terça-feira, 29 de maio de 2012

Crônica 67: O Frankstein

E então ela resolveu quebrar seus próprios paradigmas. Criados e alimentados tão cuidadosamente...

Ela havia decidido libertar-se das amarras. De repente, numa fração de segundos, durante um gole de café e outro de cerveja, tudo fez sentido em sua vida. E me confidenciou algo lindo. Que nem ela sabia ser capaz de entender. E assim, com um amigo simples como eu – sua “xicrinha” de café – ela entendeu. Tudo na sua vida mudara. Naquele instante.

Olhava pra frente. Em tom de reflexão. E percebeu-se feliz. Tão feliz como jamais achou que pudesse ser. Sem ninguém ao seu lado. Era ela. E isso a fez feliz. Consegui. Bradou quieta. Segurando-me fortemente. Me apertando entre seus dedos de unhas mal feitas.

Sem mais senta-se alguém. Uma amiga, talvez. Uma irmão. Não sei bem. Percebi que nossa personagem vinha atormentada há alguns anos. Inconformada. E não era nenhuma questão prática que a afligia. “Sou eu. Eu que não me dou chance”, dizia para a outra. “Eu me moldei. Eu tentei ser perfeita. E quanto mais tentei... Mais errei”, dizia. Ela era exigência pura. Ela tinha que ter tudo que dizem ser certo. Adequado.

Suas pernas não paravam enquanto dizia essas palavras. Em instantes senti suas mãos frias ao tocar minha xícara. Mas seus olhos... Ah esses eram firmes. Determinados. Conscientes. Ela sentia como se a sua história tivesse escorrido por suas mãos. “Cansei de me justificar, Rita. Simples assim. Quanto mais me justifico, mais culpada me sinto por ser quem sou”. Ela queria dançar, brincar, brindar.

“Percebi que eu não sou”. Pediu mais um café. Vim feliz. Queria saber as conclusões a que chegara. A curiosidade é o meu mal (rsrs). O problema da humanidade e não só da minha querida amiga em questão é exatamente esse: tentar agradar demais. Deixando-se de ser. Tentando ser. Nossa companheira passou a não saber lidar com aquele Frankstein que ela mesma criara.

A outra que permaneceu calada a conversa inteira. Levantou-se e sumiu no horizonte metropolitano. Nós ficamos ali em silêncio. E foi então. E só então. Que percebeu como conseguia dizer, para quem quisesse ouvir. Eu me banco. Dou risada fora de hora. Falo demais. Conto piada sem graça. Passo um final de semana inteiro na cama. Viro na balada. Choro sozinha. Fico com raiva à toa. Erro. Acerto. Muito prazer essa sou eu.

Deu-se conta do mais importante: sua impossibilidade de ser perfeita. E se sentiu segura. Com esta, sim, ela sabe lidar. Sentiu uma paz imensa. Segurou-me com mais leveza. Mãos aquecidas. Pernas tranquilas. E, agora, sem nenhum sacrifício, finalmente sentiu-se uma mulher inteira. Ela era só isso e só isso queria ser!

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Maio/2012