domingo, 17 de março de 2013

Crônica 76: Sobre Lágrimas, Maquiagem e Reticências


Eram habituês do meu salão. Um casal diferente é verdade. Ela cheinha. De saia rodada. E maçãs do rosto bem vermelhas. Ele, já seco pelo tempo.  Cabelos prateados. Pareciam mais pai e filha. Mas, não. Formavam, mesmo, um casal. Muitas carícias. Muitos abraços e beijos.
Ele cuidava do som ambiente que rolava no espaço. Ela esperava. E enquanto esperava me convidava à sua mesa. Eu talvez não fosse a companhia ideal. Era quieto demais. Mas, de certa forma, era quentinho e acolhedor. O que me garantia um lugar ali.
Estava tudo tranquilo. Como sempre. Vez por outra ele vinha até a mesa. Muitos olhares curiosos o acompanhavam. Era assim. Sempre. Eles estavam acostumados. E também estavam acostumados a brigar. Brigavam muito. Demais. Era cansativo.
No entanto, até aquele momento as coisas estavam em paz. E foi sem aviso prévio que um estrondoso, “como você pode?”, saiu da pequena boca escondida pelas bochechas infantis da menina. Falaram baixo. Murmuraram desaforos. Ele olhava para o os lados. Afinal, estava em seu local de trabalho. Ela olhava para baixo. Para mim.
Ele precisou voltar ao seu trabalho. Ela estava inconformada. Não compreendia. Depois de dar mais um golinho em mim, levantou-se. Não era o tipo que fazia gênero. Ou talvez fosse exatamente este tipo. Mas também não queria sair dali. Chorou. Chorou. Chorou tanto que todos a sua volta ficaram preocupados.
Eu que já estava gelado, afinal fazia frio, fiquei ali observando. Primeiro sentou-se uma funcionária do lugar sugerindo que ela fosse pro banheiro chorar. Poderia incomodar os clientes. Depois veio um garçom. Delicadamente lhe disse: “você está chorando por causa de homem, meu bem? Então escolha melhor seus pares”.
Seguiu-se a ele uma jovem. Conhecida dela. Que já figurou nas páginas deste cafezinho. Sempre bem arrumada. “O que houve querida?”. Com cada um deles. Cada um que tentou se aproximar. Ela havia conversado. Muito. A maquiagem já estava toda borrada. Lágrimas pretas lhe escorriam dos olhos.
Mas nada fazia com que parasse. Parecia que cada um que se sentava ali, estimulava mais sua autopiedade. Ou, talvez, sua demonstração de dor excessiva. Resolveu, por fim, “esconder-se” na área de fumantes. Não fui junto. Mas, ela não demorou. O tal, causador de tanta dor, apareceu.
E foi um abraço tão intenso. Ele parecia engoli-la naquele abraço. Ela baixou a cabeça. E enfiou fundo no seu peito. Ficaram ali pelo que pareceram dias. Fizeram as pazes. Ele precisava voltar ao trabalho. Antes de sair da mesa, perguntou-lhe: “você está bem? Espera-me?”. Fez que sim com a cabeça. Ele se levantou e dirigiu-se a mesa de som. E depois de tudo. Ela pegou sua bolsa e saiu... Sozinha... Agora, não chorava mais... Ria...

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Março/2013

domingo, 10 de março de 2013

Crônica 75: Sobre orgulho, escritas e uma pitadinha de Nietzsche



Entrou. Sentou. Escreveu. Escreveu. Escreveu.  Parou. Deu um gole delicado em mim. Colocou-me de volta no pires. Olhava para frente. Em sua cara uma expressão indefinida. Talvez uma mistura de sentimentos. Confusão. O jovem acariciou minha xícara. Mexeu com a colher. Dobrou o guardanapo. Tudo em ato contínuo. Sem perceber que se movimentava.

Estava absorto. As lembranças roubavam-lhe o presente. Lembranças, essas, não tão boas como gostaria. No entanto, tinham cheiro. Gosto. Som. Forma. Nome.  E, principalmente, expressão. Não conversamos. Ele considerava mais fácil escrever. Era daquelas pessoas que encontram no papel um consolo. Um território neutro. Uma forma de soltar. Deixar fluir. Sua vida. Seus amores. Seus encontros. Desencontros. Ele estava impresso. Ou, pelo menos, digitado e transcrito.

Não era fácil ser assim. Mas tudo bem. Curioso como sou, dei uma espiadela nas letras rabiscadas por aquele indivíduo de mãos aflitas. E olhos diáfanos. Seu mote era justamente a linguagem. Mais que isso sua forma. Mas, novamente parou. Ainda não havia saído do título. Escrevia. Riscava. Apagava. Reescrevia.
“Orgulho”. Era seu título. Como ele nos faz surdos aos próprios pensamentos. Aos próprios sentimentos. Bebericava sua segunda xícara de mim. As ironias e risadas descontextualizadas decorrente do que, pra ele, era o mais vil dos sentimentos.

Mais do que isso a cegueira ao outro. À vida do outro. Ao existir. O entender que ninguém está pronto. Acabado. Somos histórias em eterno desenvolvimento. Caindo no lugar comum, somos como o mar. Ora revolto. Ora calmo. E em alguns instantes recuamos tanto. Perdemos tanto de nós mesmos. Que só pode acontecer um tsunami ou algo do gênero.

Parou novamente. Sentiu-se confuso. Culpado em suas reflexões. Por, talvez, não ser tão diferente assim. Por mesmo triste saber que poderia cometer o mesmo erro. Mas era humano. Sentiu-se traído por si mesmo. Corresponder aos ideais de outrem não havia sido uma boa idéia. Tentara ser outro. Soara falso. Tentara ser ele mesmo. Soara agressivo. Por fim, optou por não ser.

E, então, lembrei de Nietzsche, quando disse em A Gaia Ciência... “Não te enchas de ar: a menor piscadela te esvaziaria”. E ele não pode ser tudo. Esvaziou-se.




Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Março/2013

segunda-feira, 4 de março de 2013

Crônica 74: Sobre Dores, Tatuagens e Contos de Fadas



A necessidade básica do coração humano durante uma grande crise é uma boa xícara de café quente.
Alexander King

A dor. Ah a dor. Uma sensação terrível e, ainda assim, tão procurada por vocês. De fato não entendo. Sabe, quando uma asinha da minha xícara quebra sinto arrepios. Fortes.  A dor pode ser física ou não. Dia desses uma jovenzinha, por volta de seus 16 anos falava à amiga: “Ele se foi. Dói tanto. Parece que todos meus ossos estão quebrados”. Os adolescentes. Sempre dramáticos. Mas ela não estava errada. A dor de amor é quase física. Assim como uma alma machucada. Uma razão traída. Ou a simples despedida.
Tchau. Palavra que dá medo. Que faz vocês tremerem dos pés a cabeça. Também não gosto de despedidas. A diferença é que pra mim representa apenas a possibilidade de uma história nova. De um amigo novo. Difícil entender. Outras tantas são as dores tão bem descritas pelos poetas parnasianos. Uma dor egoísta. Daquela que a pessoa se olha no espelho e chora. Até apieda-se de si mesmo.
Não contente com todas as variáveis existentes e inerentes de dor, ainda tem quem queira provocá-la. Fazendo uma tatuagem, por exemplo. Uma das minhas amigas mais queridas chegou lá em casa toda ardida. Uma gota de sangue escorria no seu liso dorso. A juventude lhe proporcionava costas invejáveis para as mulheres e desejáveis para os homens (metida essa minha amiga...). E aquela gota de sangue escorrera. Percorrera um caminho trôpego. Traçando uma estrada. Tudo por conta de um desenho. Não era grande. Nem pequena. “Estou apaixonada”, ela bradava. “Apaixonada pela minha tattoo”.
O importante, segundo ela, era exatamente sentir a dor. O ardor da queimadura na sua pele. Sem isso, que graça teria? A mãe não acreditava. Pra que isso filha? Você está procurando um motivo pra sofrer? Está querendo problema? É isso? A mãe não entendia a importância do definitivo. O Irremediável. Era isso que ela precisava. Uma paixão da qual não poderia se livrar. Jamais. E pra isso, nada mais justificável que a dor intensa.
O choro. Os soluços. Expressão tão comum da dor. Embora, euzinho, já tenha presenciado cenas de heroísmo. Onde ao invés de prantos, o homem dizia “estou bem, estou bem. Vamos para o hospital.”. E nem uma única lágrima descera naquele rosto.
Independente da expressão. Da forma como ela é sentida. A dor é tão comum ao ser humano quanto à vida. Ela fortifica dizem alguns. Ela nos faz sofrer, contestam outros. Mas também pode dar prazer. Existem casais, por exemplo, que gostam de brigas. Gostam de sentir a dor do amor. Só assim se sentem especiais. Outros precisam de dor na sua intimidade mais particular. E ainda existem aqueles que dela não abrem mão. Que a considera um aprendizado.
Seja como for, provocada ou não, ela marca. Ninguém a esquece. Nos contos de fada ela é um meio. Só através da dor é que o príncipe chega até a princesa. Na bíblia a dor pode ser redentora. E na vida? Nesse caso ela é verdade.  Seja como for a dor é um rasgo na alma que jamais poderá será cerzido.

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Março/2013