segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Crônica 64: As Mãos

Para aquele que se preocupa em observar o outro, as palavras muitas vezes são desnecessárias

Como sempre ela chegou. Antes de sentar fez um aceno ao garçom. Era um simples balançar de dedos. Meigo. Gentil.  Foi atendida prontamente. Impressiono-me, cada dia que passa, nessa minha intensa convivência com a espécie humana. Tão sui generes e tão encantadora. É capaz, por exemplo, de se comunicar das mais variadas formas. Pode ser por um simples olhar. Pela postura corporal. Um menear de cabeça. E até pelo silêncio.
No caso em questão, a comunicação se deu através das mãos. Sim. Quando cheguei à mesa, o ambiente estava agradável. As mãos quietas. Calmas. Delicadas. Tocavam a asa da minha xícara levemente. Usavam a colher para misturar-me. Típico de quem tem o pensamento distante.
Logo o celular tocou. Odeio isso. Não consigo acompanhar a conversa por completo. São apenas fragmentos. Mas deu para notar que o papo não estava bom. E percebi isso novamente por causa das falantes mãos. Em um instante estavam agitadas. Moviam-se freneticamente. Causando um verdadeiro tsunami em mim. Quase fui ao chão diversas vezes. Desagradável...
Mantive-me firme. Sem mãos. Apenas com a asa da minha xícara. Impassível. Tentando me equilibrar. Finalmente a conversa acabou. As mãos, então, calaram-se. Por um breve momento achei eu nem estavam ali. Sossegadas. Apenas arrumando os cabelos ruivos. Vez por outra. Aplicando batom à boca. Mexendo na bolsa.
Novamente o celular. Tremi. Pude sentir as ondas de pavor se dissiparem por todo meu líquido. Mas, agora, a conversa era menos intensa. Ufa! Talvez falasse com algum familiar. Parecia aflita para desligar. Seus dedos rechonchudos com unhas vermelhas, então, resolveram tamborilar por sobre a mesa.  Um som altíssimo para mim. Logo, as tais mãos começaram a arrumar tudo em cima da mesa. Endireitou as toalhinhas. O açucareiro. O adoçante. A xícara. Tudo ficou em perfeita ordem. Desligou.
Pouco tempo depois soa e vibra o tal aparelho novamente. Agora devia ser uma amiga. E minha companheira de mesa tinha novidades interessantíssimas para contar. Assim, os braços entram na história. Eram mãos e braços para todo lado. Movimentos expansivos. Amplos. Relaxados. Eu estava novamente em perigo.
Acabada mais essa conversa, um momento de silêncio e contemplação. Quando o celular finalmente parou de tocar. Ela resolveu ir embora. Como eu sei? Sem uma única palavra. Ela bateu levemente com as duas mãos sobre o tampo da mesa. Tocando apenas as pontas dos dedos.
Virou-se novamente. Procurando o garçom. E novamente fez aquele mesmo aceno do início. Balançando os dedos. Pagou sua conta. E, por fim, abanou a mão para um conhecido. Fazendo o já instituído gesto de adeus. Balançando a mão para um lado e para o outro...


Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Dezembro/2011

sábado, 10 de dezembro de 2011

Crônica 63: A “Baixo Augusta”

"O novo pode nos assustar. Mas jamais nos paralisar. Afinal, atrás de um rosto diferente do nosso, de uma rua que não conhecemos, de um mundo que não nos pertence, podemos encontrar lindas e deliciosas surpresas" (Cafezinho)

Nem me pergunte como eu fui parar lá... Fato é que, de repente, me vi em meio a uma gente bem diferente e misógina... Em plena Rua Augusta... Ou, como ouvi falar por lá, na famosa “Baixo Augusta”. Mas que bobagem a minha. É claro que você quer saber como um simples cafezinho como eu, foi parar tão longe da sua casa. Afinal, eu penso, converso, ouço... Mas ainda não ando... Tudo bem. Vou te contar a minha recente experiência.
Era um dia daqueles que ao olharmos o primeiro raio de sol, sabemos que será tedioso. Sim. Também tenho dias tediosos. Quando ninguém aparece por aqui. Conversas sem mágica para acompanhar. Dias em que já acordamos com sono. Ou com dor de cabeça. Um mau humor que reina absoluto e faz a vida parecer fora de ritmo. Problemas mil, como a máquina de café emperrada... Basicamente como os dias chatos qualquer um.
Mas, a despeito do meu humor nada favorável que me fazia observar apenas o dia nublado escondido por de trás do céu azul, algo realmente interessante aconteceu. Parou no meu balcão certo alguém diferente das pessoas que eu estou acostumado a papear. Um Jovem. 20 e tantos anos. Vestia-se de preto. Acessórios de tachas. Maquiagem preta nos olhos e, no meio do caminho, pude perceber que suas unhas estavam pintadas de preto também.
Pensei: lá vou eu... No momento em que vi o insuportável copo de isopor sendo preparado com suas igualmente insuportáveis companheiras: tampinha de isopor e colherinha de plástico. Imediatamente percebi que eu seria levado para viagem. Que droga. E com aquele cara. Sei lá. Assumo que pré-julguei. E não me orgulho disso. Mas existe um pouco de humanidade em mim.
Fazer o quê, né? Fomos. Entramos no metrô. Esse transporte eu já conheço. Descemos numa linda avenida da minha cidade – via que andou fazendo aniversário esta semana – logo que saímos da estação tive um impacto. Sai do meu mundinho. Que lugar interessante. Movimentado. Cheio de gente de toda sorte. Um lugar para pessoas rápidas. Desta vez não tive incidentes no metrô. Já na avenida... Foi um tal de tromba daqui, tromba dali. Mas resisti.
Descemos por outra rua e paramos em um bar localizado na esquina de duas ruas. É claro que este ambiente não possuía nada do glamour lá de casa. Achei até um pouco desconfortável. Que passeio, hein? Agora esperar ser consumido. Mas não foi bem isso que aconteceu. Como meu mais novo amigo era calado, passei a observar as pessoas que por ali transitavam e pesquei alguns “drops”... Trechinhos de conversas que significam...
Passavam dois rapazes e uma moça. Vestidos informalmente. Gosto questionável. A moça falou: “menino, sabia que ele ficou milionário depois daquela história...?”, “Jura? Milionário morando no Grajaú?”.
Ao mesmo tempo, passam por nós dois seres... Como posso dizer... Hum... Nada convencionais. Altos demais. Magros demais. Brancos demais. Os dois usavam sobretudos pretos e amassados. Soturnos demais. Adivinha o que os dois cantavam. Rock? Música gótica? Jazz? Não. Eles cantavam – alto demais, diga-se de passagem – o novo sucesso do sertanejo universitário, “Nossa, nossa, assim você me mata. Ai se eu te pego, ai ai se eu te pego”... Hehehehe
E, por fim, a melhor da noite. Mãe e filha. Chiquérrimas. A mãe olhava para a moça ao seu lado e dizia: “Mas o que é, hein? Agora vc tem a ‘Síndrome de Gabriela’? Eu nasci assim eu cresci assim e sou mesmo sim... Acorda menina!”
Sem falar no grupo de fotógrafos, iluminadores e modelos, que usava o ambiente para produzir um ensaio fotográfico underground. Ali mesmo. No meio de todo mundo. Naquela bagunça organizada... Quase fui fotografado (Risos).
E, assim, fecho meu dia na Famosa “Baixa Augusta”. Um lugar especial. Com pessoas estranhas e diferentemente interessantes. Com assuntos bacanas, assustadores, exagerados... Uma parte viva da cidade. Onde é possível entender um pouco mais de uma metrópole tão eclética como a nossa. E viva a diversidade!


Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Dezembro/2011