terça-feira, 20 de agosto de 2013

Crônica 84 - A Velha e Suas Sacolas


Essa vida de Cafezinho é mesmo muito maluca. Já encontrei de tudo um pouco aqui nessas mesas. Já falei sobre pais e seus filhos. Casais em seus momentos românticos. Brigas das mais variadas. Encontros e desencontros. Crianças. Até sobre cachorros eu já conversei com vocês.
Mas tem uma amiga minha sobre a qual ainda não comentei. Sei pouco sobre ela. A única informação que tenho é que ela mora perto de mim, em um espaço minúsculo. Ela mora em um vão entre duas paredes. Fica ali quieta. Não incomoda ninguém.

Está sempre maltrapilha e carrega consigo várias sacolas. Apesar de viver em situação de rua, mantém certa dignidade. Suas roupas são limpas. E seus hábitos bastante refinados. Uma vez por semana, pelo menos, ela vem até minha casa. Senta. Espera ser atendida. E pede seu Cafezinho.

É uma daquelas companhias silenciosas. Em seus olhos vagos há um brilho que insiste em ser apagado pela vida. Mas ela não deixa. Suas mãos não são como as mãos com as quais estou acostumado. Não são mãos macias, com unhas pintadas. São mãos vividas. Digo isso não só pela idade dela, já um tanto avançada. Mas, sim, pelos calos. Pela aspereza. E contraditoriamente pela delicadeza. Pela suavidade.

É uma mulher gentil. Delicada. Atendê-la me proporciona prazer. Ela sorve cada gole como se fôssemos somente nós dois no mundo. Como se meu líquido fosse, literalmente, o "ouro negro". Negro como ela. Assume uma postura ereta. Pernas cruzadas. É "o" momento da semana dela. Faz-me sentir importante. Feliz.

Mantém sempre o olhar distante. Como se buscasse na multidão algum tipo de reconhecimento. Ela não precisa se auto afirmar. No entanto, acredito que goste de ser reconhecida como a dama que é. Por isso faz questão de se sentar comigo. Em minha casa.

Muito diferente de outras pessoas em situação de rua que passam aqui, pedem um Cafezinho e saem andando. Ela quer ser atendida. Valoriza nossa intimidade. Na hora de ir embora faz um aceno extremamente respeitoso ao garçom (coisa que nem todo mundo sabe fazer... diga-se de passagem). Pede sua conta. Paga. Levanta-se e segue seu rumo. Volta para o seu buraco. Ela e suas sacolas.

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Agosto/2013