ao caixa.

Permaneceu na fila por dois minutos. Voltou. Pisava firme. As mãos na cabeça.

- Vamos embora!

Ele não pagou a conta. A fila era grande. A mulher lembrou-lhe da necessidade de quitar o que haviam consumido.

- O que? Fui mal atendido e ainda tenho que ficar na fila para pagar a conta? Tenho mais o que fazer! Vamos embora. – Recolheu os presentes. As crianças e todos seus parentes o seguiram calados. Ninguém voltou para acertar a conta.

Fiquei paralisado. Vendo a garçonete entrar em pânico. O gerente ir atrás do homem. As outras mesas comentando. E, principalmente, pensando. Será que este foi um bom presente para seus filhos e sobrinhos?

Provavelmente se tornarão pessoas que desconsiderarão o trabalho dos outros. Egoístas. Definitivamente, este não é um bom presente para se deixar. Os brinquedos vão quebrar. Acabar. Mas o legado deixado pelos pais se perpetuará e se reproduzirá. Que péssimo presente...



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Outubro/2008

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Crônica 21: A ELEIÇÃO

Terei que ser um pouco repetitivo. Novamente nosso tema será a eleição. Inevitável. Perto de onde moro, ou seja, da minha cafeteria, há uma escola que funciona como zona eleitoral. Seria impossível não falar nesse assunto.

Após a votação. Com o dever cumprido. Muita gente se senta por aqui para conversar. Encontrar amigos. Fazer hora. Acompanhar o resultado das urnas pelo Laptop. Enfim, muitos passam por aqui. E eu, que não sou bobo. Acompanho as conversas.

São vários os perfis. Há o desinteressado. Ele votou por obrigação. Acha aquilo tudo uma bobagem. Normalmente solta frases do tipo: Votar é uma chatice. A política não interfere na minha vida!”. Será? Essa pessoa provavelmente nunca se deu conta do que seria viver em sociedade. Dividir um espaço público. Nunca pensou nos impostos que paga.

Há também o idealista. Este é bastante interessante. Embora muitas vezes não perceba que o ideal pode ser impraticável. Mas tem um partido ao qual é fiel. Sabe bem o que quer da política. A importância desta para a sociedade. É um apaixonado.

Bastante comum também é o estilo consciente. Acompanha os jornais. Sabe que se passa no mundo. Tem uma opinião formada. Não se deixa influenciar. De forma geral escolhe seu candidato avaliando propostas. Partido para ele é o que menos importa. Leva em consideração a figura do político.

Poderia citar aqui uma infinidade de perfis. Só observando meus apreciadores. Mas o que mais me entristece são aqueles que perderam a fé. Muitas vezes anulam seu voto. Deixam de escolher. Perdem a oportunidade de expor sua opinião. Eu entendo. Pelo que leio nos jornais alheios, a vida política brasileira está uma pouca vergonha.

É um escândalo novo por dia. Aliás, quero deixar claro que não é culpa do cafezinho esse monte de roubalheira. Digo isso, porque sempre ouço: “na hora do café tudo se resolve”. Voltando. Fico decepcionado quando vejo jovens desestimulados a votar.

Pode ser mais do mesmo. Pode sim. Mas é a sua hora para tentar mudar o que não gosta. A urna é onde estarão depositadas suas expectativas. Seus valores. Seu estilo de vida. Acho lamentável alguém simplesmente abrir mão dessa chance. Não vote contra alguém. Vote a favor de uma cidade melhor. Para todos que a habitam. Este café fica longe das urnas. Mas bem perto dos eleitores.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Outubro/2008

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

CRÔNICA 20: A FILA

Época de eleições. Que bagunça. Debate na televisão. Milhões de matérias nos jornais, telejornais, revistas ou, como diria uma de minhas degustadoras, milhões de variações sobre o mesmo tema. Vira e mexe vejo, ao meu lado, na mesa, santinhos, folhetos, enfim, publicidade. Montes de sorrisos. Falsos. Com certeza. Promessas. Quem sabe se reais, ilusórias ou idealistas?
Fato é que dia desses... Senta que lá vem a história...
Semana passada mais precisamente. Estava eu. Atrás do balcão. Como de costume. Ainda em grão. Esperando ser preparado. Nesse momento sempre fico um pouco ansioso. Bate aquela insegurança. Serei expresso? Com leite? Chantilly? Apreciarão meu sabor? Será uma mesa agradável?
Questões mil. Estou, eu, neste momento de total introspecção, quando uma menina muito simpática se aproxima do balcão. Era um dia de movimento. Casa cheia. Havia uma fila enorme. Alguns querendo refrigerante. Outros atrás de doces. E havia ainda aqueles que preferiam os salgados. E, é claro, os apaixonados por mim.
Todos foram sendo atendidos. Um a um. De repente, notei certo movimento na rua. Uma barulheira. Era um grupo entoando um tipo de canto de guerra. Não entendi nada. De onde estava não conseguia enxergar a rua.
Chegou a vez de a menina ser atendida. Foi só ela tentar abrir a boca... Entrou um rapaz. Feito uma bala. Aproximadamente vinte anos. Nervoso. Tenso. Parecia não ter visto a fila. Passou por todos. Muito aflito.
- É o seguinte: eu preciso de um refrigerante light, dois salgados, um de frango, um de palmito...
Ao ver aquilo a mãe da mocinha que estava sentada à mesa. Próxima à fila. Levantou-se.
- O que é isso? Você não notou a fila?
- Mas é uma emergência, madame – afirmava o rapaz com os olhos arregalados.
- Emergência por quê? Tem alguém morrendo?
- Eu não posso explicar agora. Tenho que voltar, logo!
- Que coisa. Voltar pra onde? O senhor aguarde na fila como todos! Que falta de educação! – esbravejou a mãe da garota.
- Olha, eu vou ser claro: estou no comício de um candidato a vereador da região. Ele quer comer e eu preciso correr.
- Então o senhor avise a esse “candidato” que ele vai ter que esperar como todos os outros! E me dê o nome dele pra eu nunca votar nesse ser!
Nessa altura os integrantes da fila já estavam inquietos. Reclamando. Fazendo coro. Amaldiçoando o rapaz. Política no Brasil é isso. A pessoa nem se elegeu ainda e já acha que pode sair dando carteirada. Furando fila. Passando na frente de outros cidadãos. Pra dizer o mínimo. Burrice do candidato. O funcionário perdeu tempo, pois teve que voltar para o final da fila. O seu pessoal se desgastou. E – o pior para ele – perdeu, no mínimo, dez eleitores. Fora os curiosos e o boca a boca. Dia 5 de outubro está aí. Abra os olhos. Conselho de um amigo pé quente. Um amigo pra todas as horas.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Outubro/2008

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Crônica 19: O SAPATO

Com tanto tempo de mesa eu fui aprendendo algumas coisas sobre as pessoas. Uma delas diz respeito aos sapatos escolhidos. Alguém já parou para prestar atenção aos sapatos alheios? Ou até mesmo aos próprios sapatos?

As mesas do salão, onde sou servido, são aquelas de tampo transparente. Algumas têm nervuras. Outras são lisas. Por isso, consigo enxergar tão bem os sapatos. E são de todos os tipos. Chanel, scarpin, masculino, engraxado, fosco, sandália, chinelo e por aí vai.

Hoje. Por exemplo. Estou em uma mesa com um casal. Ela usa scarpin forrado. Tecido colorido. Deve ser uma pessoa exagerada. Que gosta de se destacar em meio aos outros. Deve adorar dourado. Ir às compras deve ser um de seus passeios prediletos. Digo isso porque ao cruzar as pernas notei que a sola estava limpa. Pouco uso. Imagino que tenha pilhas de sapatos em seu closet.

Já ele, usa uma havaiana surrada. Daquelas bem confortáveis. Que já estão até com a marca do pé gravada. A sola então... Um Deus nos acuda. Tem até a marca de um chiclete que um dia grudou ali. Saiu. Mas ficou marcado.

Um Scarpin novo e uma havaiana usada. Com certeza o que ele menos quer é ir ao shopping. Deve fugir de compras. Provavelmente não gosta de se sentir preso a normas sociais. Moda, por exemplo. E seu guarda roupas deve ter o básico. Calça. Camisetas.

O que me leva a imaginar que a havaiana triste e o scarpin reluzente muito têm em comum. Ele também deve gostar de se destacar na multidão. Só escolheu uma forma diferente de fazer isso. Não fosse assim, ele estaria de sapato ou tênis. Considerando o frio que anda fazendo em São Paulo.

Talvez a havaiana seja apenas estilo e, se assim for, ele também está preocupado com a moda. Ou, não fugiria tanto dela. Possivelmente tem discursos prontos sobre a alienação do mundo fashion. A escravidão dos modelos de perfeição. O corpo perfeito. A falta de personalidade e a massificação provocada pelo consumismo desesperado em busca de apenas aparência.

Blá. Blá. Blá. É. Sapatos podem revelar muito sobre quem os usa. Não mentem. Não ludibriam. Apenas são. Objetos. Exatamente como eu. O seu cafezinho. Apenas sou um cafezinho. Sirvo. Venho até sua mesa da forma como você quiser. E observo. Tento decifrá-los. Não consigo. Mas consegui entender que mais que estética e prazer, sapatos e cafés são uma questão de estilo de vida.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Setembro/2008

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Crônica 18: A NOTÍCIA

Mais um dia de trabalho. Mais um dia de histórias. De vidas cruzadas. Assuntos levantados. Dessa vez o fato chegou até mim. Mas aconteceu bem longe do meu ambiente. Meu lar. “A tecnologia é uma maravilha”, diriam alguns. Mas a humanidade anda decepcionando. Diz um simples café.

Entra um senhor. Parece tranqüilo. Procura uma mesa. Escolhe bem. Decide-se pela mesa do canto. Acomoda-se. Pede uma xícara de café. Coloca o celular sobre o tampo. Ao lado do açucareiro. Ele usava uma pochete. Que é delicadamente depositada na cadeira ao lado.

Devia ter passado em alguma banca de jornais antes. Tinha um jornal diário e uma revista semanal em suas mãos. É. Quando eu cheguei, ele havia acabado de abrir a página de cultura. Adoro. O ser humano ainda não inventou nada melhor que a cultura.

Em seguida fomos para a parte de economia. Aí a coisa começa a se complicar um pouco mais. Enfim. Fomos lendo todo o jornal. Na ordem dele. Óbvio. Muita notícia triste. Coisas feias. Maldades. Medo. Porém, infelizmente, nada de anormal.

De repente mais uma página virada. Um barulho ensurdecedor. Considere o meu tamanho. Uma ventaria descomunal. Uma sacudidela. Consegui ler. Fiquei aterrorizado. Dois irmãos pequenos foram assassinados pelo pai e a madrasta. Não bastasse, foram cruelmente esquartejados.

Esfriei. Continuei lendo. As duas crianças haviam pedido socorro aos órgãos competentes. Silêncio. Foram levados pelas mãos ao pai. Foram executados na mesma noite. Triste? Não é triste. É impensável. Injustificável. In. In. In.

Não poderia deixar de trocar minha indignação. De colocá-la aqui. Primeiro. O pai ter este tipo de atitude com seus filhos. Louco. Monstro. Contudo, Louco. A madrasta. Totalmente insana. Descompensada. Ciumenta. Agora, a Conselheira Tutelar... Representante do poder civil. Sã. Responsável por seus atos. Negou ajuda. Julgou errado.

A humanidade está cada dia mais insensível. Menos atenta às sutilezas. Nesse caso às não sutilezas. Talvez, casos como esses tornem homens e mulheres desconfiados em relação ao próximo. Quiçá apenas por precaução.

Porém, todavia, contudo, um café, apenas um cafezinho. Aquele de todo dia. Ainda não perdeu a capacidade de se indignar. E deseja a todos que estão lendo estas poucas linhas que nunca a percam também. Desejo a vocês sempre menos. Menos arrogância. Menos indiferença. Menos insensibilidade. Menos medo. Menos páginas policiais nos jornais. Menos descaso. E, conseqüentemente, menos violência.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Setembro/2008

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Crônica 17: A ERUDIÇÃO

As pessoas são realmente muito engraçadas. Valorizam o lirismo à sabedoria prática. Quanto mais difícil alguém discursa, mais sua opinião é valorizada. Já perceberam? Eu, pessoalmente, dispenso falas cheias de pompa. Principalmente quando o narrador sabe muito pouco do que está falando. Quando há apenas a intenção de impressionar.

Falo isso porque semana passada fui parar em uma mesa dessas chatas... Mas muito férteis para o nosso papo. Eram dois caras. Moderninhos. Cheios de si. Vinham de uma sessão de cinema. Cult. Claro. Fazia frio. E muita garoa.

- Dois expressos curtos! – Sentenciou o cara da direita.

- Então... Gostou do filme?

- Gostei... Interessante...

Eu cheguei. Curioso, como sempre. Os dois deram uma pequena bicada no meu conteúdo. “Não sei por que eles insistem em dar um toque amadeirado no café... Prejudica o sabor...” resmungou um dos homens. Espera um pouco. Toque amadeirado? Nunca ouvi falar de café com toque amadeirado. Eu definitivamente não tenho.

- Você entende tanto assim de café? Pra mim está ótimo!
- Não notou? Está óbvio!

Aquele esnobe não entendia nada de café. Mesmo assim continuou.

- Pois é, esses baristas modernos insistem na customização. Já reparou como deformam o DNA do grão? É revoltante...

- Jura? – respondeu o outro incrédulo – Pra mim está uma delícia!

- Delícia nada... Tá certo que é uma questão de habituar o palato... Mas dizer que este café está bom é um ultraje!

E assim foi discursando sobre mim. Falando mal de mim. Na minha frente. Escolhendo as palavras. A dedo. Fiquei indignado. Torci muito para que o café caísse e manchasse todo o seu pulôver cinza clarinho. Não cai. Não manchei.

Meu tão enfático crítico deve ter lido algum artigo, porém, muito provavelmente, sobre vinho. Mas ele não viu mal nenhum em expor seus “conhecimentos” e impressionar o amigo. Tolo. Por que não disse o que sabia? Por que acreditou em alguém tão desabilitado para falar sobre o assunto?

Eu sei a resposta. Porque o outro fez cara e voz de quem sabia do que estava falando. Não aceitou interferências. Não se deixou questionar. E eu. Fiquei ali triste. Fui abandonado. Xingado. Mal tratado. Não pude responder. Eu não tenho DNA. Tenho safra. Nem tão pouco tom amadeirado. Tenho gosto de prazer. De acolhimento. Mas ainda assim, tenho coração. Entristece-me as pessoas darem ouvidos a eruditos tão ignorantes.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Setembro/2008

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Crônica 16: O CIÚME

O clima já estava quente quando eu cheguei. Quente não. Fervendo. O ar no entorno da mesa borbulhava, quase tanto quanto a água necessária para o preparo de um bom café. Fui delicadamente colocado na mesa.

Mal me ajeitei e... Senti uma pequena vibração. Poucos minutos depois ouvi o tilintar do pires e dos outros copos na mesa. Só então me dei conta. Eu havia sido posicionado no olho de um furacão. Isso mesmo. E quem estava a ponto de explodir era uma mulher. Quarenta e poucos anos. Novamente um casal.

A tal senhora estava tão nervosa, tão nervosa, que não conseguia perceber o tamanho do escândalo que protagonizava. Ela tremia. Ele não entendeu o porquê de tanta excitação. “O que foi que eu fiz?”, pensava.

Em meio à tamanha confusão eu pincei uma frase. Simples. Mas esclarecedora.

- “Eu vi a sua nova secretária!” – Berrou insana.

O que? Toda aquela fúria por causa de uma secretária? Isso mesmo. Ele tentava justificar. Explicava que nem conhecia a moça. Que era uma funcionária como outra qualquer. Nada adiantou. A cada explicação. Um novo acesso de fúria.

- E você nunca reparou que ela é bonita?
- É bonitinha. Mas é minha secretária. Pára com isso!

Foi então que aconteceu o que eu mais temia. Ainda estava cheio. Já estava gelado. A esposa estendeu a mão e... Pegou-me... Em uma fração de segundos fui atirado contra a parede. Fiquei lá... Escorrendo. Marrom. Minha xícara quebrada.

Satisfeita, ela saiu. Deixou o marido – ou ex-marido – lá. Sentado. Pensando “O que está acontecendo... Eu nem havia reparado se a menina era bonita ou feia... Meu Deus!”. O gerente da casa se aproximou do homem. Devagar. Ele olhou para o homem. Este lhe devolveu o olhar e disse:

- Mais um café, por favor – impassível. Apático.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Agosto/2008

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Crônica 15: A VERDADE

Eu. Um café. Vejo de um ângulo bem diferente a tudo e a todos. De baixo pra cima. De dentro pra fora. Dessa forma, consigo, em muitas situações, me aproximar bastante da essência das situações. Sempre dou preferência a degustar cada gesto, cada palavra – que ironia – a enxergá-las.

Em todas essas observações ainda não consegui entender por que o ser humano é tão complicado. Falta de coragem para permitir que o outro chegue perto sua alma. Coragem para deixar seu mundo particular aberto a estranhos. Intrusos.

Ainda outro dia eu estava na mesa acompanhado por um tranqüilo casal de amigos. Mesa. Xícara quente. Pires branco. Puro. E duas almas inquietas descansando em meus braços. Ela tentava entender sua vida. Falava. Questionava-se. Ele, mero ouvinte.

- O que você acha? – perguntou aflita.

Titubeou. Pensou. Analisou. Mais um gole. Falou. Palavras. Palavras. Palavras duras. Os olhos da amiga marejaram. Pareciam duas piscinas. Uma lágrima escorreu. Invasão. Ela perguntou. Mas não queria uma resposta.

- Não precisa agredir – disse a mulher.

Ele não estava agredindo. Apenas entrou por uma porta proibida. Usou a chave errada. A verdade. Silêncio. Tensão. Eu ali. Senti a presença das palavras não ditas. O ar podia ser tocado. Cada vez mais espesso. Eu, mais frio a cada momento.

A verdade foi vilã. A amiga, questionadora, não queria ouvir um eco do que vinha no seu peito. Ela queria uma falsa-verdade. Levantaram-se. Saíram. Fiquei lá. Parado na minha mesa. Olhando. Até o semblante dos dois sumir. Confundir-se com outras tantas verdades a serem ditas e ouvidas. Verdades que caminham veladas pelas ruas. Perdidas. Cansadas.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Agosto/2008

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Crônica 14: A ÁREA DE FUMANTES

Sou um café. Como é sabido. Convivo com cigarros. Fumantes. Fumaças. Eu formo uma parceria bem interessante com o cigarro. Digo parceria interessante porque a maioria dos fumantes aprecia muito a minha companhia. Gostam de sentar-se, pedir um café e consumir seu vicio. Deleitam-se com essa combinação. Valorizam-me. A cada gole.

Dia desses fui levado até a “Área de Fumantes”. Colocaram-me entre um maço de cigarros e um cinzeiro. Eles em nada me incomodam. Na mesa, duas mulheres. Pareciam felizes. Apenas colocando o assunto em dia. Uma conversa boa. Agradável. Entre uma baforada e outra um gole no meu corpo quente e espesso. O dia estava próprio para uma bebida quente e forte como eu me pretendo.

De repente, sem mais nem meio mais, aparece uma menina linda. Devia ter uns sete anos. Linda mesmo. Loirinha. Cabelos ondulados. Seus olhos azuis acinzentados. Eu já tinha visto a criança. Ela estava sentada com o pai do lado de dentro do estabelecimento. Onde é terminantemente proibido fumar. Os bichos-papões da era moderna – os fumantes – estavam bem longe deles.

Mas a pequena não estava satisfeita. Ela surgiu na mesa. Ficou olhando fixamente para a mulher que fumava. Susto. A moça imaginou ser uma visão. Uma alucinação. Olhou para a menina. Um olhar interrogativo. A menina devolveu olhar. Parada.

- O que você quer meu bem? – indagou a moça sem entender nada.

A menina nada respondeu. E continuou no mesmo lugar.

- Pois não querida? Posso ajudar-lhe em algo?

Nada. Nem um movimento sequer.

As duas não sabiam mais o que fazer. Quando...

- Por que você fuma? Meu pai disse que é muito feio fumar...

- Olha querida, é feio mesmo. Agora eu estou tentando conversar, você poderia nos dar licença? Por favor!

A menina não se mexeu. Ficou ali. Parada. Olhando fixamente para a fumante. A mulher incomodada pensou que se ignorasse a criança, talvez ela saísse. Era só uma criança. “Fique calma”, pensou. Deu um gole em mim. Um gole forte. A menina não se mexeu. Não tirou o olhar acusativo de cima da fumante.

Olhou em volta para procurar o responsável por aquela bonequinha intrometida. Achou um homem. O homem fez sinal com a mão. A menina saiu. Foi ao encontro do pai. “Ufa” pensou a mulher. Terminou de me degustar. Terminou seu cigarro. Acendeu outro. Pediu outro café. Ficou ali. Quieta com sua companheira de mesa. Restrita ao “pedaço que lhe cabe deste latifúndio”. A área de fumantes.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Agosto/2008

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Crônica 13: AS MÁQUINAS

Dois homens. Um café. Dois computadores. Um único silêncio. É isso. Quando cheguei àquela mesa, algo me assustou: a falta de palavras. Sujeitos estilosos. Um pediu café com chantilly e o outro preferiu refrigerante – gosto não se discute, não é mesmo?

Estavam sentados um em frente ao outro. Nada falavam. Nem sequer se olhavam. Vez por outra eu ouvia algum som que não configurava, necessariamente, como uma conversa.

- Chegou aí?
- Não. Nada aqui.
- “Pera” aí. Vou ver o que está acontecendo. Entra no MSN que fica mais fácil!

MSN? Como assim? Eles estavam cara a cara. Dividindo a mesma mesa. Preferiram conversar pelo “chat”. Riram. Riram muito. E devem ter conversado horrores. De vez em quando uma garçonete aparecia. Um deles apenas erguia a mão em sinal negativo.

Não queriam consumir mais nada. O mundo virtual os havia consumido. Eu já tinha ouvido conversas sobre computadores, mas nunca imaginei que pudesse ser algo tão hipnotizante. Uma hora se passou. Eu esfriei. Fiquei gelado. O chantilly desmanchou-se. Derreteu. Misturou-se ao meu corpo. Eu devia estar horrível.

Aparece o terceiro elemento. Outro homem cheio de si. Este vinha sem computador.

- E aí, cara! Trabalhando final de semana?
- Nada! Tô só passando o tempo... Me divertindo...

O amigo recém-chegado assustou-se. Interrogação no ar. Dia de sol, dois amigos em um café, muita gente na rua. Dois computadores. Diversão? E pelo que pude entender eles estavam felizes mesmo.

O novato sentou-se e tentou puxar assunto.

- E a família? – arriscou... Sem saber se deveria investir em uma conversa tão... Real!
- “Pera” só um minutinho... Acabou o download agora... Um segundo...
- Ok - respondeu descrente.

E assim, a situação permaneceu por meia hora. O amigo “real” cansou-se. Os dois cibernéticos terminaram o “papo virtual”. Pagaram. Levantaram-se. Saíram. Provavelmente, cada um seguiu para sua casa. Foram terminar um download ou “conversar” com alguém via MSN. Provavelmente, nenhum dos dois notou o lindo dia que fazia na rua. Sequer viram o arco-íris. Mesmo assim, um dia eles perceberão que esta tarde, de fato, existiu. E se darão conta de que não a vivenciaram. Triste conclusão essa. Triste. Mas real.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Agosto/2008

segunda-feira, 28 de julho de 2008

Crônica 12: A FOTOGRAFIA

Mesas movimentadas. Adoro. Quatro mulheres. Uma linda tarde de sol. Quando me apresentei o papo já estava no fim. Isso acontece muitas vezes. As pessoas vão até a minha casa. Comem. Bebem. Depois... “Garçom! A continha e o café”. Sobra-me pouco tempo de convívio. Contudo, sou uma boa desculpa para estender o papo com os amigos.

Eu estava louco para ir até aquela mesa. O clima era animado. Empolgante. Suas integrantes eram de gerações diferentes: uma jovem na casa dos vinte. Duas na casa dos cinqüenta. E uma senhora com uns setenta e poucos. As idades são aproximadas, afinal, a medicina estética anda tão avançada que se torna praticamente impossível garantir o tempo de vida de alguém.

Fui colocado sobre a mesa. A conversa rolava solta. As risadas também. Era uma família. A avó, suas duas filhas e sua neta. Que delícia. Que troca boa. Falaram de tudo. Relembraram. Reviveram. Viveram. E, como não podia deixar de ser, fofocaram muito. Muito.

- Eu trouxe a máquina! – incentivou a neta. Mesmo sabendo que tirar foto naquela mesa não seria tarefa das mais fáceis.

- Ah! Não! - disseram em uníssono as outras três.

- Como não? É tão raro a gente se encontrar... Só a gente... Vamos vai... Só uma... Pra registro... – A neta insistiu. Insistiu. Argumentou. E como tinha argumento a menina. Nossa.

Conseguiu. Ainda assim, não foi tranqüilo. Cada uma precisava cuidar de um detalhe importantíssimo. Batom. Maquiagem. Arrumar a roupa. O Cabelo. Tirar os óculos de grau. Ufa! Por fim, colocar os óculos escuros.

Tudo pronto. “Pode tirar”. As primeiras a serem fotografadas foram a mãe e a tia. Pose. “Essa não ficou legal, filha, tira outra?”. Esse é o problema com as câmeras digitais: podemos ver a foto antes da revelação. A primeira nunca está boa.

A neta tirou outra. Outra. Outra. Outra. “Agora chega. Está ótimo!”. Gargalhadas. Para espanto geral, a avó resolveu participar da gostosa bagunça. Muito mais prática. Colocou seus óculos escuros e decretou: “tire. Mas do lado de lá”. A menina mudou de lado. Tirou a foto. “Precisamos de uma foto das quatro. Cadê o garçom?”.

Coitado do garçom. “Olha se o senhor puder tirar a foto só da parte de cima é melhor”, aconselhou a mãe gentilmente. Risos. Risos gostosos. Escandalosos. Dessa vez quem não gostou foi a neta. “Não ficou boa o senhor poderia tirar outra?”. “Claro. Mas não dá pra tirar mais pra cima” – comentou o garçom, muitas vezes malabarista, desacorçoado. “Não, a foto está ótima. O meu cabelo é que não ficou legal”.

Todas se arrumaram novamente. Pacientemente, ele bateu outra foto. Essa sim. Ficou ótima. Eu devo ter saído em todas, mas não pude ver as fotos. Sou fotogênico. Não há problema. A neta-fotógrafa-modelo acabou de me consumir. As quatro saíram. Conversando. Felizes. E, assim, seguiram rua afora. “Filha você vai me mostrar as fotos antes de colocar na internet, né?”.


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Julho/2008

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Crônica 11: A DISCUSSÃO

Quando ele chegou eu já estava na mesa. Muito acomodado. Sentindo o perfume da tarde, de uma seca tarde de sábado em São Paulo. Sua companheira de mesa já havia solicitado ao garçom dois drinks. Agora sou chamado de drink. Perde um pouco da essência. É verdade. Mas sofistica. Cheguei gelado. Eles me queriam assim. E eu... Eu sou como você desejar.

Um rapaz não muito alto acomodou-se na cadeira. Senti seu corpo entregar-se ao assento e relaxar por completo. A moça – aquela que havia me chamado – conversava com ele sem parar. Mas ele nada falava. Apenas olhava atentamente para os lábios de sua interlocutora.

Imaginei que ela estivesse falando ao celular. Não estava. Aliás, o celular estava colocado bem próximo a mim. Pronto para me proporcionar um terrível terremoto com suas vibrações insuportáveis. Continuei invocado. Isso não existe. Ela fazia perguntas e ele só olhava para seus lábios. Nem um som.

Estranhei. De repente fui derrubado. O que acontece com essa gente? Pensei. Eu não sabia. Havia sido derrubado por sua fala histérica. Intriguei-me. O cardápio fora solicitado. Ele deitou o livreto na mesa e leu-o. Ele era o que costumam chamar de um portador de necessidades especiais. Sendo menos politicamente correto e mais objetivo: era surdo e era mudo.

Nesse exato momento entendi. Sua ausência de fala e sua fixação nos lábios da amiga, nada tinham de paquera ou timidez. A expressão era outra. A via era outra. Mas a linguagem existia. E, no caso, a irritação também. Apesar de não saber o que dizia, senti na força de seu corpo a indignação ante a situação apresentada pela amiga. Indignação essa “dita” através de gestos fortes e intensos e um significativo balé de mãos e braços. Em todas as direções.

E a discussão foi esquentando. Seu olhar cada vez mais preso aos lábios dela. O corpo cada vez mais solto. Mais enérgico. Ela parou de falar. Baixou a cabeça. Parando de movimentar seus lábios. Impediu o acesso às suas idéias. Respirou. Pousou sua mão no braço insano do rapaz. Tão leve quanto um pássaro em seu galho. Sugeriu silêncio.

O silêncio veio. Ele parou de se movimentar. O silêncio veio. Olhou-a diretamente nos olhos. Abraçou-a. Calma. E enquanto se abraçavam com ternura deitou-lhe os pensamentos nos ombros. O tato. O poder do corpo. A expressão. O toque. Ouvir, falar, são importantes, mas podem ser realizados de formas outras. Sem a voz. Sem o som. E assim mesmo estrondar. Ecoar. Ele era realmente especialíssimo, pois sabia comunicar. E soube exatamente a hora de parar.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Julho/2008

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Crônica 10: O “PIANINHO”

Pessoas. Iguais. Diferentes. Pessoas de todos os tipos passam pelas minhas mesas. Algumas se sentam e apreciam um delicioso café – desculpe a “modéstia” – outros preferem suco, chá, refrigerante. Não importa. Alguns entram e saem correndo. E Existem aqueles que passam sempre pelas mesas. Parando em cada uma. Nada podem consumir. Estão ali trabalhando.

Não me refiro aos garçons ou garçonetes. Refiro-me aos vendedores ambulantes. Aqueles que muitas vezes não são, nem mesmo, vistos. Há vendedores de tudo que é jeito. Um dos mais assíduos é um senhor, na casa dos sessenta anos. Seus trajes são simplórios. Mas percebe-se seu esforço para estar sempre bem arrumado. Preocupa-se com seus consumidores.

Ele vende um instrumento musical, que não se sabe ao certo qual é, uma mistura de mini-piano com harpa. Estranho. Barulhento. Ouço-o chegar ao longe. E o que indica sua presença é o “parabéns a você” que ele entoa em seu trajeto labiríntico entre as mesas. O sorriso é outra de suas marcas. Sua aproximação é sempre delicada: sorri e inclina o objeto na direção do comprador em potencial.

É um objeto difícil de vender. A maioria nem olha. Apenas acena negativamente. Outros simplesmente não enxergam o simpático senhor. Já eu sempre o ouço. Sempre o vejo. Pergunto-me: quem é esse homem? Por que se dedica a um trabalho tão árduo? Terá ele uma família? Filhos? Onde será que ele mora? Ele gosta de seu ofício? O que ele faz para se divertir?

Tantas outras perguntas fervem em mim. Tal qual a água borbulhante usada no meu preparo. Minha curiosidade vai além da figura do velho homem. Novamente estou impossibilitado. Não posso satisfazê-la. Nunca tomarei um café com o doce senhor do “pianinho”. Assim, jamais conseguirei decifrá-lo.

Como ele tantos outros passam vendendo camisetas, balas, doces, panos de prato, bijuterias e acessórios em prata, sândalo, etc, etc, etc. Nenhum é notado. Nenhum é ouvido. Nenhum é enxergado. Não por aqueles que estão no café. Seu público-alvo. Será que algum dos meus degustadores e companheiros já parou para pensar no quão difícil é passar de mesa em mesa vendendo objetos inusitados? Caminhar dia e noite para no fim do dia, talvez, perceber que seu esforço foi em vão?

Imagino que não. Mas eu, um café intrometido e enxerido, penso. Tento olhá-los. Conhecê-los. Impossível. A angústia do impossível. Ainda vou conseguir entender como seres da mesma espécie conseguem ignorar tanto uns aos outros. Conseguem não se interessar por dificuldades alheias. Um olhar. Um “muito obrigado”. Pequenas considerações e valorizações daquele trabalho. Daquele ser humano. Com tão pouco se pode fazer com que alguém se sinta especial. Por que não?

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Julho/2008

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Crônica 9: O VELHO

Antes de servos jovens, adultos ou crianças somos seres. Humanos ou cafés. É difícil entender. Alguns acham que por terem uma ampla vivência podem faltar ao respeito. Outros acham o mesmo por terem experiência de menos. Eu sou centenário e jamais utilizei isso como argumento para não atender alguém. Estranho.

Muitas vezes sou obrigado a presenciar cenas as quais preferiria não ter assistido. Decepção. Era segunda-feira e compartilhava a mesa comigo um senhor. Em média setenta anos. Uma mesa calada. Sem dilemas. Sem palavras.

Senti-me um champanhe ao ser apreciado. Fui decifrado em todas as minhas notas. Como um vinho. Fui consumido sem açúcar, in natura. Adoro quando me degustam puro. Sinto-me valorizado. Odeio ficar melado, como muitos gostam. Parece que anseiam esconder meu sabor e me tornar mais palatável. Não sou doce. Sou amargo. Sou real.

- Sua Burra!

Minha reflexão havia sido interrompida por essa indelicada colocação do senhor à minha frente. Medo. O que gerou a revolta do meu plácido saboreador foi uma senhora que passou pela mesa e sem querer esbarrou a bolsa nele. Esbarrou.

- O senhor está falando comigo? – perguntou incrédula.

- A senhora passou com a bolsa por cima de mim.

- Me desculpe, eu não havia percebido! Mas isso não é jeito de falar com as pessoas! Tenha mais educação!

- Só faltava essa! Eu tenho setenta e quatro anos! Eu falo como quiser!

Todos os que estavam acomodados nas outras mesas olhavam. Uma cena grotesca. A senhora parou, respirou fundo. Caminhou até a mesa em que eu me encontrava. Roxa.

- Não estamos em uma competição para descobrir quem é mais velho. O senhor pode ser idoso, mas isso não lhe confere o direito de andar por aí agredindo os outros por nada. Se não sabe conviver em sociedade não saia de casa!

Dito isso, deixou o homem esbravejando e retirou-se. Desistiu de tomar seu café.

Um homem de setenta e quatro anos – como ele faz questão de afirmar - que tem esse tipo de comportamento, não é sábio. A idade não traz sabedoria. A vida se apresenta e optamos por aprender com ela ou simplesmente ignorá-la. Talvez a segunda opção tenha sido a do nosso protagonista. Nesse caso ele não é e nunca foi um sábio. Nem aos 5. Nem aos 30. Nem o será aos 100.

Eu estava louco para ser derrubado. Queria tanto poder me colocar naquela situação. Não pude. Não posso. Ser velho é lindo. Usar a velhice para destratar quem quer que seja é deplorável.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Julho/2008

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Crônica 8: O PEDESTRE

Meus maiores apreciadores e, talvez, os mais fiéis são os “politicamente incorretos” fumantes. Degustam seus cigarros, observam sua fumaça e em seguida convocam a mim, o cafezinho, apenas para complementar aquele pequeno momento de deleite e relaxamento.

Nesses momentos, em geral, sou direcionado às mesas da calçada. Adoro. Há tanto para se observar. A falta de educação dos motoristas é um exemplo. Buzina, carro furando o sinal vermelho, gente colocando a cabeça pra fora e gritando, xingando. Nossa. Como pode alguém conseguir relaxar ante a uma situação dantesca como essa?

Quem mais sofre são os pedestres. Sinceramente, não sei qual o problema com os motoristas. Uma faixa de pedestres. Um carro. Um transeunte. Um cruzamento. Não há semáforo. O cidadão – parado na calçada – aguarda o melhor momento para atravessar. Os carros passam como raios em dias de tempestade.

Quando o movimento diminui, ele olha para os dois lados. Zeloso. Vendo apenas um carro, ao longe, resolve arriscar-se. Mexe sua perna e dá seu primeiro passo. Quando, finalmente, coloca seu pé na faixa, o carro, antes longínquo, aproxima-se. Ignora a existência da faixa. Do cidadão. O pedestre se assusta.

O homem coloca a mão no coração. O carro pára. O motorista olha para trás, vê o sujeito transtornado, desce do carro, caminha estressadamente até ele.

- Escuta, você não olha para atravessar, não?!
- Eu? Aqui há uma faixa de pedestres... Comprou a carta, foi? – responde o homem incrédulo.
- Se eu vi o seu carro, o senhor também me viu... – continuou indignado
- Você está em São Paulo, não no interior. Aqui é o Brasil e não a Suíça. Acorda!

Xingaram-se.

O motorista limitou-se a olhar para o homem. Um olhar desdenhoso. Deu-lhe as costas e voltou para o seu carro. Seu templo. Provavelmente, continuou seu caminho – como tantos outros motoristas – passando pelas faixas sem vê-las. Cruzando sinais vermelhos. Enfim, agredindo a todos com sua ignorância.

A rua acalmou-se. Os fumantes – sentados nas mesas da calçada – perguntaram-se o que havia acontecido, observaram, comentaram e voltaram às suas vidas. Muitos concordaram com o motorista... E eu, um simples café, não pude falar. Alertar para a falta de cuidado existente entre os homens. Mostrar que uma cena dessas não pode ser corriqueira. Deve ser sempre refletida.


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Julho/2008

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Crônica 7: O Vendedor de Balas

Uma criança de apenas cinco anos. Inofensiva. Certo? Seria se não estivesse vendendo balas nos cafés. Ao menos é isso que algumas pessoas imaginam ao ver um menino vindo até sua mesa oferecer balas. Muitos recolhem suas bolsas, carteiras, guardam os celulares e sequer olham para o rosto do pequeno ser humano. Parado. Na sua frente.

Ele veio chegando bem de mansinho. Já havia passado por ali e sabia que naquela mesa não venderia balas. Mas outra coisa chamou-lhe a atenção: o pequeno e peludo poodle. Sim. Naquela mesa havia um cachorro. Todas as crianças que passam pelo simpático cachorrinho ficam encantadas. Por que ele não ficaria?

Mas teve medo. Medo de se aproximar e ser rejeitado. Como, provavelmente, já havia acontecido. Saiu. Voltou com seu irmão mais velho. Esse tinha sete anos. Aos poucos os dois vendedores de balas chegaram perto da dona do cachorrinho. Que medo.

- Moça... – falaram inseguros e em coro.
- Sim?
- Podemos passar a mão nele?

Que susto. A jovem dona do cachorro disse “claro! Mas antes dêem a mãozinha para ela cheirar. Assim ela não avança em vocês”. O medo passou. A mulher era gentil. E ali ficaram os dois por mais ou menos meia hora. Sentaram no chão junto ao animalzinho e brincaram. Brincaram muito.

Neste ínterim, o casal da mesa ao lado tremia. A senhora estava morrendo de medo daqueles dois sentados ali, tão perto dela. Quanta realidade.

- Você está vendo a mesma coisa que eu, José?
- Estou. Depois que formos assaltados ela vai achar engraçado deixar esses “bandidinhos” brincarem com o seu pet – respondeu o marido cheio de si.

Bandidinhos? Por quê? Eram apenas dois meninos de cinco e sete anos brincando com um cachorro fofinho. Que mal pode haver nisso? Tudo bem, antes eles estavam vendo balas de mesa em mesa... São crianças exploradas por suas mães... Pelas injustiças... Não estudam, nem se alimentam direito... Ainda não entendi em que momento ofereceram perigo. Quando, onde como e porque se tornaram “bandidinhos”.

É isso. São vistos pela sociedade como futuros bandidos. Talvez o sejam um dia. Talvez não. Como qualquer criança, não podemos saber o que serão quando adultos. Que vida terão. O importante é que, nesse momento, são crianças. Apenas crianças. Gostam de brincar com cachorros mansinhos.

Durante aquela meia hora - para os dois pequenos, eterna – eram somente meninos felizes. Mesmo que só por meia hora.

Um café expresso muitas vezes tem muita dificuldade em entender o ser humano. O único abençoado com a capacidade de raciocínio. Será que alguém que raciocina – pensa – nega meia hora de alegria a dois pequenos de cílios compridos e olhinhos esbugalhados? Talvez eu fique indignado justamente por não poder raciocinar... Deve ser isso...


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Julho/2008

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Crônica 6: Sobrancelhas

O inesperado. Tem coisa melhor que o inesperado? Eu, pessoalmente, acho que o fator surpresa é o que há demais especial no cotidiano dos seres humanos. Esse era um dia comum, um dia qualquer no cotidiano deles. Ao menos era o que eles imaginavam.

Estava frio. Era um momento especial para um café quentinho. Sentei-me junto aquele jovem. Um rapaz bonito, simpático, muito educado. Recebeu-me muito bem em sua mesa. Aqueceu suas mãos em minha xícara. Sentiu meu aroma. Pediu licença com a colherinha e mexeu o açúcar que havia acrescentado.

Quando terminou seu ritual de preparação, degustou-me. Pude perceber que ele aproveitou cada grão moído e coado. Cada nuance de meu sabor. Ele estava ali apenas para se aquecer em meus braços. Após o primeiro gole, olhou para o lado, observou as outras mesas e apenas relaxou de um dia exaustivo. Quieto. Sozinho.

Ela estava sentada bem ali. Numa mesa muito próxima. Estava tranqüila. Traindo-me, Tomava um chá e lia um livro. Sua tranqüilidade intrigou-lhe. Deixou nosso apreciador de café curioso. Quis saber o que havia naquele livro que fazia com que ela deixasse o mundo a seu redor e mergulhasse naquele outro ambiente. O ambiente da imaginação. Da fantasia.

Fixou seu olhar naquela moça. Comum. Mas atraente, justamente por seu distanciamento da realidade. Ela notou. Ao levantar seus olhos do livro – e lembrar-se de onde estava – a moça encontrou-se com duas grossas sobrancelhas fixadas nela. Degustando-a. Apreciando-a.

Sorriu. Ela adorou a sensação de ser observada. Ser lida. Era como se ele estivesse decifrando sua alma. Ela gelou. De repente, não conseguiu mais se afastar do ambiente real. Não podia distrair-se daquelas sobrancelhas. Ele precisava conhecê-la. Fez um leve gesto com a cabeça e silenciosamente cumprimentou-a. A leitora, por sua vez, respondeu seu gesto com um largo sorriso.

Quando dei por mim, já estava nas mãos do homem, viajando até a mesa da frente e sendo colocado, cuidadosamente, ao lado de um livro. Poesias. As grossas sobrancelhas e o lindo sorriso conversaram por horas. Um instante. Uma eternidade. Mas até a eternidade de um momento de descobertas – de desvendamento – acaba.

Tiveram um fim de tarde mágico. Reconheceram-se no outro. Os dois se levantaram juntos. Foram embora. Talvez se encontrassem mais tarde. Talvez se vissem outro dia. Talvez se casem, tenham filhos. Mas, o mais provável é que não se vejam mais. Que esse momento fique na memória deles. Preservado com carinho. E aquela sobrancelha e aquele sorriso jamais se separem e jamais vivam outra eternidade como essa. Essa é a maravilha da surpresa: ela não se repete. Caso contrário, deixa de ser surpresa.


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Julho/2008

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Crônica 5: Colcha de Retalhos

Domingo, fim de tarde. Foi um dia gostoso aquele. Nem quente, nem frio. Domingo é um dia estranho, é um dia que praticamente não existe. Digo isso porque nas conversas que ouço aos domingos todo mundo está – invariavelmente – reclamando do dia seguinte, ou seja, da segunda-feira. Será que o domingo é tão somente o dia anterior à segunda?

Fato é que neste domingo específico duas amigas de longa data resolveram se encontrar para colocar a conversa em dia. Muito jovens as duas, conseqüentemente, com muita história pra contar. Eu ainda estava no balcão, esperando a próxima bandeja chegar e já ouvia as risadas das duas. Logo pensei: “que delícia uma mesa cheia de novidades”.

Uma das moças falava alto. Muito alto mesmo. A outra permanecia muda. Estranhei aquilo. Acontece que a menina falante não falava com sua amiga, a que estava sentada à sua frente, ela falava com alguém que não estava lá. Com alguém que estava do outro lado de um pequeno aparelho: o celular.

Aliás, que negocinho incômodo. Quando ele chama, normalmente vibra e – para mim – aquilo parece um terremoto. Chego a ficar tonto. Todo sacudido. Não gosto mesmo. Mas quem não estava gostando nada dessa história era a amiga preterida.

Cada vez que ela tentava abrir a boca para falar algo vinha aquela música ensurdecedora de cima da mesa. E a outra não tinha a menor dúvida: atendia.

- Oi Cris! Claro que posso. Fala...

Depois desse “fala” geralmente seguiam-se uns dez minutos de conversa fiada...


- Ah... Não posso não... É... “Too Much” pra mim... “Too Much”... Não insista!

Sem brincadeira, esse bendito celular tocou umas oito vezes e todas as vezes foi atendido. Quando ele parou de tocar eu pensei que a amiga silenciosa iria, finalmente, conseguir falar o que tanto queria.

- Espera só mais um minutinho. Preciso ligar pro Clau... – soltou a dona do incansável celular.

A outra apenas aceitou e meneou a cabeça em sinal afirmativo.

- Oi Clau! Então, não irei hoje... “Too Much”... Pois é! Eu? Nada... Estou tomando um café... Com ninguém, ué! Estou sozinha!

Ao ouvir a última frase, a amiga que até então estava esperando pacientemente, me saboreando, curtindo o fim de tarde e pensando nos problemas de segunda, se assustou. Olhou para a amiga sem acreditar no que acabara de ouvir e fez um gesto com as mãos. Como se dissesse: eu sou ninguém?

A outra percebendo o descontentamento da amiga e sentindo-se extremamente incomodada com a situação, desligou o telefone – pela primeira vez – e permaneceu alguns segundos sem reação. Mas foi rápido. Levantou-se. Colocou sua bolsa no ombro. Pegou o molho de chaves que estava sobre a mesa. Deu seu último gole em mim, já em pé, e a única coisa que conseguiu dizer, foi:

- Lets?

Foi tudo “too much” para um velho café. Let`s?


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Julho/2008

segunda-feira, 30 de junho de 2008

Crônica 4: Às Escuras

“Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar...”, Chico Buarque. Maravilhoso. Pois é, nesse dia, ele que costuma chegar cheio de si, seguro, com sua pasta em uma de suas mãos e o jornal na outra, chegou quieto, sem jornal e sem pasta.

Usava um traje casual – bem diferente do terno preto de costume – seus cabelos estavam rigorosamente penteados. Cheirava à lavanda. Um aroma fresco, nada enjoativo. Eu também estava diferente, fora servido com chantilly e canela. Talvez quisesse algo mais leve, de sabor adocicado.

Nosso amigo estava lá para encontrar alguém que, até este momento, fazia parte apenas de sua imaginação. Como uma criança cria seu amigo imaginário, ele tem o computador. Pois é. Não precisa nem exercitar sua imaginação. Foi só entrar em qualquer sala de bate-papo virtual e uma porção de amigos se apresentaram.

Seu apelido, na rede, era “Gatão”. E não é que nosso “Gatão” conheceu uma “Tigresa”? Sim. O único problema é que ele só conheceu nessa “Tigresa” o que ela quis lhe mostrar. A foto, por exemplo, havia sido levemente alterada. Fato: ele estava lá para encontrar aquela por quem se apaixonou virtualmente. A imagem que ele fazia dela era igualmente virtual.

Entra uma senhora muito bonita e bem arrumada. Muito perfumada. A primeira coisa que ele pensa: É ela! Mas não era. Então, se deu conta de que esta, que acabava de entrar, nada tinha de parecido com a outra (por quem aguardava ansiosamente).

Mas o brilho nos olhos desta mulher lhe chamou atenção de tal forma que pensou em pedir para sentar-se em sua mesa. Mas... e se a “Tigresa” chegasse? Não. Definitivamente não poderia fazer tal coisa. Que pena...

Com uma hora de atraso chega a, já decepcionante, “Tigresa”. Quando ele a viu pensou: Não pode ser. E com as mãos no rosto, procurou se controlar. A mulher veio cuidadosamente até a mesa... Esta era a mulher da foto, da sala de bate-papo. No entanto, não era quem ele esperava. Claro que não. Esta era Vilma. A mulher real.

Enquanto conversava com Vilma, já cansado da história que ela lhe contava, não conseguia tirar os olhos da senhora sentada à sua frente e imaginar: por que não vim ao café antes? Ou melhor, por que não vim, sem o jornal cobrindo meu rosto, sem a pressa do trabalho e com um pouquinho de perfume... Por quê?

Vilma, não parava de falar um só minuto. Ela preferiu me pedir expresso, forte. E eu ali, vendo a aflição do homem e a animação da mulher. Impotente. Sem poder ir até a outra mesa e avisar à senhora dos olhos brilhantes... Enfim... Às vezes, muitas vezes, é realmente difícil muito ouvir. E nada poder falar.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Junho/2008

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Crônica 3: Coleiras

Adoro cachorros, eles é que não gostam muito de mim... Ao menos nunca vi um me experimentar. Talvez seja por não terem necessidade de se esquentar com algo externo ou, ainda, não precisarem refletir e, muito menos, de um motivo para encontrar os amigos.

Nada disso, os cachorros se encontram quando dá, na vida, se reconhecem apenas por já terem sentido aquele mesmo cheiro em algum pipi na rua. Assim, imagino, que eles se olhem e digam: você é o dono do pipi da rua tal? Ou então: seu dono precisa limpar sua sujeira, sabia?

Mas voltando ao assunto. Dia desses, duas moças se sentaram – lá em casa – para papear, trocar uma idéia, um plá, sabe como é, quando duas mulheres se juntam para conversar a conversa vai longe, elas até esquecem onde estão. Parece que o tempo do relógio pára só para as duas conversarem. Impressionante.

As duas estavam com seus cachorrinhos, seus pets, duas coisinhas lindas. Haviam vindo do banho. Estavam cheirosos, escovados, de hálito limpo. Pareciam dois bichinhos de pelúcia vivos. Mas não eram. E os bichinhos começaram a brincar, como se fossem crianças, uma graça.

Todos que entravam paravam, mexiam com eles... Quer felicidade maior para um cachorro que ser o centro das atenções?? Garanto que não há. Eu já voltava pela segunda vez, o dia estava tranqüilo. No entanto as duas moças – como ditas no início – se esqueceram dos dois bichinhos lindos e não notaram quando as coleiras de seus pets se enroscaram entre si e... Pior... Na mesa!

Mais especificamente no pé da mesa. Viemos todos abaixo: eu, o açucareiro, os celulares das duas, os copos d água, os biscoitinhos que me acompanham e, é claro, a mesa. Todos no chão. Eu virei uma poça escura e adocicada. Os cachorros – coitadinhos – se assustaram e sairam correndo.

Foi uma confusão. Uma corria e tentava acalmar os dois. A outra pedia desculpas e tentava levantar a mesa, limpar o chão, tudo de uma vez. Por sorte nada se quebrou, nem mesmo minha xícara. Fomos todos levantados e recolocados na mesa. Eu voltei recomposto, afinal meu lugar nunca foi no chão.

As duas e seus graciosos cães também se aprumaram. Dessa vez cada um deles foi amarrado separadamente e, por fim, elas conseguiram terminar sua conversa em paz e eu consegui respirar aliviado... Que dia!


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Junho/2008

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Crônica 2: A Lágrima

Ela chegou triste. Abatida. E olhava longe, tão longe que podia ver o mar. Não era um mar tranqüilo; era revolto, transtornado, com ondas quebrando fortemente na praia, deixando suas marcas na areia.

Por um segundo, imaginou-se mergulhando, mas não podia. Voltou a si, lembrou-se da realidade e, claro, convidou-me a sentar com ela em sua mesa. Uma... Duas vezes...

Assim que fui colocado na mesa, à sua frente, senti um arrepio, era uma lágrima salgada e morna que caia em minha xícara. Ficou ali me olhando, olhava tanto que parecia poder ver meus grãos seletos, fiquei envergonhado... Mesmo sabendo que não era até mim que seus pensamentos caminhavam...

Dessa vez não fui chamado a dividir uma espera, daquelas gostosas de ter, uma saudade, nem para afogar a ansiedade gerada depois de um agitado dia de trabalho. Chamou-me apenas para consolá-la, para compreendê-la, para que pudesse ficar quieta e aquecida.

Não me quis com chantilly ou leite, optou por algo mais forte. Chamou-me puro, expresso, forte e curto dispensando até o mesmo o açúcar ou o adoçante. Talvez procurasse a realidade... Talvez quisesse gritar... Mas não podia.

E eu, como um vira-latas que encontra um lar, fiquei ali, companheiro, parado e consolador. Apenas vendo ela ainda mais linda triste, exausta de pensar, de sentir.

A noite caiu e ela ainda estava lá. O celular tocou. Susto. Não era quem ela queria. Que bom. Virou-se, deu seu último gole e me colocou de volta no pires. E eu tive certeza que da próxima vez que nos encontrássemos seria eu aquecido pelo seu sorriso e não salgado por uma última e insatisfeita lágrima.


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Junho/2008

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Crônica 1: O Shampoo

Dia desses, vinha eu me equilibrando nas mãos de um malabarista – como de costume – quando ouço uma discussão acalorada, justamente na mesa para qual era levado. Fiquei imaginando o que teria acontecido.

Havia um lindo casal sentado à mesa, ela toda arrumada, emperiquitada... Ele de terno, como quem acaba de sair do trabalho. Fui colocado na mesa discretamente e assim me mantive. Quietinho.

O motivo da discussão: um shampoo. É isso mesmo. Os dois haviam juntado as escovas de dente há pouco tempo e pensavam que o problema da vida deles era o shampoo.

- Mas esse shampoo não faz espuma! – bradava o rapaz.
- E daí, é melhor que não faça... Quanto menos espuma melhor... E depois, eu comprei pensando em você – retrucava ela.

Um breve e tenso intervalo. Ele passava a mão suada no rosto, como quem pensa: eu não estou acreditando. Ela, roxa de raiva e com os olhos cheios de água, insistiu:

- Foi caro! Muito caro!

Mais um momento de silêncio. Mexeram tanto em mim, me rodaram de um lado para outro com aquele pauzinho de plástico, que já estava tonto, em certo momento cheguei a pensar que fosse sobrar pra mim.

Então, o silêncio foi quebrado. Ufa! E ela conseguiu ouvir o que esperava desde o momento em que parou naquela drogaria e comprou o tal shampoo: Eu Te Amo!

E, depois de um beijo, desses lindos beijos de cinema, os dois se levantaram sorrindo – ela, ainda, enxugando suas lágrimas – e foram para casa de mãos dadas, provavelmente tomar um belo banho com o novo e caro shampoo.

Isso aconteceria se em seguida ele não acrescentasse: desculpe meu amor, mas vou continuar usando o MEU shampoo...


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Junho/2008

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Seja bem vindo a este Blog!

Olá,

Seja bem vindo a este Blog!

Aqui pretendo narrar pequenos casos que se perdem em uma cidade tão grande como São Paulo. Para quem se interessa pelo dia-a-dia de figuras comuns, dessas que se vê passar na rua todos os dias e das quais sabemos tão pouco, sou uma xícara cheia.

Sou originário da Etiópia e sempre fui muito apreciado, tanto assim, que atualmente sou item obrigatório na dispensa de qualquer país do mundo. Muitos consideram impossível começar o dia sem mim; outros me evitam dizendo que sou capaz de lhes tirar o sono.

Naturalmente polêmico, apareci em terras tupiniquins por volta de 1730. Moro na cidade de São Paulo, onde, aliás, já sou cultivado há muitas décadas. Em um momento de bobeira me envolveram até na política, mas já superei essa fase.

Minha casa é sempre muito movimentada. Você não imagina as figuras que passam por aqui: são jovens, velhos, casais de namorados, pessoas sozinhas que param apenas para ter a minha agradável companhia e muitos, mas muitos cachorros. Mesmo.

As pessoas conversam diversos assuntos, toda sorte de temas que você imaginar eu escuto. E como falam, não? Outras preferem ficar quietas e ler um livro ou escrever. E eu fico ali, observando tudo, praticamente sem ser notado.

Assim, resolvi dividir com você alguns casos interessantes que já presenciei nessa minha vida, afinal, não posso guardar todos eles pra mim. Sabe, minha memória é curta... Risos. Bom, ainda não me apresentei:

- Muito prazer, eu sou o seu café, talvez um café diferente, mas, ainda assim, um café.

Até Mais!

Beijos

Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Junho/2008