quarta-feira, 15 de abril de 2009

Crônica 46: O Não.

Observo. Vejo. Olho. E a cada dia percebo que meus grandes amigos, os seres humanos, sentem mais falta do que não têm, não foi conquistado, do que daquilo que já se tem e foi embora. Ouço as mais diversas conversas onde o assunto é exatamente o não ter.
Muitas vezes as pessoas sentam junto à mesa e começam a tecer uma rede complicada onde estão sempre presentes os assuntos que não aconteceram. Fulano que não disse pra cicrano algo. Mas o que ele disse não é levado em conta. Algo que se quer conquistar e ainda não está em suas mãos. Porém, o que já é de posse não é considerado.
Ouvi de um rapaz o seguinte, dia desses: “é impressionante como nunca estamos satisfeitos com nada. Se alguém me perguntasse, há quatro anos, se eu queria ter estabilidade no trabalho e um bom salário eu diria que sim, enfaticamente. Hoje eu tenho isso e estou insatisfeito”.
Ele fez esse comentário despretensiosamente, no entanto, ao olhar para as mesas ao lado e ouvir atentamente as conversas estabelecidas, percebi como essa insatisfação é real. É vivida. Mais até que a saciedade do que se tem. Diversas vezes sentam-se aqui homens, mulheres, dizendo, “ele não disse que me ama hoje.”. E o que foi dito ontem? Não existe?
Ou então, eu p-r-e-c-i-s-o de um celular novo. Mas e o aparelho que está nas suas mãos? Invariavelmente quem diz isso tem algo novo em suas mãos. Pior que tudo isso. Quando duas pessoas tecem complicadas teias de críticas a outrem, normalmente são baseadas em algo não dito.
Duas meninas conversavam e “malhavam” uma terceira. Provavelmente do mesmo escritório. “Ela não fala, você reparou? Fica lá calada. No canto dela. E quando abre a boca é apenas para tentar ser gentil. Muito falsa. Ouve tudo e não fala nada”. A pessoa em questão não poderia apenas ser uma boa ouvinte?
Entende-se muitas vezes o não agir como falsidade. Desconsideração. Quando muitas vezes, se parassem e observassem veriam que as pessoas muitas vezes fazem coisas e essas não são notadas. Tudo isso pelo alto grau de expectativa criado.
Essa insatisfação pode ter origem em você mesmo e não com o outro. Não no seu atual celular. Homens, mulheres, crianças, aproveitem o que tem enquanto ainda o tem. E quando coisas novas aparecerem aproveitem igualmente. Mantendo sempre em mente o que já se foi. O que há. E não o que ainda virá. Um dia. Quem sabe.



Mariana Primi Haas - MTB 47229
Abril/2009

9 comentários:

Lobotomia disse...

Café estamos transferindo nossas inquietudes e desejos para coisas. O material é a nossa referência na busca da realização. Personalizo minha felicidade numa lata grande (carro).Tenho surtos de bem-estar quando compro. Isso como diz Bauman é "vida para consumo". Viramos apenas compradores...

Regina disse...

O que reflete nosso velho amigo anglo saxão Sheakespeare "Ser ou não Ser eis a questão", para muitos se traduz em Ter... ou não Ter...
E não é só questão filosófica é questão de como enfrentamos nossos dilemas cotidianos.

Tally M. disse...

belíssimo texto. amei!

Anônimo disse...

Sabe Mariana, esta sua reflexão é oportuna, nos remete ao AGRADECER.
Sem dúvida nossa sociedade de consumo, nos faz querer sempre mais e mais como "um saco sem fundo". Carecemos de "significado" para as coisas.
Veja no exemplo "ele não disse que me ama hoje"... Talvez ele tenha dito ontem que "ama" mas de forma vazia, desprovida de significado. Então, não foi o bastante. Foi um dizer que ama, sem SENTIMENTO.
Por outro lado, será que ela disse a ele que o ama? ou será que só ele é quem tem que dizer...???
Quero lembrar da reciprocidade.
A Regina tem razão SER x TER.

Arthur disse...

Mariana, sua reflexão veio a calhar. Desde o início do ano vemos uma avalanche de apelos ao consumo: começa no ano anterior com o natal; passa pelo carnaval (fantasias, abadás); páscoa prossegue nos atropelando com ovos e mais ovos pendurados nas gândolas dos supermercados; e já no dia seguinte os anúncios de mimos para as mamães e... e... não para até o próximo natal.
Socorro! Precisamos de tempo para ser e sentir o outro sendo.

Arthur disse...

Desculpem, quis dizer GÔNDOLAS na mensagem anterior.

Anônimo disse...

Enrique Pichon-Rivière em seu livro Psicologia da vida Cotidiana, no capítulo "O consumidor" diz que a atitude aquisitiva é decorrente do impulso para a posse. O adquirido incorpora-se ao nosso eu, integra-o para compensar os sentimentos de vazio e de despersonalizaçao que nos afligem. O objeto que compramos cumpre uma função psicológica, por trás do véu de sua utilidade prática, movem-se antigos medos e ansiedades que se deixam aplacar por esta maneira de rendermos homenagem a nós mesmos.
No sêlo da posse, o EU entende:- a sua família, o seu corpo, o seu carro, a sua roupa, o seu trabalho, a sua inteligência.
E preenche as necessidades básicas de segurança, prestígio, status e poder, e incrementa a auto-estima.
Comprar significa estabelecer um vínculo com um objeto, uma relação recíproca na qual se funda o sentimento da propriedade.
O consumo tem sentido de uma adaptação, uma forma de socialização. Trata-sse de escapar de uma solidão, por meio da adesão ao grupo. Por intermédio dos objetos, adquire-se um rossto, um lugar no mundo.

Fernando Rubano disse...

Mariana.Mais uma vez parabéns.O café esta bombando.Quando falamos em consumismo poderiamos falar de materialismo,as pessoas tem sua auto-afirmação nas compras compulsivas.É pena que os humanos estão esquecendo seu valores interiores.Tem pessoas que não precisam ter para ser:Elas por si só já Tem muito par dar.Beijos Mil.F.Rubano

Lobotomia disse...

Oi Café!

Voltei para te avisar que o www.lobotomiaecomunicacao.blogspot.com está de visual novo. Espero que você e seus seguidores gostem.

Parabéns pela proposta de seu blog e um abraço!