terça-feira, 5 de abril de 2011

Crônica 51: A Intrusa

Pessoas são mesmo um tipo interessante. Dia desses, estava eu na minha labuta, servindo uma mesa cheia de crianças e uma mulher. Devia ter uns 35 anos. Bonita. Muito bem arrumada. Alguma coisa me chamou a atenção naquela figura. Tinha um quê de cansada. Um quê de pensativa. Nem tudo devia ir tão bem na sua vida.
Ela estava acompanhada por seus filhos e dois coleguinhas da escola dos pequenos. Sentou. Pediu um café – euzinho. Acomodou as crianças na mesa ao lado. Em seguida retirou de sua “pequena” bolsa: cadernos, canetas, lápis de cor. E toda sorte de coisas que uma criança, ou melhor, quatro, precisa para desenhar.
Esse era seu alvará de soltura. Agora sim, pensou. Poderei relaxar. Tomar meu cafezinho. Ficar em paz. E foi o que ela fez. Curtiu o seu momento. Aliás, eu também curti. Ficamos ali. Tranquilos. Admirando quem passava pela rua. Ela me olhava. Usava a colherinha para dar uma mexidinha no açúcar. E eu apenas um amigo discreto. O melhor naquele momento.
Ela parecia não acreditar que conseguira proporcionar a si própria aquele instante de prazer. Sem chefe gritando. Filhos chamando. Só ela, a cidade e seu cafezinho quente. Desligou o celular. Bebericava-me vez por outra. Uma olhadela para as crianças ao lado. Perfeito. “Tudo sob controle” pensava.
Mais um café. Fui e voltei renovado. No entanto, qual não foi a minha surpresa quando, no meu retorno, me deparei com uma mulher. Da mesma idade (provavelmente). Parada ante a mesa. Em pé. Falava por todos os poros. Sem parar um minuto. Nem para respirar. Nem para perceber que a amiga estava querendo, desejando, permanecer como estava: sozinha e em silêncio.
“Amigaaaa! Você aqui? Como você está?”, perguntou a tal. “Sim, tudo bem. E você como está?”, perguntou minha amiga já querendo voar no pescoço da outra. “Muita coisa acontecendo. Sabe como é. Aliás, parei com esse veneno.”
Olhamos ao nosso redor. Não vimos veneno algum.
“É – continuou - me refiro ao café”. Quando ouvi isso, quase me derrubo inteiro e quente na mão dela que estava sobre a mesa. Mas consegui me controlar.
Bom, seguiram-se diversos absurdos devidamente cortados pela minha admiradora. “Mas saiba que ele é um amigo e tanto. Sabe aqueles momentos em que você pretende ficar um pouco sozinha e esquecer que o resto do mundo existe? Pois é, nesses momentos um veneninho como esse é ótimo”, disse em tom jocoso.
Pensei: bom, agora ela vai embora. Que nada, antes que pudesse acabar de pensar nisso, minha inimiga número um sentou-se. Isso mesmo. Sentou-se. E como se não bastasse, sentenciou: “Querida, você precisa mesmo conversar”. Senti a dor da minha colega. No entanto, fiz a única coisa que um amigo discreto como eu poderia fazer. Eu me retirei...


Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Maio/2011