quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Crônica 39: O Açúcar


















Duas senhoras com o sotaque bem diferente, do que eu estou acostumado, sentaram-se à mesa. Pareciam vindas de algum lugar no interior de Minas Gerais. Engraçadas. Comentavam sobre o susto que tomaram ao chegar à cidade. Estavam achando tudo grandioso demais.
Já acomodadas e um pouco mais acostumadas aos zunidos dos carros. O falatório das pessoas. O ir e vir dos transeuntes. E, principalmente, a pressa de quem passava. Olharam com bastante calma o cardápio. Dedicaram seu tempo àquela atividade. Decidiram. Antes que pudessem erguer os braços, o garçom já estava ali. Pronto para registrar seu pedido.
- Por favor, gostaria de dois cafés, uma torta de limão e uma de chocolate.
O garçom anotou com esmero e em cinco minutos os doces e o café já haviam sido servidos. As duas estranharam a rapidez e chamaram o garçom.
- Essa torta não foi feita agora, não?
- Não, senhora. Ela fica pronta para ser consumida e acondicionada. – Estranhou o rapaz.
- Ah tá... Que estranho...
Resolveram experimentar. Gostaram. Seguiram, então, para provar o meu sabor. Café é café em todo lugar, comentaram. Mas não é bem assim, após o primeiro gole, o susto.
- Nossa senhora, que café forte! Está intragável!
Chamaram novamente o jovem que estava atendendo a mesa.
- Infelizmente este café está quase só pó... Forte demais! Eu gostaria dele mais fraco e doce.
- Fraco e doce? Senhora, trabalhamos apenas com café expresso aqui.
- Sim... Mas será que não poderiam trazê-lo mais fraco e doce? Não dá pra tomar café desse jeito.
Com olhos assombrados, o garçom seguiu até a cozinha e conversou com o barista. Explicou a situação. O homem ficou empertigado. Sentiu arrepios só de pensar em fazer um café fraco... E doce. Eu, pessoalmente, não entendo. Se me desejam fraco, talvez a escolha correta seja chá. E doce... Ai... Fico enjoado quando colocam muito açúcar em mim.
O barista caminhou até a mesa para entender o que acontecia. As duas explicaram que o jeito correto de se passar um bom café era misturando pó com açúcar e acrescentando bastante água. O homem não acreditou. Passar café com açúcar?
Eu fui ficando nervoso. Ser coado com açúcar já é um insulto. Sinceramente. Já estava gelado e sem a menor vontade de servi-las. Aiaiai... Por sorte meu fiel escudeiro, o barista, recusou-se a preparar o café como elas queriam, ao modo de Bocaina de Minas. Ufa!
Descontentes, as duas senhoras cancelaram o café. Esnobaram-me. Foi uma pena não ter caído no colo de ambas. Imagine você: fui trocado por um suco. Mas a vida é assim mesmo, café não é igual em todos os lugares. E a maior prova disso sou eu.


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Fevereiro/2009

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Crônica 38: O Futebol

Este foi um final de semana de clássico no futebol. “Taí” uma coisa que eu nunca vou entender: a magia desse esporte na alma masculina. Ele é capaz de unir os mais estranhos tipos. Pessoas que jamais conversariam. Jamais trocariam qualquer assunto. Mas bastou começar a falar de futebol e a conversa começa e é como se dois completos estranhos fossem amigos íntimos há anos.
A minha mesa era composta por dois casais. As mulheres mantinham uma conversa morna. Falavam do tempo. Os dois amigos, por sua vez, mantinham uma visceral discussão sobre seus times do coração. Cada um torcia por um time diferente. Conheciam-se há tempos.
O jogo começou. Os dois começaram a ficar inquietos.
- Você ouviu esse grito? Será que foi gol?
Chamaram o garçom. Um rapaz tímido. Acostumado apenas a servir. Levar-me de um lado pro outro. Perambular calado pelo senhor. “Sim, senhor. Não, senhor.”. Ele foi até a mesa. Como sempre.
- Amigo, você tá ouvindo o jogo?
O garçom corou. Suas bochechas pareciam duas maçãs bem vermelhas.
- Então, deixei o rádio na cozinha. Até a hora que sai de lá não havia tido gol de ninguém.
- Não é possível! Torce pra quem?
- Pro Corinthians...
- Ai camarada! O Zezinho tá jogando?
- Tá nada! Colocaram o outro lá! Esse técnico tá estragando tudo... Parece que não pensa!
O garçom meu calado amigo de tantos anos. Quase tão calado quanto eu. Para quem a primeira regra é não conversar com os clientes. Pareceu esquecer-se de tal norma. Empolgou-se. Falou do técnico. Dos jogadores. Da situação do time.
- Tão sofrendo, hein, véio? Bom é torcer pro São Paulo! – Interveio o outro amigo.
E o mais novo integrante daquela mesa, solta um: “é nada, tudo bambi!”. O São Paulino empertigou-se. Ali naquele momento tornaram-se grandes amigos. Os três. Era como se fossem conhecidos de longa data. O garçom esqueceu que era garçom. Os amigos esqueceram que eram clientes. Todos eram tão somente torcedores. Defensores de seus brasões.
E era um vai e vem da cozinha. “Gol de fulano com passe de cicrano”. E a cada informação nova uma nova discussão. Em determinado momento cheguei a achar que os três iriam se matar.
Que nada. Quando o jogo acabou, os dois pediram a conta.
- Ai amigão! Trás a conta pra gente!
A conta chegou. Pagaram e saíram. Com despedidas alegres. A rivalidade não havia sido levada a sério. Nem mesmo as posições ocupadas naquela situação. Garçom – Cliente. E nosso amigo, fiel escudeiro, voltou a circular calado pelo salão. Seguindo sua primeira e fundamental regra: Jamais conversar ou se tornar intimo do cliente.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Fevereiro/2009

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Crônica 37: A CHUVA

Todos os dias de manhã, quando um funcionário aqui da casa liga o rádio, eu ouço: “e hoje, mais um dia de chuva na cidade”. E todos os dias eu penso: “De novo? Não, eles devem ter se enganado”. E o pior é que eles, os meteorologistas, não andam se enganando muito, não. De fato tem chovido todos os dias. E não é coisa pouca. É chuva pra dar e vender.
Nos fins de tarde chuvosos coisas interessantes acontecem. Além, é claro, das tragédias mil. Mas deixemos essas para os telejornais. Imaginem a cena: vem caminhando pela calçada uma senhora de aproximadamente cinqüenta anos. Trazia nos pés um belo salto alto. Altíssimo. Finíssimo. Trajava um conjunto elegante de saia e casaco. E nas mãos uma linda bolsa. Dessas que se carrega pela alça. Não nos ombros. Na outra mão uma pasta.
Ela andava firme em seu salto. Elegantemente. Porém, com um ar de superioridade. Trazia em seu nariz um “Q” de arrogância e em seus modos qualquer coisa de uma excessiva soberba. Entrava e saia das lojas que me circundam como se nenhuma apresentasse produtos à sua altura. À altura de sua exigência.
Eu estava acomodado junto a um senhor que lia tranquilamente seu jornal. Estávamos ali, apreciando a companhia um do outro. De repente, o tempo começou a fechar. Três horas da tarde e a cidade ficou escura como se a noite se apresentasse. Trovões e raios pipocavam no céu. Em menos de dez minutos a chuva começou a cair. Uma verdadeira tempestade.
A senhora que caminhava na calçada da frente, assustou-se. Colocou a pasta sob seu braço. E com a mão livre buscou em sua bolsa uma proteção. Achou um lindo guarda-chuva estampado em zebrinha. Nessa altura seu cabelo já estava molhado. Assim, como a linda bolsa e sua preciosa roupa. Abriu rapidamente sua zebra protetora. Mas logo que terminou de abrir o guarda-chuva, com a mesma suntuosidade que se abre um champagne, este foi pego por um vento e virou do avesso.
A maquiada senhora ficou tão nervosa que não viu um buraco logo de baixo de seus pés. Caiu de quatro. Apoiando-se com as mãos para não machucar o rosto. Xingou Deus e todo mundo. A pasta que estava sob seu braço espatifou-se na poça. Foi papel pra todo lado. Um dos meus garçons correu para ajudá-la. Levou um enorme guarda-chuva. Pegou a senhora pelo braço e levantou-a.
O que se esperaria de alguém na situação em que ela se encontrava? Um “muito obrigada”, talvez. Decididamente não foi essa a postura assumida por nossa elegante (?) senhora.
- Tire as mãos de mim! Não está vendo que estou aqui há horas? Tive que cair para alguém fazer alguma coisa?
O rapaz ficou atônito. Não sabia o que fazer. Não imaginou uma reação tão dura quanto esta. Rapidamente, pensou em algumas possibilidades: “Devo deixá-la debaixo de chuva? – Não – Devo puxá-la? – Não”. Por fim, resolveu que a própria mulher deveria decidir.
- A senhora quer mesmo que eu vá embora? Tudo bem. Mas se quiser pode me acompanhar até o café em que eu trabalho e se arrumar, tomar algo quente. Então?
- Bom... Já que você está aqui vou até este “café”... Fazer o que!
Ele então, mais uma vez de forma gentil, segurou a senhora – com os joelhos ralados pela queda – atravessou com ela a rua, já inundada e colocou-a sentada confortavelmente. Fui servido com tranqüilidade. E como oferta da casa. Não fui tocado. Com um leve toque ela me empurrou. Chamou garçom...
- Rapazinho, eu prefiro chocolate quente! – e resmungou – Ai a gente tem que explicar tudo!





Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Fevereiro/2009

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Crônica 36: O Problema

Início de ano e muita coisa acontecendo aqui em casa. Movimento intenso. Algumas mesas agitadas. Outras nem tanto. Pessoas introspectivas. Crianças. Cachorros. Todos procuram por mim... Tá certo que alguns preferem suco ou refrigerante, mas esses, infelizmente, não entram nas minhas histórias... É uma pena...
Estou à mesa, acompanhado por um senhor. Trajava terno preto. Gravata preta. Camisa branca. Estava vestido formalmente. Notei que ele não vinha do trabalho ou de alguma reunião, pois se encontrava impecável. Sem uma nervura na roupa. Ele abriu o jornal. Em seguida fechou. Colocou o jornal na cadeira.
O nervoso era nítido. Olhou para mim e pareceu ter preguiça de beber aquele líquido quente. Desistiu. Fiquei ali apenas esperando ser consumido. Isso não aconteceu. Achei estranho, mas tudo bem. Reparei em suas mãos. Estavam trêmulas e úmidas.
Imaginei que algo de grave havia acontecido. A garçonete se aproximou.
- O senhor deseja mais alguma coisa?
- Não, obrigado. Estou esperando alguém. – respondeu delicadamente.
O senhor tinha um ar derrotista. Olhava em volta. Arrumava a gravata. Eu, tão concentrado que estava em seus trejeitos não vi quando outro homem se aproximou e parou em frente a nós.
Quem chegou era jovem. Devia ter uns trinta anos. Aparentava calma. Embora um tanto quanto apressado.
- Olá seu Ronaldo, como está? - falou o recém-chegado.
- Estou bem – Disse reticente. Tentando disfarçar o estado de ansiedade em se encontrava.
- Desculpe-me o atraso... O trânsito dessa cidade ainda vai me deixar louco... Porém, devido à minha demora temos pouco tempo... Vamos ser breves!
- Está bem...
- É o seguinte... Eu sei que o senhor já passou por diversos testes no processo seletivo da nossa empresa. E, deixe-me adiantar, o senhor se saiu maravilhosamente bem! Acima de todas as expectativas! Mas temos um problema...
Quando nosso amigo – candidato à vaga – ouviu a palavra “problema”, arrepiou-se dos pés à cabeça. Deu um gole em mim ainda puro e, a essa altura, gelado. Olhou fixamente para o rapaz e disse:
- E qual o “problema”? – sua testa suava em demasia. Ele não estava mais conseguindo se controlar.
- Então, o “problema” é o seu excesso de experiência...
- Mas a vaga pedia pessoas com idade superior a cinqüenta anos!
- Eu sei disso, mas a nossa empresa mudou o perfil da vaga no decorrer das etapas seletivas. Decidimos que alguém mais jovem, com maior vontade de aprender e ousar traria dinamismo para nós.
- Entendo... – o homem parecia perder a força...
- Fiz questão de vir explicar-lhe o ocorrido para que não fique uma má impressão!
- É... Não ficou uma má impressão... Mas...
O celular tocou. O jovem atendeu e desligou rapidamente.
- Preciso ir. O seu currículo será armazenado em nosso Banco de Oportunidades. Assim que surgir outra vaga com o seu perfil entraremos em contato! Sentimos-nos honrados por seu empenho em fazer parte da nossa equipe!
E com o mesmo ar sorridente e apressado que entrou, saiu. Já quem ficou não sorria. Chamou a garçonete. Pediu outro café. De cabeça baixa - testa e roupa umedecidas pelo suor - deu um belo gole em mim. Dessa vez conseguiu apreciar-me quentinho. Mas não por estar tranqüilo. E sim por sentir-se apático. Fraco demais para pensar. E, nessas horas, um bom café pode ser tudo!




Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Fevereiro/2009