quinta-feira, 16 de junho de 2011

Crônica 56: O Doce

Três amigas “cheinhas” e um amigo magrelo. O quarteto havia chegado até minha casa pelo cheirinho de café recém coado, ou seja, estavam atrás de mim. Sentaram-se. Conversavam animados. Estavam aproveitando o horário de almoço para colocar as fofocas em dia. Depois de muito olharem o cardápio chamaram o garçom:
- Amigo – disse o rapaz – eu vou querer um café puro.
- Só isso, senhor?
- Sim. E vocês, o que vão pedir? – perguntou às meninas.
- Ainda estamos decidindo... Mas por enquanto três expressos.
As três não conseguiam se conter diante de tantos doces que poderiam me deixar ainda mais saboroso. Uma olhou para a outra e comentou: “será que teria problema se comêssemos apenas uma tortinha de morango?”
Silêncio. Até que uma delas respondeu que talvez não tivesse muito problema, afinal, era um doce, continha bastante açúcar, mas também tinha a fruta e elas poderiam contar como sua porção de frutas do dia.
Novamente silêncio. As três se entreolharam querendo realmente acreditar naquele argumento. Sorrisinhos de criança que apronta, brotavam no canto de suas bocas. Estavam quase lá.  Quando uma delas lembrou, “mas justo hoje que é dia do nosso programa de reeducação alimentar”?
Vamos chegar lá, ter que nos pesar e contar que em vez de frutas comemos torta de morango. Continuou. Fora que vamos nos sentir mal. A segunda interveio, mas não precisaremos falar nada... Não é esta tortinha que irá aumentar nosso peso e, até a próxima reunião, podemos comer só salada.
E mais um silêncio. O rapaz, que já não agüentava mais aquela discussão, resolveu opinar. Por que vocês não esquecem a tortinha e tomam logo o cafezinho que já está ficando frio. E estava mesmo. Esquecido e gelado. Já devo ter comentado outras vezes como odeio ser “abandonado" em minha xícara. Se era pra me deixar esperando, não me chamasse.
Bom, irritações à parte, as "moçoilas” decidiram que deveriam deixar para outra hora o doce e aproveitar quem estava ali, esperando ser consumido. Seu amigo, já estava no segundo café. Porém, quando achei que os problemas haviam sido resolvidos... “Ai e agora? Detesto adoçante... Acho que vou usar açúcar”. Claro, resmungou o já insatisfeito amigo. Uma colherinha não fará mal algum.
No entanto, a voraz colega colocou cinco colheres de açúcar – no que foi imitada pelas outras duas. “É, só isso não nos fará mal algum”. Eu realmente me sinto enjoado quando me adoçam demais. Perco muito do meu sabor. Mas estou aqui apenas para servir.
Tomaram seus cafezinhos. Doces. Esquentaram-se. Conversaram. Falavam alto. Em determinado momento o jovem levantou-se, deixou seu dinheiro na mesa e disse que teria que voltar para o escritório. Despediram-se.
Foi nesse momento que as três se olharam novamente. Cúmplices. Aliadas de um crime perfeito. Chamaram o garçom, novamente.
- Moço lembra-se daquela torta de morango que falávamos?
- Sim...
- Pois é... Embrulhe três para viagem...


Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Junho/2011

domingo, 5 de junho de 2011

Crônica 55: A Metáfora!



Ouvi uma conversa bastante interessante dia desses. Dois amigos. Um homem e uma mulher. Amigos de longa data. Animados. Felizes. Contentes por estarem ali. Serem quem são. Viverem a vida que levam. Terem as experiências que têm. Experiências sofridas, talvez? Imagino que sim. Experiências felizes também? Devem ser a maioria. Mas independente de suas histórias, felizes por terem um ao outro. Por se saberem amigos. Por terem o presente para viver, o passado para contemplar (talvez falar mal um pouquinho) e o futuro para planejar.
Entre tantos casos comentados, amores e desamores, loucuras e trabalho. Cantaram. Tiraram fotos. Fizeram caretas. Riram muito de suas próprias vidas e reações diante dela. E eu ali, acompanhando tudo. Sendo muito elogiado. E abandonado de vez em quando pelo meu – não mais tão companheiro – cigarro.
E eu esperava junto à bolsa, mochila, celulares e o vazio. Mas voltavam. Sempre voltavam. Eu perdia parte das conversas (fico irritado quando isso acontece), mas ouvia o fim e os via pelo vidro. Distantes.
Numa dessas voltas ouvi o seguinte e interessante comentário:
- Amiga, isso dá uma crônica, hein?
Ai que raiva, o “causo” deve ter sido bom e eu ali sem saber do que se falava. Mas isso era o que menos importava.
- Você acha? – Perguntou ela curiosa. Olhinhos brilhantes. Ainda mais linda.
Os olhos verdes do interlocutor faiscaram. Era como se tivesse feito uma descoberta importantíssima para a humanidade. E fez. Afinal, a humanidade, naquele momento, eram os dois.
- Eu começaria assim:
“Depois de anos bebendo café puro, expresso, com açúcar, resolvi experimentar um novo modo de adoçar meu amigo. Experimentei café com chantilly. Que deleite. Adorei. No início fiquei triste por abandonar minha fórmula já tão conhecida de ‘felicidade’, mas não demorou muito para que percebesse que aquele velho tradicional jeito de saborear ‘a vida’ estava me tirando muito do que ela poderia me oferecer. A partir daí, comecei a viver, a descobrir novos sabores. Café com canela, com adoçante, com chocolate e até com rum. Fiquei feliz por desamparar antigos hábitos e dar oportunidades para novos. Que venham cafés gelados, com sorvete. Que venham novos invólucros. Xícaras grandes, médias e pequenas, copos, taças. Que venha a vida e me encha oportunidades e alegrias”.
- Que tal?
Nossa querida de olhos brilhantes segurou as mãos do seu parceiro. Emocionada.
- Não é a toa que te escolhi como irmãozinho querido.
E beijou as mãos do amigo, com uma ternura pouco comum nos dias de hoje. Ele, por sua vez, repetiu o ato e seus olhos brilharam juntos. Como deveria ser. Passado o momento rápido de emoção voltaram a sorrir, conversar, brincar e fofocar.
Metáforas. A vida é feita delas. E, eu, café, fiquei orgulhoso por fazer parte de uma linda emocionante metáfora como esta. Palavras têm o poder de envolver. De “acarinhar”. Podem ser macias. Basta saber tocá-las.
Como diria um poeta “amigo meu”: “É fácil trocar as palavras, difícil é interpretar os silêncios!” (Fernando Pessoa).

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Junho/2011

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Crônica 54: O Café

Pois é. Como todos devem saber, semana passada aconteceu o dia do café. Importante eu, né? E, para efeito comemorativo, fui prestar serviços em um evento de cosméticos. Interessante. Não tanto, já que não preciso desse tipo de coisa para me manter jovem. Sou velho mesmo. E como.
Estava eu, esperando que alguém me procurasse.  Esperei. Os chocolates e refrigerantes estavam muito mais solicitados. Deu até certo tom de revolta. Mas relaxei. “Respirei fundo” e continuei ali, pronto a dar alento a quem precisasse. Até que... Ufa! Fiz uma descoberta surpreendente.
Eram mesas altas. Bancos altos. Ambos estreitos. Pouco convidativos. Sentaram-se ali duas pessoas. Dois homens. Uma dupla de “gorduchinhos”. Não se deixaram abater pela pequenez dos bancos. Falavam muito. Muito rápido. Mal se conseguia entendê-los.
No entanto, em meio a tantas palavras de adulação, consegui captar algo realmente importante (pra mim ao menos). O assunto era Eu. Mas, não o velho Eu. E o assunto nada tinha haver com cozinha, bebidas quentes ou melhores amigos. O assunto era cosmético.
Na hora pensei: que doideira é essa? Eu sei já existe shampoo de chocolate. Sei também da utilização do ouro na produção de batons. Mas café? Jamais imaginei. Bom, um dos rapazes falava, falava, falava e eu ali pacientemente ouvindo.
Até que limpei a parte desinteressante da conversa e fiquei com a seguinte informação: “não sei se o senhor sabia, mas nossa empresa está utilizando café para produzir algumas linhas de seus produtos”.
- São cosméticos feitos com os grãos verdes e também com o refugo da produção – continuou.
Sim, meninas. Aquelas que ainda ficam com a frescura de tomar café descafeinado. Isso não é café. “Cutucãozinho” à parte. Fiquem sabendo que o café tem propriedades para drenagem e tonificação da pele. Além de óleos de banho, hidratantes e até sabonetes.
De volta aos nossos amigos faladores. Depois de tanto assunto. Ambos terminaram sua bebida. Voltaram para o seu trabalho. Seu stand. Seu café. E, Eu, volto para a minha boulangerie para ouvir mais e mais histórias...

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Junho/2011