domingo, 24 de maio de 2009

Crônica 49: O Ponto


Tenho novidades essa semana. Em frente à minha casa agora há um ponto de ônibus. Muita gente não gostaria dessa novidade, mas pra mim, um cafezinho contador de “causos”, é ótimo. Muitas vezes, quando estou em mesas silenciosas posso prestar atenção nas histórias do ponto.
E olha que são muitas. O mais interessante é que lá na rua, no ponto, o público é outro. Heterogêneo. São estudantes, estagiários, profissionais, domésticas, garis, pessoas apenas passeando, amigos, namorados. Enfim, tudo que se possa imaginar.
Ontem foi o primeiro dia dessa confusão toda. A maioria nunca entra para conversar comigo. No entanto, mesmo assim, posso saber das notícias, assuntos e fofocas de cada um direto do conforto da minha mesa.
Algo que notei foi o uso dos celulares. Mas não da forma implicante com que sempre falo dele. Afinal de contas,quando esses aparelhinhos estão longe de mim, não me dizem respeito.
Observei, porque às vezes a pessoa está sozinha no ponto, sem ter o que fazer, nem com quem falar e saca logo o celular. E uma longa conversa – unilateral – se estabelece. Conta-se o dia inteiro. Fofoca-se. Diz-se do dia no trabalho, do namorado. Fala-se mal de muita gente.
O que me intriga é a capa de vidro isolante que se forma no entorno daquele que tagarela sem parar ao telefone. A impressão que dá é que não há mais ninguém no mundo. Que só existem ele e o minúsculo aparelho em suas mãos.
Sabe, a impressão que dá é que as palavras ditas ali ficam presas dentro o celular. Que ninguém do mundo externo ao seu poderá ouvi-lo. E, mais, chego a pensar que quem está do outro lado da linha é o menos importante. O que realmente existe para o dono do aparelho é ele mesmo.
A redoma formada já é tão eficiente que não há nem mesmo a preocupação de que a pessoa de quem se fala poderia ouvi-lo. Ou até mesmo alguém conhecido passar e prestar atenção no que está sendo dito.
Dia desses um rapaz ouvia música em seu “mil e uma utilidades” e ao mesmo tempo falava sem parar pelo alto falante. O ônibus chegou, ele dirigiu-se ao transporte e subiu. Enrolou-se todo com o fio. Quase cai dos altos degraus. Mas não desligou.
Penso eu, quantas possibilidades não são perdidas em momentos como esse. Quantas oportunidades de conhecer melhor a si mesmo. De olhar o caminho do ônibus. De saber quem pega o mesmo ônibus todo dia com você. De, simplesmente, ouvir o próprio silêncio. Enfim, viver o mundo ao invés de flutuar com vendas nos olhos e celular no ouvido.

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Maio/2011

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Crônica 48: O Dia

Final de semana das mães. Pois é, presenciei uma cena interessante. Sentam-se à mesa duas jovens. Deviam ter mais ou menos dezesseis anos. É a idade da rebeldia. Da contracultura. As duas vestidas de forma jovial e conversando alegremente. Uma delas pediu uma coca-light e a outra, muito mais refinada, pediu um bom e preto café. Eu mesmo.
Juntei-me às duas. Peguei a conversa no meio, mas consegui entender. O assunto era “Dia das Mães”. Uma delas, mais loira, dizia:
- Não sei pra que dia das mães?
A outra arregalou os olhos e fitou a amiga assustada.
- Como não sabe pra que?
Com jeito impaciente, a menina respondeu:
- Claro, é uma data panfletária! Puramente comercial! Eu acho o fim da picada.
A outra parou. Pensou. Analisou. Até que por fim, respondeu pensativa.
- Pode até ser, mesmo...
- Como pode até ser? Claro que é!
Mais um momento de reflexão da interlocutora.
- Sabe, eu não acho, não – disse decididamente.
- É óbvio que é! “Dia das mães” é todos os dias do ano. Não é preciso um único, entende? Isso é só pra ganhar dinheiro em cima de gente “boba”, feito você, que cai na armadilha capitalista das propagandas.
- Que ”Dia das Mães” é todo dia e tenho certeza. Porém, o que não sei é se as pessoas demonstram esse amor todos os dias ou se compram presentes e preparam café da manhã antes dela ir trabalhar. Talvez esse dia panfletário como você diz, sirva para lembrarmos de homenagear, ao menos um dia no ano, essa pessoa que nos deu a vida e tanto nos ama.
A revoltada ficou mais calma. Pensou, pensou e finalmente disse:
- Olha é uma data comercial e ponto.
As duas emburraram acabaram de comer o salgado que pediram quietas. Quem quebrou o silêncio foi nossa amiga loirinha:
- Bom, vamos embora? Ainda preciso passar no shopping e comprar o presente da minha mãe... Ela quer uma bota – disse ficando com as bochechas coradas.
Panfletária ou não. Essa é uma data que merece ser comemorada. Esse cafezinho é apenas um grão. Não tem mãe. Mas espera que todas tenham tido lindos domingos, almoços ou jantares, juntos aos seus filhotes. Parabéns a todas!

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Maio/2009

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Crônica 47: A Bola da Vez


Hoje reencontrei uma amiga que não via há tempos. Fiquei tão feliz. Mas foi por pouco tempo. Ela sentou. Pediu um café. Olhou em volta. Procurou. Não achou. Chamou o garçom e pediu um cinzeiro. Nesse instante foi informada que ali não poderia mais fumar. Ela então, por respeito a mim, aguardou que eu chegasse. Bebeu-me friamente. Num gole só. Deixou o dinheiro em cima da mesa. Ao meu lado. E foi embora.
Eu fiquei ali. E eu perdi uma amiga. E perderei muitos mais. Não sei se é de conhecimento de todos, mas meus melhores e mais fiéis amigos são os fumantes. Proibir alguém de fumar enquanto toma um café é pedir para que ele não tome mais café.
Pois é, cada época tem seu vilão e a bola da vez é o tabagismo. Tudo bem. Não estou aqui para defender o cigarro. Para dizer que é bom que se fume. Ou ainda levantar uma bandeira. No entanto, entendo que permitir a existência de “Áreas de fumantes” adequadas ou espaços dedicados a essa prática é fundamental.
Fumar é uma atividade lícita. Assim sendo, torna-se impensável e impraticável o veto proposto. Nesse momento muitos de vocês irão usar alegações como: “mas e os fumantes passivos?”. A resposta é rápida e fácil: “devem se mudar da cidade de São Paulo, já que não gostam de fumaça e/ou poluição”. Só para lembrar: São Paulo é a 6ª metrópole em poluição do ar, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Essa é uma lei panfletária. Que está impressionando. Muitas pessoas estão se sentindo mais protegidas. Com pulmões mais limpos. A isso alguns dirão: “mas será bom para os fumantes também. Fumarão menos”. Doce ilusão. Continuarão fumando. Mais até. Apenas freqüentarão menos bares, restaurantes e visitarão menos a mim também.
Eu, um pequenino café. Com muitos e fiéis amigos. Alguns fumantes. Outros não. Imagino que haja tantas coisas a serem feitas. Tantas leis a serem criadas e cumpridas. Tantos escapamentos a serem fiscalizados. Chaminés de Fábricas. E a preocupação com o recolhimento de lixo reciclável, como anda?
Enfim. Não defendo o cigarro ou os fumantes. Que traz diversos problemas à saúde é de conhecimento geral. O grande problema é impedir que as pessoas que optaram por usar o cigarro, pratiquem esse hábito socialmente. Mesmo que em áreas restritas a elas. Ou, ainda, em espaços abertos. Respeito é bom e todo mundo gosta. Até mesmo os demoníacos fumantes.

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Abril/2009

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Crônica 46: O Não.

Observo. Vejo. Olho. E a cada dia percebo que meus grandes amigos, os seres humanos, sentem mais falta do que não têm, não foi conquistado, do que daquilo que já se tem e foi embora. Ouço as mais diversas conversas onde o assunto é exatamente o não ter.
Muitas vezes as pessoas sentam junto à mesa e começam a tecer uma rede complicada onde estão sempre presentes os assuntos que não aconteceram. Fulano que não disse pra cicrano algo. Mas o que ele disse não é levado em conta. Algo que se quer conquistar e ainda não está em suas mãos. Porém, o que já é de posse não é considerado.
Ouvi de um rapaz o seguinte, dia desses: “é impressionante como nunca estamos satisfeitos com nada. Se alguém me perguntasse, há quatro anos, se eu queria ter estabilidade no trabalho e um bom salário eu diria que sim, enfaticamente. Hoje eu tenho isso e estou insatisfeito”.
Ele fez esse comentário despretensiosamente, no entanto, ao olhar para as mesas ao lado e ouvir atentamente as conversas estabelecidas, percebi como essa insatisfação é real. É vivida. Mais até que a saciedade do que se tem. Diversas vezes sentam-se aqui homens, mulheres, dizendo, “ele não disse que me ama hoje.”. E o que foi dito ontem? Não existe?
Ou então, eu p-r-e-c-i-s-o de um celular novo. Mas e o aparelho que está nas suas mãos? Invariavelmente quem diz isso tem algo novo em suas mãos. Pior que tudo isso. Quando duas pessoas tecem complicadas teias de críticas a outrem, normalmente são baseadas em algo não dito.
Duas meninas conversavam e “malhavam” uma terceira. Provavelmente do mesmo escritório. “Ela não fala, você reparou? Fica lá calada. No canto dela. E quando abre a boca é apenas para tentar ser gentil. Muito falsa. Ouve tudo e não fala nada”. A pessoa em questão não poderia apenas ser uma boa ouvinte?
Entende-se muitas vezes o não agir como falsidade. Desconsideração. Quando muitas vezes, se parassem e observassem veriam que as pessoas muitas vezes fazem coisas e essas não são notadas. Tudo isso pelo alto grau de expectativa criado.
Essa insatisfação pode ter origem em você mesmo e não com o outro. Não no seu atual celular. Homens, mulheres, crianças, aproveitem o que tem enquanto ainda o tem. E quando coisas novas aparecerem aproveitem igualmente. Mantendo sempre em mente o que já se foi. O que há. E não o que ainda virá. Um dia. Quem sabe.



Mariana Primi Haas - MTB 47229
Abril/2009

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Crônica 45: As Notícias.


Ando reflexivo. E quanto mais vejo ou leio jornal, mais reflexivo me torno. Costumo me perguntar se a violência física ou moral, seja ela qual for, aumenta a cada dia ou se cada vez mais a mídia se preocupa em mostrá-la.
Será que assassinatos passionais não aconteceram sempre? Será que pedófilos não estiveram sempre presentes? E o mesmo vale para estupradores, assassinos, traficantes... Será que toda essa desgraça exposta hoje, não esteve sempre entre nós?
Digo isso porque dia desses sentou uma moça em uma de minhas mesas para apreciar o calor de minha companhia. Junto a ela uma senhora. Conversaram bastante. Sobre tudo que se possa imaginar. De repente, a conversa voltou-se para os acontecimentos atuais.
- Você viu que escândalo horrível com aquele jogador!
- Não. Que jogador?
- Não sei bem o nome, nem em que time joga... Mas parece que matou a mulher!
- É? Por quê?
- Não entendi direito... Mas que matou, matou!
- Esse mundo tá perdido! Cada dia que passa aumenta a desgraça. Parece que as pessoas perderam a cabeça...
E então, me perguntei se a maldade aumenta a cada dia ou se a mídia televisiva apenas descobriu que falar sobre acontecimentos ruins gera mais polêmica do que trazer à tona coisas boas e, também, rotineiras.
Por exemplo, quando acontece um acidente no trânsito. Poder-se-ia enfocar na vida que não se perdeu, ao invés de colocar todas as atenções no sangue que escorre do rosto do coitado do pedestre.
Sabe, quando ainda estou na cozinha sendo preparado, costumo acompanhar alguns jornais que passam por volta das seis horas da tarde. É um horror. Gente morrendo. Sendo assassinada. Estuprada. De repente, aparece um cachorro que consegue se salvar no meio da enchente. Qual o destaque dado a esse fato? Nenhum. Voltasse imediatamente aos pedófilos.
É esse o ponto. Eu, como um cafezinho atento, acompanho alguns telejornais. Mas, quando olho para a quantidade de informações negativas apresentadas ali... Me canso.
A “informação” pode se tornar uma desinformação e a comunicação talvez esteja “des” comunicando. Não digo que não seja importante saber o que acontece no mundo. Inclusive as notícias ruins. Contudo é preciso analisar qual o limite.
É preciso não se tornar um viciado em desgraça. Assim, o mundo poderá ser compreendido e abraçado e vocês, seres humanos, terão domínio do que sabem. Saberão informações boas e ruins com equilíbrio. Poderão abrir a página de um jornal segunda-feira de manhã e saber que algo de positivo aconteceu! Seria interessante. Evitaria a fadiga, como diz um de meus freqüentadores.


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Abril/2009

segunda-feira, 30 de março de 2009

Crônica 44: A Bolsa

Mais um dia de chuva. Logo desanimo quando ouço trovões e vejo relâmpagos no céu da minha cidade. Por quê? Ah, nessas ocasiões sou menos procurado por meus queridos amigos. Muitos preferem chegar logo em casa. Querem evitar o trânsito. Tomar banho. Enfim, pensam em tudo, menos em apreciar minha deliciosa companhia.
Mas coisas interessantes também podem acontecer em momentos inesperados. Sábado à tarde. Caia um “pé d’água”, como costumam dizer por aqui, minha casa estava vazia. Eu fazia companhia a um rapaz. Sentado. Olhando pro nada. Atendia ao telefone de vez em quando.
De repente entra um saco plástico e se senta junto ao rapaz. Estranhou. Pois era isso mesmo. Uma jovem adentra o salão com um saco plástico na cabeça. Desesperada. Parecia uma mercadoria de supermercado.
- Eu não estou acreditando nessa chuva! Meu cabelo vai ficar horrível pra festa! – esbravejava.
- Calma amor. Nem molhou. O seu cabelo está lindo! – dizia o rapaz tentando animá-la.
Além do saco na cabeça, ela trazia um volume estranho no abdômen. Olhei. Achei aquilo estranho. A moça era magrinha demais pra ter uma barriga volumosa como aquela. Fiquei encafifado. Eu estava certo ela era magrinha mesmo. O volume se tratava tão somente de um cachorro.
Um lindo cachorrinho. O namorado não se conteve:
- O que é isso? Pra que colocá-lo dentro da blusa?
- Ele acabou de sair do pet! Fez escova... Não pode se molhar!
Finalmente a moça sentou. Amarrou o inquieto “pitchuco” na cadeira. Abriu uma bolsa enorme. Tirou de lá um pente. Espelho. Maquiagem. Acessórios para o cachorro. Entre eles uma escova. Um potinho de água. Água. “Petisquinhos”. Não parava de sair coisa de lá.
Pediu um café. Voltei. Cheio. Quente e encorpado.
- Garçom, traz adoçante, por favor?
- Infelizmente está em falta senhora.
- Tudo bem.
Tudo bem mesmo. Ela no mesmo momento retirou três saquinhos de adoçante da bolsa. Fora todo resto. Celular. Carteira. Agenda. Etc. Etc. Etc.
- Lindinha. Tem mais alguma coisa ai? Só falta você tirar a sua mãe de dentro dessa "mala"!



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Março/2009

terça-feira, 24 de março de 2009

Crônica 43: A Racionalidade

Eu sei que sou apenas um cafezinho. Que muita gente não presta a mínima atenção em mim. Sou um ser irracional. Ou seja, não me equiparo ao grau de evolução da raça humana. Nem sequer pertenço a uma raça, etnia, credo, ou qualquer outra segmentação societária. Sou só, única e exclusivamente um cafezinho.
Tudo isso é uma obviedade? Talvez. Mas, faço questão de enfatizar tal obviedade. Afinal, tamanha racionalidade dos Homo Sapiens traz maravilhas tecnológicas, constrói casas aprova de terremotos, faz com que a medicina avance cada dia mais... Nada disso eu, cafezinho, posso fazer. Sou o maior entusiasta do único animal racional do planeta.
Porém, quando meus clientes abrem seus jornais. Suas revistas. Seus laptops. Celulares. O que vejo é absolutamente entristecedor. Estou estarrecido com uma das principais notícias da semana: “Mulher bate com cabide em criança de 1 ano e 2 meses”.
Como assim? Foi a pergunta que me fiz. O que aconteceu com o poderoso cérebro humano? Desenhar diversos cabides nas pequenas costas de um bebê. Ele mal nasceu. Pouco freqüentou esse planeta estranho. Ainda nem está adaptado. Não anda com suas próprias pernas. Não come com suas próprias mãos.
Colocam fogo em seu corpo. Em suas pequeninas partes intimas. Raspam e cortam sua cabeça. Deixam marcas. Marcas tão fortes que talvez o tempo não seja capaz de cicatrizar. Talvez esse cabide permaneça rascunhado em sua alma e nem mesmo ele saiba o porquê.
E não é só ele que passa por desafios para permanecer por aqui. O casal Nardoni irá a julgamento popular por atirar uma criança de um apartamento e matá-la. Pedófilos... Pedófilos e mais pedófilos, aparecem todos os dias nos telejornais. Abusos de poder contra crianças. Amantes que para se vingar de suas rivais envenenam os filhos da outra. E por ai vai.
A racionalidade humana está atrapalhando. Fazendo com que esqueçam sua condição de animais. Onde cada espécie cuida de seus pares. Onde os “pais e mães” alimentam e protegem seus filhotes. Onde filhotes perdidos são “adotados” por outros e protegidos.
Que outro bicho pode fazer isso melhor que o único a ter uma máquina chamada cérebro a seu favor? O problema é que essa racionalidade anda tornando o homem egoísta. Cada vez mais egocêntrico. Cruel. E nesses momentos um pequeno e humilde cafezinho, como eu, precisa ouvir explicações como: “ah! Eu bati nele (com o cabide) por que ele chorava demais... No meio da noite... Eu precisava dormir... Ai eu peguei um isqueiro...”
Desastre atrás de desastre. Numa roda viva sem limites. No entanto, termino essa crônica da mesma forma que comecei: Eu sei que sou apenas um cafezinho. Que muita gente não presta a mínima atenção em mim. Sou um ser irracional. Ou seja, não me equiparo ao grau de evolução da raça humana. Nem sequer pertenço a uma raça, etnia, credo, ou qualquer outra segmentação societária. Sou só, única e exclusivamente um cafezinho.



Mariana Primi Haas - MTB 47229  
Março/2009

terça-feira, 17 de março de 2009

Crônica 42: A Fã

É impressionante como futebol é um assunto que rola em qualquer mesa. Até mesmo rodas femininas comentam sobre futebol. E não é só sobre as pernas dos jogadores ou sobre os times dos namorados. Não. A mulherada anda falando da troca de passes. Venda de atletas. A importância das estrelas nos times.
E foi acompanhado de três mulheres que além de moda e fofoca ouvi as últimas notícias sobre o que anda acontecendo nos gramados brasileiros, ou melhor, paulistano. O assunto era... Ronaldo. O brasileiro que não desiste nunca. O grande ídolo de torcedores do mundo.
- Menina, o Ronaldo tem seu valor, mas o corpinho... Tá parecendo o “tiozão do churrasco”.
- Verdade. Mas pro time é importante, ele traz patrocínio. Todos que jogam com ele ficam valorizados e o time se torna notícia no mundo. – disse uma das torcedoras.
- É... Mas que está acima do peso está...
A amiga corintiana subiu nas tamancas e ficou um tanto nervosa. Ficou vermelha e deu um golão em mim. Em seguida falou:
- Olha, você não entende nada! Ele não tem mais gordura nenhuma no corpo...
- Ah! Não? – perguntam as outras duas confusas.
- Claro que não. É tudo massa muscular!
Eu que estava ali, frio já, só observando. Precisei analisar essa fala. “O Ronaldo não tem gordura é pura massa muscular”. Como assim? Tudo bem que ele seja um excelente jogador ou que já tenha sido o melhor do mundo. Mas e a barriga? Well, well. Ser fã de carteirinha é isso ai. Vale até chamar barriga de chope de massa muscular.


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Março/2009

quinta-feira, 12 de março de 2009

Crônica 41: O Incêndio

Dessa vez eu não fui convidado a sentar. Fui levado até a mesa em socorro de um de meus freqüentadores. Isso mesmo. Em socorro. Trata-se de um senhor que está por volta dos sessenta anos. Todo o dia vem até minha casa e, desaforadamente, escolhe para sua companhia uma cerveja.
Aliás, uma não, várias “long necks”. Chega feliz, animado. Senta-se. Não é nem preciso chamar o garçom. Este vem à sua mesa rapidamente. E já chega com o pedido em mãos. Uma long neck. Sempre a mesma marca. Ele vai saboreando. Toma vagarosamente. Uma, duas, três...
Aos poucos sua fisionomia começa mudar. Os olhos vão ficando avermelhados. As mãos trêmulas. A cabeça começa levemente a cair. Sua expressão se torna estranha. Não diz muita coisa. É como se mantivesse o olhar pregado com um prego frouxo em algum ponto. Ponto esse, que provavelmente existe apenas na sua cabeça.
Até este momento as coisas estão sob controle. O problema foi justamente quando as coisas saíram do domínio do gerente e do próprio cliente. Dia desses, nosso amigo, resolveu acender um cigarrinho. Nada demais, algo “inocente” e muito comum em pessoas com o nível etílico alterado.
Cutucou o cliente da mesa ao lado. E em sua fala mole pediu um cigarro. O homem da outra mesa não se incomodou e atendeu ao pedido inusitado. O homem segurou o bastão branco nas mãos. Olhou. Olhou e olhou. Como se não soubesse muito bem o que fazer com aquilo. Como se sequer recordasse pra que havia pedido aquilo.
De repente lembrou-se. Era para fumar. Mas ele não fumava. Tudo bem. Já estava com o cheiro do tabaco nas mãos mesmo. O cliente da mesa ao lado, vendo a situação, perguntou: “O senhor quer o isqueiro?”. O senhor, um tanto quanto confuso, assentiu afirmativamente.
O cigarro foi aceso. Colocou o cigarro entre os lábios como ele achava que deveria fazer. E manteve-o ali. As mãos apoiadas na mesa. As pálpebras foram fechando. A cabeça teve uma queda brusca. Ele dormiu. O cigarro na boca. Guardanapos.
A garçonete prevendo uma situação difícil avisou ao gerente. A única resposta que teve foi: “O deixe em paz. Leve um cafezinho para acordá-lo. O homem paga direitinho. Começa subir um leve cheiro de fumaça. E o rapaz da mesa ao lado levanta-se para chamar alguém. Os guardanapos estavam pegando fogo.
Foi quando cheguei. O barraco estava armado. Uma confusão só. O homem acorda vê tudo aquilo à sua volta. Não entende. Olha como se fossem todos loucos. Vê minha xícara e diz: “Oba! Estava mesmo precisando de um desses”. A garçonete aproxima-se perguntando se ele está bem. Está tudo ótimo. Ufa!
Passado o tumulto vira-se para o cliente da mesa ao lado pede um cigarro e pergunta:
- O que está acontecendo? Até parece que houve um incêndio por aqui!


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Março/2009

terça-feira, 3 de março de 2009

Crônica 40: O Calor

Que calor é esse, minha gente! E olha que eu adoro temperaturas altas. Como diria um amigo meu, sou sempre servido “quentinho”. Mas, com trinta e três graus é realmente complicado concorrer com opções mais leves e refrescantes. Que raiva.
As pessoas chegam, sentam e, lá de trás do balcão, eu posso ouvir comentários do tipo: “estava louca por um cafezinho, mas hoje vai ser uma água com gás”. Nossa fico pra morrer. Como pode? Eu ali, pronto para receber meus amigos. Pronto para estabelecer aquela relação de amizade, cumplicidade. E esses mesmos amigos preferindo algo gelado.
Nunca ouvi ou vi alguém sentar para refletir tomando suco de laranja. Dia desses fiquei realmente possesso. Uma de minhas maiores apreciadoras sentou-se como sempre faz. E pediu uma coca-cola. Eu, que já estava pronto quando o garçom chegou para tirar o pedido, fiquei desorientado. Como assim?
Sucos, águas e refrigerantes não tem o mesmo poder que um bom café sobre seus consumidores. Apenas refrescam. Isso quando não escolhem sorvetes. É verdadeiramente desgastante. Eu sou um clássico. Os sorvetes são pura massa gelada em uma casquinha. Derretem, fazem sujeira.
Não serei injusto. Alguns tentam degustar-me mesmo sob o efeito escaldante do sol. Como sabem, venho sempre acompanhado de uma água. Um pequeno e delicado copinho. Normalmente é esquecido. Deixando o papel principal para mim. Atualmente, no entanto, tornou-se a estrela.
Muitos apenas dão um golinho em mim e logo me abandonam. Optando por aquele insignificante copinho de água. Justo ele, que deveria realçar meu sabor, meus tons. Agora virei figuração. O ambiente na cozinha está inóspito. As bebidas geladas andam cada dia mais fazendo pirraça comigo. Costumam dizer: “moramos na sua casa e fazemos mais sucesso que você”.
É, meus queridos, é difícil ser café em pleno verão tupiniquim. Mas o inverno vai voltar e meus amigos voltarão a me procurar. Então, esses “refrescos” verão como é que as coisas realmente são. Não se preocupem, eu não sou vingativo e estarei sempre aqui esperando por todos bem quentinho e acolhedor.

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Março/2009

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Crônica 39: O Açúcar


















Duas senhoras com o sotaque bem diferente, do que eu estou acostumado, sentaram-se à mesa. Pareciam vindas de algum lugar no interior de Minas Gerais. Engraçadas. Comentavam sobre o susto que tomaram ao chegar à cidade. Estavam achando tudo grandioso demais.
Já acomodadas e um pouco mais acostumadas aos zunidos dos carros. O falatório das pessoas. O ir e vir dos transeuntes. E, principalmente, a pressa de quem passava. Olharam com bastante calma o cardápio. Dedicaram seu tempo àquela atividade. Decidiram. Antes que pudessem erguer os braços, o garçom já estava ali. Pronto para registrar seu pedido.
- Por favor, gostaria de dois cafés, uma torta de limão e uma de chocolate.
O garçom anotou com esmero e em cinco minutos os doces e o café já haviam sido servidos. As duas estranharam a rapidez e chamaram o garçom.
- Essa torta não foi feita agora, não?
- Não, senhora. Ela fica pronta para ser consumida e acondicionada. – Estranhou o rapaz.
- Ah tá... Que estranho...
Resolveram experimentar. Gostaram. Seguiram, então, para provar o meu sabor. Café é café em todo lugar, comentaram. Mas não é bem assim, após o primeiro gole, o susto.
- Nossa senhora, que café forte! Está intragável!
Chamaram novamente o jovem que estava atendendo a mesa.
- Infelizmente este café está quase só pó... Forte demais! Eu gostaria dele mais fraco e doce.
- Fraco e doce? Senhora, trabalhamos apenas com café expresso aqui.
- Sim... Mas será que não poderiam trazê-lo mais fraco e doce? Não dá pra tomar café desse jeito.
Com olhos assombrados, o garçom seguiu até a cozinha e conversou com o barista. Explicou a situação. O homem ficou empertigado. Sentiu arrepios só de pensar em fazer um café fraco... E doce. Eu, pessoalmente, não entendo. Se me desejam fraco, talvez a escolha correta seja chá. E doce... Ai... Fico enjoado quando colocam muito açúcar em mim.
O barista caminhou até a mesa para entender o que acontecia. As duas explicaram que o jeito correto de se passar um bom café era misturando pó com açúcar e acrescentando bastante água. O homem não acreditou. Passar café com açúcar?
Eu fui ficando nervoso. Ser coado com açúcar já é um insulto. Sinceramente. Já estava gelado e sem a menor vontade de servi-las. Aiaiai... Por sorte meu fiel escudeiro, o barista, recusou-se a preparar o café como elas queriam, ao modo de Bocaina de Minas. Ufa!
Descontentes, as duas senhoras cancelaram o café. Esnobaram-me. Foi uma pena não ter caído no colo de ambas. Imagine você: fui trocado por um suco. Mas a vida é assim mesmo, café não é igual em todos os lugares. E a maior prova disso sou eu.


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Fevereiro/2009

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Crônica 38: O Futebol

Este foi um final de semana de clássico no futebol. “Taí” uma coisa que eu nunca vou entender: a magia desse esporte na alma masculina. Ele é capaz de unir os mais estranhos tipos. Pessoas que jamais conversariam. Jamais trocariam qualquer assunto. Mas bastou começar a falar de futebol e a conversa começa e é como se dois completos estranhos fossem amigos íntimos há anos.
A minha mesa era composta por dois casais. As mulheres mantinham uma conversa morna. Falavam do tempo. Os dois amigos, por sua vez, mantinham uma visceral discussão sobre seus times do coração. Cada um torcia por um time diferente. Conheciam-se há tempos.
O jogo começou. Os dois começaram a ficar inquietos.
- Você ouviu esse grito? Será que foi gol?
Chamaram o garçom. Um rapaz tímido. Acostumado apenas a servir. Levar-me de um lado pro outro. Perambular calado pelo senhor. “Sim, senhor. Não, senhor.”. Ele foi até a mesa. Como sempre.
- Amigo, você tá ouvindo o jogo?
O garçom corou. Suas bochechas pareciam duas maçãs bem vermelhas.
- Então, deixei o rádio na cozinha. Até a hora que sai de lá não havia tido gol de ninguém.
- Não é possível! Torce pra quem?
- Pro Corinthians...
- Ai camarada! O Zezinho tá jogando?
- Tá nada! Colocaram o outro lá! Esse técnico tá estragando tudo... Parece que não pensa!
O garçom meu calado amigo de tantos anos. Quase tão calado quanto eu. Para quem a primeira regra é não conversar com os clientes. Pareceu esquecer-se de tal norma. Empolgou-se. Falou do técnico. Dos jogadores. Da situação do time.
- Tão sofrendo, hein, véio? Bom é torcer pro São Paulo! – Interveio o outro amigo.
E o mais novo integrante daquela mesa, solta um: “é nada, tudo bambi!”. O São Paulino empertigou-se. Ali naquele momento tornaram-se grandes amigos. Os três. Era como se fossem conhecidos de longa data. O garçom esqueceu que era garçom. Os amigos esqueceram que eram clientes. Todos eram tão somente torcedores. Defensores de seus brasões.
E era um vai e vem da cozinha. “Gol de fulano com passe de cicrano”. E a cada informação nova uma nova discussão. Em determinado momento cheguei a achar que os três iriam se matar.
Que nada. Quando o jogo acabou, os dois pediram a conta.
- Ai amigão! Trás a conta pra gente!
A conta chegou. Pagaram e saíram. Com despedidas alegres. A rivalidade não havia sido levada a sério. Nem mesmo as posições ocupadas naquela situação. Garçom – Cliente. E nosso amigo, fiel escudeiro, voltou a circular calado pelo salão. Seguindo sua primeira e fundamental regra: Jamais conversar ou se tornar intimo do cliente.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Fevereiro/2009

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Crônica 37: A CHUVA

Todos os dias de manhã, quando um funcionário aqui da casa liga o rádio, eu ouço: “e hoje, mais um dia de chuva na cidade”. E todos os dias eu penso: “De novo? Não, eles devem ter se enganado”. E o pior é que eles, os meteorologistas, não andam se enganando muito, não. De fato tem chovido todos os dias. E não é coisa pouca. É chuva pra dar e vender.
Nos fins de tarde chuvosos coisas interessantes acontecem. Além, é claro, das tragédias mil. Mas deixemos essas para os telejornais. Imaginem a cena: vem caminhando pela calçada uma senhora de aproximadamente cinqüenta anos. Trazia nos pés um belo salto alto. Altíssimo. Finíssimo. Trajava um conjunto elegante de saia e casaco. E nas mãos uma linda bolsa. Dessas que se carrega pela alça. Não nos ombros. Na outra mão uma pasta.
Ela andava firme em seu salto. Elegantemente. Porém, com um ar de superioridade. Trazia em seu nariz um “Q” de arrogância e em seus modos qualquer coisa de uma excessiva soberba. Entrava e saia das lojas que me circundam como se nenhuma apresentasse produtos à sua altura. À altura de sua exigência.
Eu estava acomodado junto a um senhor que lia tranquilamente seu jornal. Estávamos ali, apreciando a companhia um do outro. De repente, o tempo começou a fechar. Três horas da tarde e a cidade ficou escura como se a noite se apresentasse. Trovões e raios pipocavam no céu. Em menos de dez minutos a chuva começou a cair. Uma verdadeira tempestade.
A senhora que caminhava na calçada da frente, assustou-se. Colocou a pasta sob seu braço. E com a mão livre buscou em sua bolsa uma proteção. Achou um lindo guarda-chuva estampado em zebrinha. Nessa altura seu cabelo já estava molhado. Assim, como a linda bolsa e sua preciosa roupa. Abriu rapidamente sua zebra protetora. Mas logo que terminou de abrir o guarda-chuva, com a mesma suntuosidade que se abre um champagne, este foi pego por um vento e virou do avesso.
A maquiada senhora ficou tão nervosa que não viu um buraco logo de baixo de seus pés. Caiu de quatro. Apoiando-se com as mãos para não machucar o rosto. Xingou Deus e todo mundo. A pasta que estava sob seu braço espatifou-se na poça. Foi papel pra todo lado. Um dos meus garçons correu para ajudá-la. Levou um enorme guarda-chuva. Pegou a senhora pelo braço e levantou-a.
O que se esperaria de alguém na situação em que ela se encontrava? Um “muito obrigada”, talvez. Decididamente não foi essa a postura assumida por nossa elegante (?) senhora.
- Tire as mãos de mim! Não está vendo que estou aqui há horas? Tive que cair para alguém fazer alguma coisa?
O rapaz ficou atônito. Não sabia o que fazer. Não imaginou uma reação tão dura quanto esta. Rapidamente, pensou em algumas possibilidades: “Devo deixá-la debaixo de chuva? – Não – Devo puxá-la? – Não”. Por fim, resolveu que a própria mulher deveria decidir.
- A senhora quer mesmo que eu vá embora? Tudo bem. Mas se quiser pode me acompanhar até o café em que eu trabalho e se arrumar, tomar algo quente. Então?
- Bom... Já que você está aqui vou até este “café”... Fazer o que!
Ele então, mais uma vez de forma gentil, segurou a senhora – com os joelhos ralados pela queda – atravessou com ela a rua, já inundada e colocou-a sentada confortavelmente. Fui servido com tranqüilidade. E como oferta da casa. Não fui tocado. Com um leve toque ela me empurrou. Chamou garçom...
- Rapazinho, eu prefiro chocolate quente! – e resmungou – Ai a gente tem que explicar tudo!





Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Fevereiro/2009

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Crônica 36: O Problema

Início de ano e muita coisa acontecendo aqui em casa. Movimento intenso. Algumas mesas agitadas. Outras nem tanto. Pessoas introspectivas. Crianças. Cachorros. Todos procuram por mim... Tá certo que alguns preferem suco ou refrigerante, mas esses, infelizmente, não entram nas minhas histórias... É uma pena...
Estou à mesa, acompanhado por um senhor. Trajava terno preto. Gravata preta. Camisa branca. Estava vestido formalmente. Notei que ele não vinha do trabalho ou de alguma reunião, pois se encontrava impecável. Sem uma nervura na roupa. Ele abriu o jornal. Em seguida fechou. Colocou o jornal na cadeira.
O nervoso era nítido. Olhou para mim e pareceu ter preguiça de beber aquele líquido quente. Desistiu. Fiquei ali apenas esperando ser consumido. Isso não aconteceu. Achei estranho, mas tudo bem. Reparei em suas mãos. Estavam trêmulas e úmidas.
Imaginei que algo de grave havia acontecido. A garçonete se aproximou.
- O senhor deseja mais alguma coisa?
- Não, obrigado. Estou esperando alguém. – respondeu delicadamente.
O senhor tinha um ar derrotista. Olhava em volta. Arrumava a gravata. Eu, tão concentrado que estava em seus trejeitos não vi quando outro homem se aproximou e parou em frente a nós.
Quem chegou era jovem. Devia ter uns trinta anos. Aparentava calma. Embora um tanto quanto apressado.
- Olá seu Ronaldo, como está? - falou o recém-chegado.
- Estou bem – Disse reticente. Tentando disfarçar o estado de ansiedade em se encontrava.
- Desculpe-me o atraso... O trânsito dessa cidade ainda vai me deixar louco... Porém, devido à minha demora temos pouco tempo... Vamos ser breves!
- Está bem...
- É o seguinte... Eu sei que o senhor já passou por diversos testes no processo seletivo da nossa empresa. E, deixe-me adiantar, o senhor se saiu maravilhosamente bem! Acima de todas as expectativas! Mas temos um problema...
Quando nosso amigo – candidato à vaga – ouviu a palavra “problema”, arrepiou-se dos pés à cabeça. Deu um gole em mim ainda puro e, a essa altura, gelado. Olhou fixamente para o rapaz e disse:
- E qual o “problema”? – sua testa suava em demasia. Ele não estava mais conseguindo se controlar.
- Então, o “problema” é o seu excesso de experiência...
- Mas a vaga pedia pessoas com idade superior a cinqüenta anos!
- Eu sei disso, mas a nossa empresa mudou o perfil da vaga no decorrer das etapas seletivas. Decidimos que alguém mais jovem, com maior vontade de aprender e ousar traria dinamismo para nós.
- Entendo... – o homem parecia perder a força...
- Fiz questão de vir explicar-lhe o ocorrido para que não fique uma má impressão!
- É... Não ficou uma má impressão... Mas...
O celular tocou. O jovem atendeu e desligou rapidamente.
- Preciso ir. O seu currículo será armazenado em nosso Banco de Oportunidades. Assim que surgir outra vaga com o seu perfil entraremos em contato! Sentimos-nos honrados por seu empenho em fazer parte da nossa equipe!
E com o mesmo ar sorridente e apressado que entrou, saiu. Já quem ficou não sorria. Chamou a garçonete. Pediu outro café. De cabeça baixa - testa e roupa umedecidas pelo suor - deu um belo gole em mim. Dessa vez conseguiu apreciar-me quentinho. Mas não por estar tranqüilo. E sim por sentir-se apático. Fraco demais para pensar. E, nessas horas, um bom café pode ser tudo!




Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Fevereiro/2009

domingo, 25 de janeiro de 2009

Crônica 35: O Conselho

De volta ao Brasil. Às bandejas. Aos clientes e aos garçons. Ao meu trabalho. À minha vida. Que saudade boa. E na minha reestréia, a trilha sonora foi Toquinho e Vinícius. Não podia estar mais feliz.
Eu vinha confortavelmente instalado nas firmes mãos do garçom. Dei uma olhadela para a mesa a que estava sendo direcionado e no mesmo instante pensei: “hum, ali tem assunto...”.
Quem me aguardava era uma senhora muito arrumada. Usa um austero Tailleur. Seus cabelos bem penteados. Óculos. E uma boca excessivamente pintada de um vermelho paixão. Junto a ela outra senhora. Esta um pouco menos rígida com o visual. Para aquela tarde chuvosa havia escolhido um conjuntinho de malha. Bermudão e camiseta. Ambas bem gordinhas e muito falantes.
Ao ser colocado na mesa junto a anéis, pulseiras e brincos dourados – uma delas deve tê-los tirado – a conversa já havia começado. Fluía com muita naturalidade. Mantive-me ali, quietinho e imperturbável. Em determinado momento senti-me até mesmo esquecido. Ninguém tocou em mim. Aproveitei para observar.
Muito. E entendi. O tema central era o marido da senhora de lábios marcados de vermelho. Imaginei a sujeira que aquilo não faria em minha xícara...
- Você não sabe o que ele me disse outro dia!
- Saber eu não sei... Mas posso imaginar... Afinal, do Léo pode-se esperar quase tudo que seja indelicado!
- Tente visualizar a cena: estávamos no sofá, assistindo o Big Brother – que, aliás, eu detesto – ai resolvi perguntar, só de brincadeira, o que ele acharia se eu participasse de um programa desses...
- Sei... E...
- Bom, ele disse que eu só poderia participar se houvesse um Big Botijão! Acredita???
Os óculos caíram de seu rosto. Seu tom de voz aumentou. Era como se estivesse novamente vivendo a dramática situação. Como se o marido estivesse na sua frente dizendo tudo de novo. Começou a ficar vermelha como o batom. Cheguei até a pensar que a mulher fosse ter um treco.
De repente, eu que já estava gelado fui bebido de uma só vez. Puro. Que susto. Senti-me como se de um momento para o outro tivesse sido transformado de café em pinga.
A amiga, muito boazinha, disse:
- Mas e você, ficou quieta? Agüentou tudo calada? Espero que não!
- Claro que não! – Esbravejou – Eu me irritei tanto que resolvi jogar limpo e na mesma hora eu falei: e você???
Pensa o que??? Que tá com essa bola toda pra falar de mim??? E essa enorme barriga de chope??? Vê se te enxerga!!!!!
E a cada fala nossa narradora ia ficando mais vermelha. Mais nervosa. A amiga, ao invés de tentar acalmá-la com frases como: “fique tranqüila” ou “não pense mais nisso”. Continuou incensando a ira da outra:
- E o que aquele desclassificado respondeu???
- “Eu estava só brincando, meu doce de coco... Credo... Não precisa ficar tão brava... Você é e sempre será melhor que qualquer Big Brother...” – disse em tom jocoso como se estivesse imitando o homem.
- É, amiga. Ele é um idiota mesmo. Você está ótima! Um pouco acima do peso, é verdade, mas na nossa idade é assim mesmo...
As duas pararam o falatório e por alguns minutos entraram num silêncio profundo. Talvez estivessem pensando na conversa. Até que a amiga-palpiteira resolve cortar o silêncio e melhorar as coisas.
- Sabe, Lica, fique tranqüila, mas não esqueça que em toda brincadeira há um fundo de verdade....
Obs: Peço desculpas aos meus queridos leitores, mas ainda não me adaptei às novas regras ortográficas!


Mariana Primi Haas - MTB 47229
Janeiro/2009

domingo, 18 de janeiro de 2009

Crônica 34: O Rei Mago

Mais uma de Buenos Aires... E, desculpem queridos leitores, mais uma de um casal de turistas. Não tem jeito, a capital portenha é muito convidativa aos enamorados! Bem, segui minha busca a outros cafés. Novas experiências. Conhecimentos. Amigos. E, como não podia deixar de ser, novas histórias.
Coisas interessantes acontecem quando se está viajando e atento a tudo que acontece à sua volta. Dessa vez, estava em um café, dentro de um shopping na Calle Florida. Um lugar muito interessante. Cheio de gente. Aliás, a cidade toda estava assim. E, como já comentei, a maioria dos turistas eram meus co-patriotas. Estou eu lá. Quietinho. Quando vejo um jovem e belo casal com sua filmadora.
Num primeiro momento, imaginei que fossem os mesmos do dia anterior. Mas não eram. Outros dois. Paulistanos. Não estavam sentados à mesa. Estavam caminhando pelo espaço. Filmando tudo. Comentando. Mostrando as lojas. Nessa andança deram de cara com... Os “três reis magos”. Isso mesmo. Como ainda era época de festas o centro comercial mantinha sua decoração de natal.
Uma árvore enorme e um teatro com atores interpretando os reis magos. Diferente, né? Ao passarem filmando a pequena encenação um dos reis, chamou a atenção. Ele acenou, fez o símbolo do coração com as mãos e mandou beijos. Os brasileiros adoraram a interação e continuaram seu caminho.
Mais à frente cruzaram com o segundo “rei mago”. Este foi mais incisivo. Acenou. Chamou-lhes para perto. E engatou numa gostosa conversa:
- De onde vocês são? – indagou o artista argentino.
- Brasil!
- Brasil?! – Perguntou com grata surpresa
– Baltazar! Baltazar!
Atendendo ao chamado veio até o pequeno grupo, Baltazar. Era justamente aquele primeiro que se manifestou. Veio meio cabreiro. Desconfiado. Conversou um pouco. Até a jovem falar:
- Vai aparecer no Brasil!
Baltazar entendeu de imediato que seria algum programa. Que passaria na TV. No mesmo instante se animou. Mandou beijos. Abraços. Pediu caipirinha. E, por fim, lembrou a seus amigos que em fevereiro viria encontrar os “brazucas”.
Uma simpatia. Eu, de longe, no meu espaço, fiquei imaginando o que teria feito com que Baltazar relaxasse. Seria encontrar brasileiros e poder conversar um pouco? Talvez. Mas optei por outra hipótese: Baltazar estava enfeitiçado pela câmera. É impressionante o que um aparelhinho desses é capaz de fazer com o ser humano. O poder que ele exerce.
Acho que o simples fato de se imaginar aparecendo na televisão ou no cinema, ou seja lá onde for, tornou Baltazar receptivo e interessado. Tão interessado que falou por muitos minutos. O casal precisou interrompê-lo. Despedir-se. Sair devagarzinho. À francesa. Desligaram a câmera e, ai sim, sentaram-se para um delicioso cafezinho. Tem jeito melhor de acabar um dia de passeio?



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Janeiro/2009

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Crônica 33: A VIAGEM

Como devem ter percebido tive que me ausentar por um tempo. Sabe como é... Natal, ano novo chegando, enfim, dezembro e janeiro são meses corridos para todos. Além de tudo, tirei umas férias merecidas. É um leva e traz. Um vai e volta. Bandeja. Garçom. Burburinho. Ufa! Pois é, mas sabem onde fui parar?

Em Buenos Aires, ou seja, na terra dos “cafés”. É café pra todo lado. De todo jeito. Lá os cafés são também restaurantes. Servem desde um simples cafezinho até deliciosos – e bem servidos – pratos. É um em cada esquina. Eu estava no paraíso. O paraíso para um café, claro.

Minha passagem por terras portenhas foi tranqüila. Calma. Revigorante. Mas não pude deixar de observar os hábitos dos freqüentadores dos “cafés” de lá. Tão perto e tão longe. Uma das primeiras coisas que pude notar foi a elegância dos argentinos. Sou um café brasileiro, também não gosto muito de admitir, mas é um povo muito arrumado. Muito educado.

Os homens mais velhos, por exemplo, não se sentam para saborear um bom cafezinho sem estarem devidamente trajados de terno. Camisa. As mulheres, então, poderiam até dizer que são “peruas”. Mas, de qualquer forma, maquiam-se. Perfumam-se. Tudo apenas para saborear um de meus amigos.

E, como se pode imaginar, há os turistas. Uma infinidade deles. Em sua maioria, brasileiros. Sentam-se com olhos atentos a tudo a sua volta. Normalmente de mochila. Câmera fotográfica. Filmadora. Um bom mapa da cidade em mãos. E as conversas, invariavelmente, são os lugares pelos quais passaram e os que ainda irão visitar.

Os turistas normalmente vestem-se mais à vontade. Também, para andar o dia inteiro não convém usar terno ou salto alto. Chamou-me a atenção um casal de turistas brasileiros, sentados na mesa ao lado.

Acenderam um cigarro. E ficaram como eu, apenas descansando.

- Amor, você não vai filmar a Florida? – dizia ela.

- Claro que vou... Já já – respondia seu companheiro.

O tempo passou. Os dois continuaram ali, sentados. Tomando um cafezinho. A tarde vinha caindo. E nada de filmagens.

- Amor, filma a Florida, vai? Daqui a pouco anoitece e a gente perde a oportunidade...

- Tá bom – disse ele. Animando-se.

Filmaram a Florida. Divertiram-se. Riram muito. Senti-me feliz ao vê-los tão contentes. Era contagiante. Que delícia. Que coisa boa poder aproveitar momentos de felicidade plena.

E, por fim, como diria Dostoievski: “Há momentos, e você chega a esses momentos, em que de repente o tempo pára e acontece a eternidade”.

Aproveite seus momentos e curta suas eternidades. É o que deseja esse simples café.

Bem-vindos a 2009!



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Janeiro/2009