segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Crônica 16: O CIÚME

O clima já estava quente quando eu cheguei. Quente não. Fervendo. O ar no entorno da mesa borbulhava, quase tanto quanto a água necessária para o preparo de um bom café. Fui delicadamente colocado na mesa.

Mal me ajeitei e... Senti uma pequena vibração. Poucos minutos depois ouvi o tilintar do pires e dos outros copos na mesa. Só então me dei conta. Eu havia sido posicionado no olho de um furacão. Isso mesmo. E quem estava a ponto de explodir era uma mulher. Quarenta e poucos anos. Novamente um casal.

A tal senhora estava tão nervosa, tão nervosa, que não conseguia perceber o tamanho do escândalo que protagonizava. Ela tremia. Ele não entendeu o porquê de tanta excitação. “O que foi que eu fiz?”, pensava.

Em meio à tamanha confusão eu pincei uma frase. Simples. Mas esclarecedora.

- “Eu vi a sua nova secretária!” – Berrou insana.

O que? Toda aquela fúria por causa de uma secretária? Isso mesmo. Ele tentava justificar. Explicava que nem conhecia a moça. Que era uma funcionária como outra qualquer. Nada adiantou. A cada explicação. Um novo acesso de fúria.

- E você nunca reparou que ela é bonita?
- É bonitinha. Mas é minha secretária. Pára com isso!

Foi então que aconteceu o que eu mais temia. Ainda estava cheio. Já estava gelado. A esposa estendeu a mão e... Pegou-me... Em uma fração de segundos fui atirado contra a parede. Fiquei lá... Escorrendo. Marrom. Minha xícara quebrada.

Satisfeita, ela saiu. Deixou o marido – ou ex-marido – lá. Sentado. Pensando “O que está acontecendo... Eu nem havia reparado se a menina era bonita ou feia... Meu Deus!”. O gerente da casa se aproximou do homem. Devagar. Ele olhou para o homem. Este lhe devolveu o olhar e disse:

- Mais um café, por favor – impassível. Apático.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Agosto/2008

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Crônica 15: A VERDADE

Eu. Um café. Vejo de um ângulo bem diferente a tudo e a todos. De baixo pra cima. De dentro pra fora. Dessa forma, consigo, em muitas situações, me aproximar bastante da essência das situações. Sempre dou preferência a degustar cada gesto, cada palavra – que ironia – a enxergá-las.

Em todas essas observações ainda não consegui entender por que o ser humano é tão complicado. Falta de coragem para permitir que o outro chegue perto sua alma. Coragem para deixar seu mundo particular aberto a estranhos. Intrusos.

Ainda outro dia eu estava na mesa acompanhado por um tranqüilo casal de amigos. Mesa. Xícara quente. Pires branco. Puro. E duas almas inquietas descansando em meus braços. Ela tentava entender sua vida. Falava. Questionava-se. Ele, mero ouvinte.

- O que você acha? – perguntou aflita.

Titubeou. Pensou. Analisou. Mais um gole. Falou. Palavras. Palavras. Palavras duras. Os olhos da amiga marejaram. Pareciam duas piscinas. Uma lágrima escorreu. Invasão. Ela perguntou. Mas não queria uma resposta.

- Não precisa agredir – disse a mulher.

Ele não estava agredindo. Apenas entrou por uma porta proibida. Usou a chave errada. A verdade. Silêncio. Tensão. Eu ali. Senti a presença das palavras não ditas. O ar podia ser tocado. Cada vez mais espesso. Eu, mais frio a cada momento.

A verdade foi vilã. A amiga, questionadora, não queria ouvir um eco do que vinha no seu peito. Ela queria uma falsa-verdade. Levantaram-se. Saíram. Fiquei lá. Parado na minha mesa. Olhando. Até o semblante dos dois sumir. Confundir-se com outras tantas verdades a serem ditas e ouvidas. Verdades que caminham veladas pelas ruas. Perdidas. Cansadas.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Agosto/2008

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Crônica 14: A ÁREA DE FUMANTES

Sou um café. Como é sabido. Convivo com cigarros. Fumantes. Fumaças. Eu formo uma parceria bem interessante com o cigarro. Digo parceria interessante porque a maioria dos fumantes aprecia muito a minha companhia. Gostam de sentar-se, pedir um café e consumir seu vicio. Deleitam-se com essa combinação. Valorizam-me. A cada gole.

Dia desses fui levado até a “Área de Fumantes”. Colocaram-me entre um maço de cigarros e um cinzeiro. Eles em nada me incomodam. Na mesa, duas mulheres. Pareciam felizes. Apenas colocando o assunto em dia. Uma conversa boa. Agradável. Entre uma baforada e outra um gole no meu corpo quente e espesso. O dia estava próprio para uma bebida quente e forte como eu me pretendo.

De repente, sem mais nem meio mais, aparece uma menina linda. Devia ter uns sete anos. Linda mesmo. Loirinha. Cabelos ondulados. Seus olhos azuis acinzentados. Eu já tinha visto a criança. Ela estava sentada com o pai do lado de dentro do estabelecimento. Onde é terminantemente proibido fumar. Os bichos-papões da era moderna – os fumantes – estavam bem longe deles.

Mas a pequena não estava satisfeita. Ela surgiu na mesa. Ficou olhando fixamente para a mulher que fumava. Susto. A moça imaginou ser uma visão. Uma alucinação. Olhou para a menina. Um olhar interrogativo. A menina devolveu olhar. Parada.

- O que você quer meu bem? – indagou a moça sem entender nada.

A menina nada respondeu. E continuou no mesmo lugar.

- Pois não querida? Posso ajudar-lhe em algo?

Nada. Nem um movimento sequer.

As duas não sabiam mais o que fazer. Quando...

- Por que você fuma? Meu pai disse que é muito feio fumar...

- Olha querida, é feio mesmo. Agora eu estou tentando conversar, você poderia nos dar licença? Por favor!

A menina não se mexeu. Ficou ali. Parada. Olhando fixamente para a fumante. A mulher incomodada pensou que se ignorasse a criança, talvez ela saísse. Era só uma criança. “Fique calma”, pensou. Deu um gole em mim. Um gole forte. A menina não se mexeu. Não tirou o olhar acusativo de cima da fumante.

Olhou em volta para procurar o responsável por aquela bonequinha intrometida. Achou um homem. O homem fez sinal com a mão. A menina saiu. Foi ao encontro do pai. “Ufa” pensou a mulher. Terminou de me degustar. Terminou seu cigarro. Acendeu outro. Pediu outro café. Ficou ali. Quieta com sua companheira de mesa. Restrita ao “pedaço que lhe cabe deste latifúndio”. A área de fumantes.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Agosto/2008

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Crônica 13: AS MÁQUINAS

Dois homens. Um café. Dois computadores. Um único silêncio. É isso. Quando cheguei àquela mesa, algo me assustou: a falta de palavras. Sujeitos estilosos. Um pediu café com chantilly e o outro preferiu refrigerante – gosto não se discute, não é mesmo?

Estavam sentados um em frente ao outro. Nada falavam. Nem sequer se olhavam. Vez por outra eu ouvia algum som que não configurava, necessariamente, como uma conversa.

- Chegou aí?
- Não. Nada aqui.
- “Pera” aí. Vou ver o que está acontecendo. Entra no MSN que fica mais fácil!

MSN? Como assim? Eles estavam cara a cara. Dividindo a mesma mesa. Preferiram conversar pelo “chat”. Riram. Riram muito. E devem ter conversado horrores. De vez em quando uma garçonete aparecia. Um deles apenas erguia a mão em sinal negativo.

Não queriam consumir mais nada. O mundo virtual os havia consumido. Eu já tinha ouvido conversas sobre computadores, mas nunca imaginei que pudesse ser algo tão hipnotizante. Uma hora se passou. Eu esfriei. Fiquei gelado. O chantilly desmanchou-se. Derreteu. Misturou-se ao meu corpo. Eu devia estar horrível.

Aparece o terceiro elemento. Outro homem cheio de si. Este vinha sem computador.

- E aí, cara! Trabalhando final de semana?
- Nada! Tô só passando o tempo... Me divertindo...

O amigo recém-chegado assustou-se. Interrogação no ar. Dia de sol, dois amigos em um café, muita gente na rua. Dois computadores. Diversão? E pelo que pude entender eles estavam felizes mesmo.

O novato sentou-se e tentou puxar assunto.

- E a família? – arriscou... Sem saber se deveria investir em uma conversa tão... Real!
- “Pera” só um minutinho... Acabou o download agora... Um segundo...
- Ok - respondeu descrente.

E assim, a situação permaneceu por meia hora. O amigo “real” cansou-se. Os dois cibernéticos terminaram o “papo virtual”. Pagaram. Levantaram-se. Saíram. Provavelmente, cada um seguiu para sua casa. Foram terminar um download ou “conversar” com alguém via MSN. Provavelmente, nenhum dos dois notou o lindo dia que fazia na rua. Sequer viram o arco-íris. Mesmo assim, um dia eles perceberão que esta tarde, de fato, existiu. E se darão conta de que não a vivenciaram. Triste conclusão essa. Triste. Mas real.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Agosto/2008