domingo, 2 de outubro de 2011

Crônica 61: O Estereótipo



Olhar, perceber, constatar. Tudo é válido. Só não vale mais que conhecer, certificar-se, comparar e, por fim, saber. Só assim o ser humano poderá evitar o tão temido julgamento com base no vazio. (Cafezinho)


Sentam-se, como de costume, duas moças. Simpáticas. Faladeiras. Eu chego. Como sempre, também. E, sem grandes novidades, ficamos lá. Observávamos a rua. Eu ouvia a conversa. Elas falavam. Um dia como outro qualquer. Mas é incrível, como em dias como estes. Comuns. Coisas interessantíssimas podem acontecer.
Talvez seja porque estamos distraídos. Esperando que nada aconteça. Talvez seja porque estamos mais abertos ao mundo. Menos defensivos. Talvez seja coincidência. E, ainda, talvez em dias absolutamente normais, como este, você esteja disposto a olhar de uma forma diferente para situações que se apresentam.
Seja pelo “talvez” que for. O que você escolha. Ou ainda um novo talvez... Quem sabe... Fatos acontecem. Assustam-nos. Deixam-nos admirados. E por tão pouco. Por um detalhe. Continuando. Permanecíamos lá. Na mesa. De repente, passa um carro – que sem dúvida – era de um modelo já bem ultrapassado. Algumas batidas conferiam a ele uma antipatia imediata.
Dentro do veículo, três rapazes. Sem camisa. Com chapéu de Cowboy. O som que saía dali era ensurdecedor. A música era sertaneja. Claro. Digo isso pelo chapéu. A nós, pareceram pouco amigáveis. Imediatamente incluímos os três na lista de bêbedos idiotas, metidos, chatos, ignorantes. E por ai vai. Isso tudo em cinco segundos. E confirmamos nossa impressão, no exato momento em que brecaram abruptamente. Fazendo aquele barulho que causa arrepios.
“Que idiotas. Estão querendo aparecer... Disse umas das minhas apreciadoras”.
A outra limitou-se a um sorrisinho irônico. Como se bradasse: dispensa comentários.
No entanto o carro parou. Alguns metros à frente. Ué. As duas olharam para a rua. Viram um passarinho parado no meio da via. “Ai meu Deus. É uma rolinha. Deve estar doente. Vou tirar ela de lá... Por isso eles brecaram tão forte...”. Levantou-se heroicamente na direção da ave.
Ao chegar lá. Surpresa. O rapaz, antes ignorante, idiota, metido, chato, etc, etc. Já havia chegado. Por isso parou o carro a alguns metros no meio da rua. Quando viu a cena. Nossa heroína, um tanto quanto atrasada, sentiu-se mal. Tão mal. Ruborizou.
“Eu ia justamente fazer isso....”.
“Eu quase atropelei ela. Você viu?”
“Vi, sim...”
“Pois é... Ainda bem que eu percebi a tempo. Mas o próximo motorista pode não ver e passar por cima...”
E com mãos delicadas, em atitude absolutamente oposta a sua aparência, retirou com todo o cuidado o passarinho dali. Colocou-o na calçada. E antes de voltar para o carro, certificou-se de que tudo estava bem. Deu adeus à moça. Atônita. E seguiu seu caminho. Com o mesmo carro semi-desmilinguido. O mesmo som alto. E a mesma camisa no ombro. Minha amiga voltou para a mesa. Chocada. “Jamais esperei uma atitude tão gentil de alguém com um estereótipo tão grosseiro”. Imediatamente sua parceira deu risada e brincou: “os brutos também amam”. Não, disse a outra. “Aceitar, analisar, julgar os outros através de estereótipos é que é inconcebível...”

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Outubro/2011