segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Crônica 64: As Mãos

Para aquele que se preocupa em observar o outro, as palavras muitas vezes são desnecessárias

Como sempre ela chegou. Antes de sentar fez um aceno ao garçom. Era um simples balançar de dedos. Meigo. Gentil.  Foi atendida prontamente. Impressiono-me, cada dia que passa, nessa minha intensa convivência com a espécie humana. Tão sui generes e tão encantadora. É capaz, por exemplo, de se comunicar das mais variadas formas. Pode ser por um simples olhar. Pela postura corporal. Um menear de cabeça. E até pelo silêncio.
No caso em questão, a comunicação se deu através das mãos. Sim. Quando cheguei à mesa, o ambiente estava agradável. As mãos quietas. Calmas. Delicadas. Tocavam a asa da minha xícara levemente. Usavam a colher para misturar-me. Típico de quem tem o pensamento distante.
Logo o celular tocou. Odeio isso. Não consigo acompanhar a conversa por completo. São apenas fragmentos. Mas deu para notar que o papo não estava bom. E percebi isso novamente por causa das falantes mãos. Em um instante estavam agitadas. Moviam-se freneticamente. Causando um verdadeiro tsunami em mim. Quase fui ao chão diversas vezes. Desagradável...
Mantive-me firme. Sem mãos. Apenas com a asa da minha xícara. Impassível. Tentando me equilibrar. Finalmente a conversa acabou. As mãos, então, calaram-se. Por um breve momento achei eu nem estavam ali. Sossegadas. Apenas arrumando os cabelos ruivos. Vez por outra. Aplicando batom à boca. Mexendo na bolsa.
Novamente o celular. Tremi. Pude sentir as ondas de pavor se dissiparem por todo meu líquido. Mas, agora, a conversa era menos intensa. Ufa! Talvez falasse com algum familiar. Parecia aflita para desligar. Seus dedos rechonchudos com unhas vermelhas, então, resolveram tamborilar por sobre a mesa.  Um som altíssimo para mim. Logo, as tais mãos começaram a arrumar tudo em cima da mesa. Endireitou as toalhinhas. O açucareiro. O adoçante. A xícara. Tudo ficou em perfeita ordem. Desligou.
Pouco tempo depois soa e vibra o tal aparelho novamente. Agora devia ser uma amiga. E minha companheira de mesa tinha novidades interessantíssimas para contar. Assim, os braços entram na história. Eram mãos e braços para todo lado. Movimentos expansivos. Amplos. Relaxados. Eu estava novamente em perigo.
Acabada mais essa conversa, um momento de silêncio e contemplação. Quando o celular finalmente parou de tocar. Ela resolveu ir embora. Como eu sei? Sem uma única palavra. Ela bateu levemente com as duas mãos sobre o tampo da mesa. Tocando apenas as pontas dos dedos.
Virou-se novamente. Procurando o garçom. E novamente fez aquele mesmo aceno do início. Balançando os dedos. Pagou sua conta. E, por fim, abanou a mão para um conhecido. Fazendo o já instituído gesto de adeus. Balançando a mão para um lado e para o outro...


Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Dezembro/2011

sábado, 10 de dezembro de 2011

Crônica 63: A “Baixo Augusta”

"O novo pode nos assustar. Mas jamais nos paralisar. Afinal, atrás de um rosto diferente do nosso, de uma rua que não conhecemos, de um mundo que não nos pertence, podemos encontrar lindas e deliciosas surpresas" (Cafezinho)

Nem me pergunte como eu fui parar lá... Fato é que, de repente, me vi em meio a uma gente bem diferente e misógina... Em plena Rua Augusta... Ou, como ouvi falar por lá, na famosa “Baixo Augusta”. Mas que bobagem a minha. É claro que você quer saber como um simples cafezinho como eu, foi parar tão longe da sua casa. Afinal, eu penso, converso, ouço... Mas ainda não ando... Tudo bem. Vou te contar a minha recente experiência.
Era um dia daqueles que ao olharmos o primeiro raio de sol, sabemos que será tedioso. Sim. Também tenho dias tediosos. Quando ninguém aparece por aqui. Conversas sem mágica para acompanhar. Dias em que já acordamos com sono. Ou com dor de cabeça. Um mau humor que reina absoluto e faz a vida parecer fora de ritmo. Problemas mil, como a máquina de café emperrada... Basicamente como os dias chatos qualquer um.
Mas, a despeito do meu humor nada favorável que me fazia observar apenas o dia nublado escondido por de trás do céu azul, algo realmente interessante aconteceu. Parou no meu balcão certo alguém diferente das pessoas que eu estou acostumado a papear. Um Jovem. 20 e tantos anos. Vestia-se de preto. Acessórios de tachas. Maquiagem preta nos olhos e, no meio do caminho, pude perceber que suas unhas estavam pintadas de preto também.
Pensei: lá vou eu... No momento em que vi o insuportável copo de isopor sendo preparado com suas igualmente insuportáveis companheiras: tampinha de isopor e colherinha de plástico. Imediatamente percebi que eu seria levado para viagem. Que droga. E com aquele cara. Sei lá. Assumo que pré-julguei. E não me orgulho disso. Mas existe um pouco de humanidade em mim.
Fazer o quê, né? Fomos. Entramos no metrô. Esse transporte eu já conheço. Descemos numa linda avenida da minha cidade – via que andou fazendo aniversário esta semana – logo que saímos da estação tive um impacto. Sai do meu mundinho. Que lugar interessante. Movimentado. Cheio de gente de toda sorte. Um lugar para pessoas rápidas. Desta vez não tive incidentes no metrô. Já na avenida... Foi um tal de tromba daqui, tromba dali. Mas resisti.
Descemos por outra rua e paramos em um bar localizado na esquina de duas ruas. É claro que este ambiente não possuía nada do glamour lá de casa. Achei até um pouco desconfortável. Que passeio, hein? Agora esperar ser consumido. Mas não foi bem isso que aconteceu. Como meu mais novo amigo era calado, passei a observar as pessoas que por ali transitavam e pesquei alguns “drops”... Trechinhos de conversas que significam...
Passavam dois rapazes e uma moça. Vestidos informalmente. Gosto questionável. A moça falou: “menino, sabia que ele ficou milionário depois daquela história...?”, “Jura? Milionário morando no Grajaú?”.
Ao mesmo tempo, passam por nós dois seres... Como posso dizer... Hum... Nada convencionais. Altos demais. Magros demais. Brancos demais. Os dois usavam sobretudos pretos e amassados. Soturnos demais. Adivinha o que os dois cantavam. Rock? Música gótica? Jazz? Não. Eles cantavam – alto demais, diga-se de passagem – o novo sucesso do sertanejo universitário, “Nossa, nossa, assim você me mata. Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego”... Hehehehe
E, por fim, a melhor da noite. Mãe e filha. Chiquérrimas. A mãe olhava para a moça ao seu lado e dizia: “Mas o que é, hein? Agora vc tem a ‘Síndrome de Gabriela’? Eu nasci assim eu cresci assim e sou mesmo sim... Acorda menina!”
Sem falar no grupo de fotógrafos, iluminadores e modelos, que usava o ambiente para produzir um ensaio fotográfico underground. Ali mesmo. No meio de todo mundo. Naquela bagunça organizada... Quase fui fotografado (Risos).
E, assim, fecho meu dia na Famosa “Baixa Augusta”. Um lugar especial. Com pessoas estranhas e diferentemente interessantes. Com assuntos bacanas, assustadores, exagerados... Uma parte viva da cidade. Onde é possível entender um pouco mais de uma metrópole tão eclética como a nossa. E viva a diversidade!


Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Dezembro/2011

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Crônica 62: O Cuidado

"Amigos já são nossos amigos antes mesmo de conhecê-los. Basta que consigamos encontrá-los em meio a multidão..." (Cafezinho)

Algumas situações realmente me comovem. Bem em frente à minha casa, instalaram-se dois moradores de rua. E seu cachorro. Lindinho. Vejo que os dois têm sua rotina diária que inclui uma xícara de café quente lá em casa.
Dia desses, um lindo sábado de sol. Os dois permaneciam ali. Um saía de vez em quando. Voltava. Depois era a vez do outro. “Preciso dar uma volta com o (o cachorro), ele já deve estar cansado de ficar deitado”. Recolheu o pote de água. Pegou uma corda em algum lugar, amarrou no cachorrinho e saiu para dar uma volta.
Um pouco mais tarde. O que era sol virou nuvem. O que era calor virou água. Caiu uma chuva daquelas. Os dois homens contavam apenas com dois trapos para se cobrir. Então, uma senhora trouxe um pequeno cobertor. Daria para apenas um deles se cobrir. Os dois não tiveram dúvidas. Cobriram Zé. Fizeram um tipo de cueiro e colocaram confortavelmente deitado no colo de um deles.
Zé é um labrador. Chegou até nosso morador de rua, quando uma ninhada inteira foi abandonada em uma das praças da região. “Pois é, alguém deixou todos numa caixinha. Sozinhos. Passei por lá, vi e achei melhor não pegar. Resolvi que eles mereciam uma sorte melhor, que viver na rua”, disse ao gerente lá do meu estabelecimento. O Rapaz tomava um café com pão e manteiga, no balcão. Um amigo fiel, esse.
“Mas fiquei encafifado. Passei lá novamente no fim do dia e pensei: se ainda tiver algum, fica comigo. Era um dia frio, quando voltei até a praça, vi o cãozinho. Sozinho. Triste. Com medo. A caixa já estava rasgando. Não aguentei. Ele se parecia comigo. Pensei que poderíamos cuidar um do outro”.
“E aqui estamos”. Continuou. Dividimos tudo. Comida. Água. Calor. Um veterinário aqui do bairro dá sempre uma olhadinha nele. O gerente parecia emocionado. Acabado o lanche, o rapaz voltou para o outro lado da calçada. Levando pão e água para Zé...
Eu, café, achei emocionante o depoimento. E o respeito mantido. Até porque, as notícias que chegam até mim em relação aos animais são péssimas. Um cachorrinho arrastado por um carro morreu, depois de dias de sofrimento. Outro foi arrastado por uma moto. Fora os que são abandonados quando estão doentes ou mesmo velhos. Ou, apenas, porque a família vai se mudar e ele não está nos planos.
É de partir o coração, até de um velho café, como eu...

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Novembro/2011

domingo, 2 de outubro de 2011

Crônica 61: O Estereótipo



Olhar, perceber, constatar. Tudo é válido. Só não vale mais que conhecer, certificar-se, comparar e, por fim, saber. Só assim o ser humano poderá evitar o tão temido julgamento com base no vazio. (Cafezinho)


Sentam-se, como de costume, duas moças. Simpáticas. Faladeiras. Eu chego. Como sempre, também. E, sem grandes novidades, ficamos lá. Observávamos a rua. Eu ouvia a conversa. Elas falavam. Um dia como outro qualquer. Mas é incrível, como em dias como estes. Comuns. Coisas interessantíssimas podem acontecer.
Talvez seja porque estamos distraídos. Esperando que nada aconteça. Talvez seja porque estamos mais abertos ao mundo. Menos defensivos. Talvez seja coincidência. E, ainda, talvez em dias absolutamente normais, como este, você esteja disposto a olhar de uma forma diferente para situações que se apresentam.
Seja pelo “talvez” que for. O que você escolha. Ou ainda um novo talvez... Quem sabe... Fatos acontecem. Assustam-nos. Deixam-nos admirados. E por tão pouco. Por um detalhe. Continuando. Permanecíamos lá. Na mesa. De repente, passa um carro – que sem dúvida – era de um modelo já bem ultrapassado. Algumas batidas conferiam a ele uma antipatia imediata.
Dentro do veículo, três rapazes. Sem camisa. Com chapéu de Cowboy. O som que saía dali era ensurdecedor. A música era sertaneja. Claro. Digo isso pelo chapéu. A nós, pareceram pouco amigáveis. Imediatamente incluímos os três na lista de bêbedos idiotas, metidos, chatos, ignorantes. E por ai vai. Isso tudo em cinco segundos. E confirmamos nossa impressão, no exato momento em que brecaram abruptamente. Fazendo aquele barulho que causa arrepios.
“Que idiotas. Estão querendo aparecer... Disse umas das minhas apreciadoras”.
A outra limitou-se a um sorrisinho irônico. Como se bradasse: dispensa comentários.
No entanto o carro parou. Alguns metros à frente. Ué. As duas olharam para a rua. Viram um passarinho parado no meio da via. “Ai meu Deus. É uma rolinha. Deve estar doente. Vou tirar ela de lá... Por isso eles brecaram tão forte...”. Levantou-se heroicamente na direção da ave.
Ao chegar lá. Surpresa. O rapaz, antes ignorante, idiota, metido, chato, etc, etc. Já havia chegado. Por isso parou o carro a alguns metros no meio da rua. Quando viu a cena. Nossa heroína, um tanto quanto atrasada, sentiu-se mal. Tão mal. Ruborizou.
“Eu ia justamente fazer isso....”.
“Eu quase atropelei ela. Você viu?”
“Vi, sim...”
“Pois é... Ainda bem que eu percebi a tempo. Mas o próximo motorista pode não ver e passar por cima...”
E com mãos delicadas, em atitude absolutamente oposta a sua aparência, retirou com todo o cuidado o passarinho dali. Colocou-o na calçada. E antes de voltar para o carro, certificou-se de que tudo estava bem. Deu adeus à moça. Atônita. E seguiu seu caminho. Com o mesmo carro semi-desmilinguido. O mesmo som alto. E a mesma camisa no ombro. Minha amiga voltou para a mesa. Chocada. “Jamais esperei uma atitude tão gentil de alguém com um estereótipo tão grosseiro”. Imediatamente sua parceira deu risada e brincou: “os brutos também amam”. Não, disse a outra. “Aceitar, analisar, julgar os outros através de estereótipos é que é inconcebível...”

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Outubro/2011

domingo, 25 de setembro de 2011

Crônica 60: O Tédio


Em todo reencontro há um tédio implícito. O tédio da distância reaproximada. O tédio da notícia velha. O tédio da história passada. Todo reencontro é tediosamente bege. (Cafezinho)

Entre o chove e não molha do dia em questão. Dos poucos convivas que passaram por aqui. Fiquei eu, a pincelar algo de interessante. Mas, nas primeiras horas de funcionamento da minha casa, nada, realmente nada, aconteceu. Uma criança levada aqui. Um circunspecto senhor ali. Enfim, comunicação e reflexão, zero.
E quando achei que tudo estava pedido e que esta semana não teríamos histórias para contar neste saboroso blog, entram duas senhoras distintas. Sem muitas descrições dessa vez. Apenas isso, duas senhoras distintas.
Mais que depressa me convidaram a sentar. Algo muito “interessante” aconteceu. Aproximei-me devagar. Interessado no que sairia dali, já que até o momento meu dia estava mais chuvoso aqui dentro, do que do lado de fora. Acomodei-me. Olhei para uma. Para a outra. Nem uma única palavra saía daquelas bocas cheias de batom. Melecaram-me inteiro. Ao menos não puseram açúcar. Estava puro.
Nem mesmo olhavam uma para outra. De repente. Um “entreolhos”. Que alívio. Agora vai. Não foi desta vez. Em uma tentativa de comunicação... Está bom seu café? Ótimo querida e o seu? Ótimo também. O cafezinho aqui é excelente.
Calaram-se novamente. Um silêncio plácido. Sereno. Sem mágoas ou rancor. Amor. Paixão. Ódio. Desprezo. Nenhum desses sentimentos. Bastante nobres. Todos eles. Nenhum sinal de sentimento à vista.
Uma delas arrumou a saia. A outra ajeitou o cabelo. Foram ao banheiro revezadamente. E para minha surpresa... Mais um café. Afinal, sou mesmo uma delícia, né? Olhavam a paisagem. Cuidavam das bolsas. Uma delas tirou um apoio para sua tira-colo. Um gancho dourado. No qual a bolsa ficava pendurada de baixo da mesa. Imediatamente, a outra também tirou seu artefato da bolsa. “Bonito seu gancho. O meu tem aplicação de strass”.
Bolsas instaladas. Continuaram em seu clássico silêncio. Eram duas perfeitas figuras barrocas. Brancas. Com duas bochechas artificialmente rosadas. Olhinhos azuis brilhantes. Tailleur Chanel. E sapatos brilhantes. Não fujo da descrição, não é mesmo?
Os movimentos lentos. O que contribuiu com a longa estada das duas por casa. “Seus filhos e netos. Como estão?”. Todos bem... Lucinha se separou... Ah! Que pena. Era um casal tão bonito. Pois é. Hoje em dia casais perfeitos também se separam.
Bom. Querida. Muito bom revê-la depois de tantos anos sem notícias suas! Preciso ir.  Realmente. Foi muito boa a nossa conversa. Precisamos marcar mais vezes. Deram dois beijinhos. E foram. Eu fiquei ali. Confuso. Tentando entender a importância daquele silêncio. Ou daquela conversa.

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Setembro/2011

domingo, 18 de setembro de 2011

Crônica 59: A Cerveja

Em geral, as pessoas não acreditam no como o ambiente de um Café pode ser realmente interessante. Minha casa funciona como um microcosmo onde a sociedade é refletida e milhões de personagens desfilam e descortinam o retrato da sociedade em que vivemos.
Estou filosofando demais? Não acredito. Dia desses, estava eu em mais um fim de domingo quando se sentaram duas pessoas. Em duas mesas diferentes. Ela, uma linda mulher. Ele um homem interessante.
Cada um na sua história. Na sua vida. Ela falava ao telefone. Dava risada. E seguia em minha companhia. Ele lia seu jornal. Acompanhado por uma cerveja e seu laptop. Ele tomava uma cerveja. De cara antipatizei com a figura. Trocar meu calor. Meu aconchego por uma simples e xucra cerveja? Enfim. Eu não tinha nada a ver com isso. Não estava naquela mesa.
Fiquei ali, tranquilo, acompanhado pela mulher e seu celular. Já comentei que detesto celular. Suas vibrações irritantes. A invasão dos momentos de introspecção. Ou pior, o barulho ensurdecedor. Mas, de qualquer forma. Ia ser um encontro tranquilo.
Observava a mesa da cerveja. Ele estava tranquilo. Vivendo o mundo paralelo da internet. O que também, para mim, é bastante invasivo. Quando me dei conta, não era apenas eu que estava entretido com aquele rapaz. A moça também estava com seus olhos vidrados nele.
Não conseguia tirar os olhos. Calou-se. Desligou o celular. Concentrou-se na tal mesa da cerveja. Como ele não olhasse para a gente, continuamos focados. Intermitentemente. Ela não se conformava. Ele realmente não levantou os olhos em sua direção uma única vez. Resolveu ir ao banheiro. Passou ao seu lado. Mesmo assim, nada aconteceu. Não é possível... Ou é cego, ou é um idiota. Pensou nossa protagonista. Aparentemente optou pela opção da cegueira.
Passados alguns minutos, voltou a prestar atenção no fulano. Ela estava de fato indignada. Resolveu que não voltaria para casa sem ao menos ser vista. Estava determinada a provar sua existência. Encheu-se de coragem. E foi até a mesa de seu alvo. Com licença, mas estou te observando e achei curioso o fato de você estar nesse ambiente e ter optado por uma cerveja ao invés de um café – como seria mais usual. E deu-lhe um irresistível sorriso.
Ele, por sua vez, que havia achado o comentário uma impertinência, declinou de sua arrogância e de seu mundo virtual, e resolveu entender melhor o que aquele lindo sorriso queria por ali. Riu da pergunta da desconhecida. “Eu normalmente opto pela cerveja, pois ela não tem prazo de validade”.
Opa! Prazo de validade? Isso me ofendeu. Fiquei de longe tentando entender essa teoria tão... Tão... Sem sentido. Que? Perguntou ela. Nesse momento ele entendeu que dali uma boa oportunidade de conversa poderia surgir. “Quer sentar aqui?”. E lá fomos nós. “O prazo de validade referido é o tempo que se demora em consumir o café. Normalmente, as pessoas vêm tomam um café e pronto. É difícil tomar duas ou três ‘doses’. O que não permite que a gente permaneça no ambiente. Ou que estabeleçamos conversas muito longas com os amigos”. Interessante... Pensou ela.
“De qualquer forma. Eu discordo. O mundo pode passar por um café. É um motivo para uma conversa amiga. Para um encontro de negócios. Para sair sozinha de casa. E até para, de repente, conhecer alguém interessante e debater o tema...”. Percebeu que o nosso assunto é o café e não a cerveja...?

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Setembro/2011

domingo, 11 de setembro de 2011

Crônica 58: A Nuance

Uma bela tarde de feriado. Sol. Ventinho fresco. Perfeito para sentar-se em um café. Sozinho. Acompanhado. Com amigos. Com a família. Com o cachorro. Tudo pode. Sim. Pessoas felizes. Ai, eu realmente estava me sentindo bem. Adoro dias assim, que exalam bem estar.
Sentou-se uma mulher em uma de minhas mesas. Chamou-me. Fui com o maior prazer imaginando ouvir histórias de amor ou de conquistas. Ou ainda de uma promoção no trabalho. Mas não era nada disso. Quando olhei para o seu rosto vi um pedido de socorro. Um ar nublado. Um quê de desespero.
Permaneceu muda. Olhava para o vazio. Como se ali ele estivesse materializado. E ela, enxergando todas as suas nuances. Assim, é a tristeza em um dia feliz. Destoante. Ao mesmo tempo em que real e solitária.
Ela estava onde queria estar. Em nenhum outro lugar. Talvez faltasse alguém. Que jamais poderia vir. A partir do dia anterior. Anterior a quê? Ela se perguntava. Anterior ao nada. Sim. Ao nada.
Ela havia sido feliz. Sua vida tinha pinceladas de perfeição. Filhos lindos. E naquele momento, preenchida de vazio, sentiu-se oca. Seu querido. Seu amado. Tudo isso. Seu. Já não lhe era mais pertencido. Foi pra longe. Não se sabe bem pra onde. Nenhum cientista até hoje descobriu.
Por que me abandonar dessa forma? Sair de casa montado em uma moto, como se fora seu cavalo alado. Não demorou muito para perceber que ela não tinha asas. Caso contrário teria voado. E passado por cima do ônibus, carro e caminhão que lhe atravessaram o caminho. Ou será que ele é que lhes atravessou? Provável...
Por quê? Não sabe. O celular toca. Ela ignora. Invade-lhe o momento. Chega à alma. Como uma campainha de casa. Quando você não quer atender. Toca de novo. Ela olha para o aparelhinho. Irritantemente feliz, brilhante e ensurdecedor. E deixa que toque. Chega a admirar o som como se fora uma peça de Mozart ou Beethoven ou qualquer clássico da humanidade.
Ela sabia que precisaria atender. As pessoas queriam falar com ela. Precisavam saber como ela estava. Mal sabiam que ela não estava. Queriam vê-la sorrir. Levar os filhos à escola. Voltar ao trabalho. À sua casa – que havia deixado desde então. Mas não podia. Simplesmente não podia.
Não era justo tê-la deixado dessa forma. Sem avisar. Sem permitir que se preparasse... Foi egoísta. E agora... Perguntava-se. Dessa forma chegou a mim. Para falar sem dizer. Sentir sem expressar. Receber colo sem pedir. Para não ouvir julgamentos, nem questionamentos e, principalmente, para não ouvir conselhos.
Ela queria silêncio e a alegria das mesas ao lado. Onde ninguém lhe sentia pena pela perda. Onde ninguém olhava para ela com ar de caridade. Onde era apenas mais uma pessoa. Quieta. Em apenas mais uma mesa. E assim que saísse outro sentaria ali. Talvez uma família feliz... Talvez um casal briguento... Talvez...

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Setembro/2011

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Crônica 57: A Saga

Depois de um tempo sem aparecer, mas com muitas experiências vividas, volto a dar notícias. Esse cafezinho andou meio desaparecido, mas para aqueles que escreveram protestando e sentindo minha falta, peço imensas desculpas e faço questão de deixar bem claro que a verdadeira culpada por toda essa saudade que senti foi a minha interlocutora. A tal jornalista. Fazer o que, né, eu dependo dela...
Bom, escrever a história de hoje foi bem difícil, até porque dois meses sem compartilhar ideias é muito tempo. Pensei em tanta coisa. Queria falar sobre cachorros, sobre casais, sobre famílias, sobre amigos, sobre... Sobre...
Mas como tenho vivido uma experiência - digamos - extremamente nova, optei por ela. Nesse caso, serei obrigado a voltar a um tema já abordado antes... O Metrô. Pois é, mas agora olhando de dentro para fora. É isso mesmo. Eu tenho andado de metrô. Interessante a perspectiva, não?
Antes que vocês, meus queridos amigos e leitores contumazes, se assustem e pensem que, finalmente, eu o seu companheiro preferido, criei pernas e sai por ai “desembestado” – como diz uma amiga minha – respire. Essa vivência foi adquirida através de um amigo, recentemente conquistado, que resolveu me levar “para viagem”. Sempre.
Vocês sabem que eu odeio ser levado “para viagem”. Além dos motivos já explicitados anteriormente, como o copo de isopor, a colherinha de plástico, o sacolejar do instável caminhar, existem outras razões para eu não suportar esse opção tão prática para alguns... Hehehe... Eu simplesmente fico chato. Extremamente chato. Frio. Mau humorado.
Exatamente por isso, quando este camarada chegou e falou: “um cafezinho para viagem!”, já me contorci todo. Evitei sair de toda a forma... “oh ‘Quim’ a máquina tá quebrada!”... “Tá nada é esse café fazendo charme”. Era isso mesmo. Mas não teve jeito. Precisei ir. Até, que dessa vez, as mãos estavam vazias e inteiramente dedicadas a mim.
Era um jovem elegante. Moderno. Usava um terno cinza e tinha uma bolsa transpassada. Quando dei por mim, estava passando uma catraca e descendo uma escada rolante. Fiquei assustado. Entramos no trem. Eu não fazia ideia de como ele era por dentro. Muito lindo. Adorei. Espaçoso. Confortável. Fui feliz.
De repente, tocou o chato do celular... Meu amigo se apressou em atendê-lo. Quase caí. Ai que raiva. “Oi Fá. Então, estou a caminho do trabalho. Ainda nem cheguei à linha amarela, e lá você sabe, né, aquela loucura”. Pára o mundo que eu quero descer. Como assim que loucura? Bom, deve ser apenas uma expressão infeliz... Imaginei...
Ficamos em pé novamente. As portas se abriram. Começou a tal loucura. Não era “modo de falr”... Sair do trem? Missão quase impossível. Uma senhora cismou que queria passar pelo mesmo espaço que nós. “Não dá minha senhora. Ou eu saio ou a senhora entra”, falou meu amigo. Fiquei orgulhoso. Fomos xingados até minha primeira geração. Demos dois passos e paramos. Estávamos diante de duas escadas rolantes sem degraus. Estranhíssimo.  E o pior. Estavam paradas. Ninguém ia nem      para frente, nem para trás.
Acho que dá para me imaginar ai, né? 
Bufamos.
Passados uns 15 minutos... Pudemos continuar. Lentamente, porque não era possível andar pela quantidade de pessoas no corredor. Sem mais, parou tudo novamente. Acontece que nós estávamos do lado direito do corredor e a entrada para o trem é do lado esquerdo. Não. Nós não estávamos errados. O fluxo era esse mesmo. Ou seja, fui derrubado. Levantado. A sensação era de que estávamos atravessando uma parede de pessoas. Ninguém nos deixava passar.
Por fim, chegamos a outro trem. Lindo este. Novamente. Arejado e grande. Com possibilidade de que todos se sentassem. Ufa! Pensei. Agora sim. O quê? Desembarcamos. De novo. Dessa vez foi ainda pior. Eu olhei para cima e vi montes de escadas rolantes – cinco no total – e um número incontável de pessoas. Todas apinhadas. Começamos a subir. Apertados. Sem conseguir sair do lugar, afinal, ninguém respeita a tal regra que diz: “se você vai ficar parado, permaneça à esquerda”. Olha, nessa altura já havia perdido a noção do tempo.
Depois de tudo isso... Entramos em outro vagão. Dessa vez ao ar livre. E qual minha surpresa quando eu percebi que também estava lotado. L-o-t-a-d-o. Fiquei prensado entre a camisa branca do meu amigo e a porta. Segurando para não cair. Já pensou manchar a roupa dele? Fomos assim. Amassados. E quando imaginei que havíamos chegado ainda andamos mais uns vinte minutos. Finalmente entramos em seu escritório... Nesse momento, parei na mesa de trabalho dele e pensei: Nossa... Jura que a gente vai voltar? Que medo...

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Setembro/2011

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Crônica 56: O Doce

Três amigas “cheinhas” e um amigo magrelo. O quarteto havia chegado até minha casa pelo cheirinho de café recém coado, ou seja, estavam atrás de mim. Sentaram-se. Conversavam animados. Estavam aproveitando o horário de almoço para colocar as fofocas em dia. Depois de muito olharem o cardápio chamaram o garçom:
- Amigo – disse o rapaz – eu vou querer um café puro.
- Só isso, senhor?
- Sim. E vocês, o que vão pedir? – perguntou às meninas.
- Ainda estamos decidindo... Mas por enquanto três expressos.
As três não conseguiam se conter diante de tantos doces que poderiam me deixar ainda mais saboroso. Uma olhou para a outra e comentou: “será que teria problema se comêssemos apenas uma tortinha de morango?”
Silêncio. Até que uma delas respondeu que talvez não tivesse muito problema, afinal, era um doce, continha bastante açúcar, mas também tinha a fruta e elas poderiam contar como sua porção de frutas do dia.
Novamente silêncio. As três se entreolharam querendo realmente acreditar naquele argumento. Sorrisinhos de criança que apronta, brotavam no canto de suas bocas. Estavam quase lá.  Quando uma delas lembrou, “mas justo hoje que é dia do nosso programa de reeducação alimentar”?
Vamos chegar lá, ter que nos pesar e contar que em vez de frutas comemos torta de morango. Continuou. Fora que vamos nos sentir mal. A segunda interveio, mas não precisaremos falar nada... Não é esta tortinha que irá aumentar nosso peso e, até a próxima reunião, podemos comer só salada.
E mais um silêncio. O rapaz, que já não agüentava mais aquela discussão, resolveu opinar. Por que vocês não esquecem a tortinha e tomam logo o cafezinho que já está ficando frio. E estava mesmo. Esquecido e gelado. Já devo ter comentado outras vezes como odeio ser “abandonado" em minha xícara. Se era pra me deixar esperando, não me chamasse.
Bom, irritações à parte, as "moçoilas” decidiram que deveriam deixar para outra hora o doce e aproveitar quem estava ali, esperando ser consumido. Seu amigo, já estava no segundo café. Porém, quando achei que os problemas haviam sido resolvidos... “Ai e agora? Detesto adoçante... Acho que vou usar açúcar”. Claro, resmungou o já insatisfeito amigo. Uma colherinha não fará mal algum.
No entanto, a voraz colega colocou cinco colheres de açúcar – no que foi imitada pelas outras duas. “É, só isso não nos fará mal algum”. Eu realmente me sinto enjoado quando me adoçam demais. Perco muito do meu sabor. Mas estou aqui apenas para servir.
Tomaram seus cafezinhos. Doces. Esquentaram-se. Conversaram. Falavam alto. Em determinado momento o jovem levantou-se, deixou seu dinheiro na mesa e disse que teria que voltar para o escritório. Despediram-se.
Foi nesse momento que as três se olharam novamente. Cúmplices. Aliadas de um crime perfeito. Chamaram o garçom, novamente.
- Moço lembra-se daquela torta de morango que falávamos?
- Sim...
- Pois é... Embrulhe três para viagem...


Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Junho/2011

domingo, 5 de junho de 2011

Crônica 55: A Metáfora!



Ouvi uma conversa bastante interessante dia desses. Dois amigos. Um homem e uma mulher. Amigos de longa data. Animados. Felizes. Contentes por estarem ali. Serem quem são. Viverem a vida que levam. Terem as experiências que têm. Experiências sofridas, talvez? Imagino que sim. Experiências felizes também? Devem ser a maioria. Mas independente de suas histórias, felizes por terem um ao outro. Por se saberem amigos. Por terem o presente para viver, o passado para contemplar (talvez falar mal um pouquinho) e o futuro para planejar.
Entre tantos casos comentados, amores e desamores, loucuras e trabalho. Cantaram. Tiraram fotos. Fizeram caretas. Riram muito de suas próprias vidas e reações diante dela. E eu ali, acompanhando tudo. Sendo muito elogiado. E abandonado de vez em quando pelo meu – não mais tão companheiro – cigarro.
E eu esperava junto à bolsa, mochila, celulares e o vazio. Mas voltavam. Sempre voltavam. Eu perdia parte das conversas (fico irritado quando isso acontece), mas ouvia o fim e os via pelo vidro. Distantes.
Numa dessas voltas ouvi o seguinte e interessante comentário:
- Amiga, isso dá uma crônica, hein?
Ai que raiva, o “causo” deve ter sido bom e eu ali sem saber do que se falava. Mas isso era o que menos importava.
- Você acha? – Perguntou ela curiosa. Olhinhos brilhantes. Ainda mais linda.
Os olhos verdes do interlocutor faiscaram. Era como se tivesse feito uma descoberta importantíssima para a humanidade. E fez. Afinal, a humanidade, naquele momento, eram os dois.
- Eu começaria assim:
“Depois de anos bebendo café puro, expresso, com açúcar, resolvi experimentar um novo modo de adoçar meu amigo. Experimentei café com chantilly. Que deleite. Adorei. No início fiquei triste por abandonar minha fórmula já tão conhecida de ‘felicidade’, mas não demorou muito para que percebesse que aquele velho tradicional jeito de saborear ‘a vida’ estava me tirando muito do que ela poderia me oferecer. A partir daí, comecei a viver, a descobrir novos sabores. Café com canela, com adoçante, com chocolate e até com rum. Fiquei feliz por desamparar antigos hábitos e dar oportunidades para novos. Que venham cafés gelados, com sorvete. Que venham novos invólucros. Xícaras grandes, médias e pequenas, copos, taças. Que venha a vida e me encha oportunidades e alegrias”.
- Que tal?
Nossa querida de olhos brilhantes segurou as mãos do seu parceiro. Emocionada.
- Não é a toa que te escolhi como irmãozinho querido.
E beijou as mãos do amigo, com uma ternura pouco comum nos dias de hoje. Ele, por sua vez, repetiu o ato e seus olhos brilharam juntos. Como deveria ser. Passado o momento rápido de emoção voltaram a sorrir, conversar, brincar e fofocar.
Metáforas. A vida é feita delas. E, eu, café, fiquei orgulhoso por fazer parte de uma linda emocionante metáfora como esta. Palavras têm o poder de envolver. De “acarinhar”. Podem ser macias. Basta saber tocá-las.
Como diria um poeta “amigo meu”: “É fácil trocar as palavras, difícil é interpretar os silêncios!” (Fernando Pessoa).

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Junho/2011

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Crônica 54: O Café

Pois é. Como todos devem saber, semana passada aconteceu o dia do café. Importante eu, né? E, para efeito comemorativo, fui prestar serviços em um evento de cosméticos. Interessante. Não tanto, já que não preciso desse tipo de coisa para me manter jovem. Sou velho mesmo. E como.
Estava eu, esperando que alguém me procurasse.  Esperei. Os chocolates e refrigerantes estavam muito mais solicitados. Deu até certo tom de revolta. Mas relaxei. “Respirei fundo” e continuei ali, pronto a dar alento a quem precisasse. Até que... Ufa! Fiz uma descoberta surpreendente.
Eram mesas altas. Bancos altos. Ambos estreitos. Pouco convidativos. Sentaram-se ali duas pessoas. Dois homens. Uma dupla de “gorduchinhos”. Não se deixaram abater pela pequenez dos bancos. Falavam muito. Muito rápido. Mal se conseguia entendê-los.
No entanto, em meio a tantas palavras de adulação, consegui captar algo realmente importante (pra mim ao menos). O assunto era Eu. Mas, não o velho Eu. E o assunto nada tinha haver com cozinha, bebidas quentes ou melhores amigos. O assunto era cosmético.
Na hora pensei: que doideira é essa? Eu sei já existe shampoo de chocolate. Sei também da utilização do ouro na produção de batons. Mas café? Jamais imaginei. Bom, um dos rapazes falava, falava, falava e eu ali pacientemente ouvindo.
Até que limpei a parte desinteressante da conversa e fiquei com a seguinte informação: “não sei se o senhor sabia, mas nossa empresa está utilizando café para produzir algumas linhas de seus produtos”.
- São cosméticos feitos com os grãos verdes e também com o refugo da produção – continuou.
Sim, meninas. Aquelas que ainda ficam com a frescura de tomar café descafeinado. Isso não é café. “Cutucãozinho” à parte. Fiquem sabendo que o café tem propriedades para drenagem e tonificação da pele. Além de óleos de banho, hidratantes e até sabonetes.
De volta aos nossos amigos faladores. Depois de tanto assunto. Ambos terminaram sua bebida. Voltaram para o seu trabalho. Seu stand. Seu café. E, Eu, volto para a minha boulangerie para ouvir mais e mais histórias...

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Junho/2011

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Crônica 53: O Metrô

Sentam-se um menino e seu pai. É domingo. Dia de ficarem juntos. Aproveitarem o momento. E é o que estão fazendo. Mesmo com a chuva que cai. Até que surge uma pergunta bem difícil de responder. Mas bastante necessária.
- Pai... O que são “pessoas diferenciadas”?
“Hum... E agora?” Pensou, ele. O quê responder. Como explicar a complexidade do tema para uma criança de 10 anos. Fez-se silêncio. O pai olhou à sua volta. Até ver uma garçonete. “Ufa!”.
- Mocinha. Veja pra mim um café quentinho e um suco de laranja para o rapaz aqui.
Fui chamado. E rapidamente cheguei. Estava curioso para saber a resposta. E, principalmente, para entender a pergunta. “Pai!”. “Oi”. “Então... Você sabe a resposta?”, insistiu o menino. Claro que sei. O que seu pai, aqui, não sabe?
- Bom. Pessoas diferenciadas são aquelas que fogem às regras. É isso. - Respondeu o pai. Orgulhoso por ter se saído bem. E continuou brincando com o menino, conversando sobre futebol. O jogo do Corinthians. Até que...
- Pai. Entendi. Mas então pessoas que andam de metrô fogem das regras? A mamãe me leva para a escola de metrô. Somos diferenciados?”
- Claro que sim. São diferenciados. Evitam usar o carro e poluir a cidade.
O menino ficou pensativo. Mexeu o canudinho do suco. Deu um gole.
- Mas, pai. Se andar de metrô é bom, por que tem gente que não quer metrô onde mora?”
O pai novamente ficou sem resposta. Olhou para os olhos negros como café do filho. Pensou em sua ingenuidade. Primeiro decidiu dizer que essas pessoas são babacas. Depois resolveu que essa não era a melhor opção. Já estava saindo fumaça de suas orelhas.
Tomou um gole de mim. Olhou-me. E disse:
- São pessoas ignorantes. Não sabem o que dizem. Preferem viver presos no bairro deles convivendo apenas com outros prisioneiros que tenham os mesmos hábitos, entende?”
- Não. Porque a professora me falou que bairros e ruas são espaços públicos. Pertencem a todos. Não podem ser fechados. Mas, sim, democratizados. Vivemos numa democracia, sabia?”
- Eu sei filho.
- Sabia que democracia significa Governo do Povo? Então, por que aquela mulher falou que não quer o povo perto dela?
O pai, atônito com a resposta do filho, limitou-se a tomar a terceira dose de seu cafezinho. Depois dessa acho que eu, também, não preciso dizer mais nada, né?

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Maio/2011

sábado, 7 de maio de 2011

Crônica 52: O Escritório


Hoje, pela primeira vez, fui levado a um lugar diferente. Completamente estranho e novo aos meus olhos de café. Tudo começou com uma jovem, muito bem arrumada. Ao invés de sentar-se ela caminhou até o balcão. “Um puro para viagem, por favor,”. Estranhei. Pensei: o que seria um puro? E mais: de que viagem ela falava?
Pois é, o puro era eu. E a viagem era minha também. Uma novidade lá em casa. Agora quem não puder se sentar para degustar seu cafezinho, pode me levar junto para onde quiser. Achei até interessante. Em minutos sai nas mãos da minha amiga.
Nada aconchegante esse vôo. Em primeiro lugar eu fui de classe econômica, ou seja, estava acomodado em um copo de isopor com tampa. O que para mim é péssimo. Depois, eu disputava espaço nas mãos dela com pasta, agenda, celular – é claro que ele tocou e eu quase fui derrubado – a bolsa caindo. Enfim.
Chegamos ao nosso destino. Fui colocado em uma mesa de cozinha. E ali fiquei aguardando que ela voltasse. Assustado. “Alguém quer um gole de café?”. Essa não, eu ia ser dividido? Era só o que me faltava...
Mas felizmente essa desgraça não aconteceu. Ufa! Não é ser chato. Mas não sou um café de garrafa térmica. Sou um expresso puro de grãos selecionados. Após um tempo interminável, ela voltou. Adoçou-me. E fomos para um espaço molhado (estava chovendo), do lado de fora do escritório. Ela pegou outro amigo meu – o cigarro – e ali relaxou por dez minutos.
Ficamos tranqüilos. Em paz. Ela parecia pensar no que tinha para fazer durante o dia. E naquele curto período de tempo, parecia grata a mim. Por estar ali. Por ter aceito esse estranho convite. Eu era a desculpa para que ela parasse, antes mesmo de começar.
Apesar do frio. Da chuva. E do muro molhado em que fui apoiado. Senti-me bem em viver aquele momento. Ajuda-la a respirar. Ela me olhava como a um bálsamo, me via como o melhor momento antes de começar o dia.
É. Mas melhores momentos acabam rápidos. Ela foi chamada. E eu tive que voltar. Já tinha dado minha hora...

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Maio/2011

terça-feira, 5 de abril de 2011

Crônica 51: A Intrusa

Pessoas são mesmo um tipo interessante. Dia desses, estava eu na minha labuta, servindo uma mesa cheia de crianças e uma mulher. Devia ter uns 35 anos. Bonita. Muito bem arrumada. Alguma coisa me chamou a atenção naquela figura. Tinha um quê de cansada. Um quê de pensativa. Nem tudo devia ir tão bem na sua vida.
Ela estava acompanhada por seus filhos e dois coleguinhas da escola dos pequenos. Sentou. Pediu um café – euzinho. Acomodou as crianças na mesa ao lado. Em seguida retirou de sua “pequena” bolsa: cadernos, canetas, lápis de cor. E toda sorte de coisas que uma criança, ou melhor, quatro, precisa para desenhar.
Esse era seu alvará de soltura. Agora sim, pensou. Poderei relaxar. Tomar meu cafezinho. Ficar em paz. E foi o que ela fez. Curtiu o seu momento. Aliás, eu também curti. Ficamos ali. Tranquilos. Admirando quem passava pela rua. Ela me olhava. Usava a colherinha para dar uma mexidinha no açúcar. E eu apenas um amigo discreto. O melhor naquele momento.
Ela parecia não acreditar que conseguira proporcionar a si própria aquele instante de prazer. Sem chefe gritando. Filhos chamando. Só ela, a cidade e seu cafezinho quente. Desligou o celular. Bebericava-me vez por outra. Uma olhadela para as crianças ao lado. Perfeito. “Tudo sob controle” pensava.
Mais um café. Fui e voltei renovado. No entanto, qual não foi a minha surpresa quando, no meu retorno, me deparei com uma mulher. Da mesma idade (provavelmente). Parada ante a mesa. Em pé. Falava por todos os poros. Sem parar um minuto. Nem para respirar. Nem para perceber que a amiga estava querendo, desejando, permanecer como estava: sozinha e em silêncio.
“Amigaaaa! Você aqui? Como você está?”, perguntou a tal. “Sim, tudo bem. E você como está?”, perguntou minha amiga já querendo voar no pescoço da outra. “Muita coisa acontecendo. Sabe como é. Aliás, parei com esse veneno.”
Olhamos ao nosso redor. Não vimos veneno algum.
“É – continuou - me refiro ao café”. Quando ouvi isso, quase me derrubo inteiro e quente na mão dela que estava sobre a mesa. Mas consegui me controlar.
Bom, seguiram-se diversos absurdos devidamente cortados pela minha admiradora. “Mas saiba que ele é um amigo e tanto. Sabe aqueles momentos em que você pretende ficar um pouco sozinha e esquecer que o resto do mundo existe? Pois é, nesses momentos um veneninho como esse é ótimo”, disse em tom jocoso.
Pensei: bom, agora ela vai embora. Que nada, antes que pudesse acabar de pensar nisso, minha inimiga número um sentou-se. Isso mesmo. Sentou-se. E como se não bastasse, sentenciou: “Querida, você precisa mesmo conversar”. Senti a dor da minha colega. No entanto, fiz a única coisa que um amigo discreto como eu poderia fazer. Eu me retirei...


Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Maio/2011

quarta-feira, 16 de março de 2011

Crônica 50: Uma Amizade sem Fronteiras


Nossa, estou até mal passado. Depois de dois anos sem escrever...
Mas vamos lá aquecer os motores... Opa, seria melhor dizer que eu vou colocar a água pra ferver, né?
Nesses dois anos parado muitas coisas aconteceram na minha vida. Muitas mudanças. Muitos altos e baixos. Muitos amores e desamores. Ilusões e desilusões. Enfim, muito tudo. Recomeçar nunca é fácil, é sempre um trajeto duro. Uma estrada tortuosa.
Eu sei que não estou aqui para falar de mim e sim dos meus admiradores, meus companheiros fiéis, mas depois de dois anos sem escrever, quando sentei aqui, não resisti...
E para o primeiro texto, desta segunda fase, escolhi uma admiradora mais que especial. Não, não se trata de uma celebridade. Nem de um humano. Mas sim de "alguém" que sempre adorou a minha presença. Mesmo sem nunca saborear-me.
Ela vinha sempre acompanhar sua dona. Vinha quietinha. Sentava-se ao lado dela. E ali permanecia. Contemplativa. Meu sabor não era em nada agradável ao seu paladar. Mas meu aroma... Esse sim encantava essa linda poodle.
Sua “mãe”, por sua vez, era uma jovem muito tagarela. Conversava com todos. Com quem passava. Com os amigos que vinham encontrá-la. Com os garçons. Não importava. Todos sabiam que no fim da tarde era possível encontrá-la com seus dois melhores amigos: Eu – o seu Cafezinho – e Sissi – a sua poodle.
Em uma de suas conversas a ouvi dizer:
- Você não imagina, quando saio de casa, ela já se anima toda, abana o rabo e é capaz de vir sozinha até aqui. Acho que ela também adora um café no fim da tarde!
Fiquei extremamente lisonjeado. E era verdade. Aquela bolinha de pelos realmente me cativou e cativou a todos. Certo dia, ao receber carinho, quase me derruba da mesa. Fiquei nervoso. Um pouco sem equilíbrio. Mas logo percebi que ela me queria mais perto dela.
Pelos pretos. Olhos “sábios”. O tempo passou e sua dona não retornou mais. Fui ficando triste. Veio-me um sentimento estranho... É a tal saudade! Já estava murchinho quando, um longo tempo depois, ela reapareceu. Se tivesse pernas teria saído correndo ao seu encontro.
Mas minha casa estava cheia e o rapaz demorou a me buscar. Quando cheguei à mesa senti um calafrio. Era uma lágrima gelada caindo em mim. Foi quase um tsunami em minha xícara. Não a vi conversar com ninguém. Nem mesmo comigo. E quando a moça, delicadamente, me levou à boca... É que pude olhar para baixo... E... Não ver... A linda Sissi não estava mais lá.
Nunca mais ela se sentaria abaixo de mim e me olharia com aquele olhar sapeca. Nunca mais ouviria seu latidinho. Nunca mais sua patinha se apoiaria nas pernas de minha apreciadora para saber o que estava acontecendo sobre a mesa... Nunca mais.
No entanto, gosto de imaginar que todos os dias esse “anjinho” vem me visitar. Senta-se no chão. Me espera chegar. E ficamos, os dois, sozinhos, conversando na linguagem do amor!




In Memoriam de Sissi *11/10/1999 a 09/02/2011*






Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Março/2011