quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Crônica 24: O BEIJO

Uma tarde agradável. Uma mesa ao ar livre. Calor. Duas amigas. Um café. Existe tarde melhor? Imagino que não. Afinal, minha companhia é bem vinda e requisitada faça sol ou faça chuva. As duas conversavam alegremente. Animadíssimas.

Os temas eram futilidades. Banalidades. Falavam da vida alheia. Duas mulheres, imagine. Novela, artistas, sapatos, bolsas. Enfim, estavam tirando uma deliciosa folga no meio de uma quarta-feira.

Nessa mesa eu estava acompanhado de tortas doces. Sabe, comer doces junto com o café realça, ainda mais, o meu amargor. Se comê-los depois o açúcar ficará inibido e o sabor da guloseima prejudicado.

Voltando à mesa em questão. Uma das mulheres era grandona. Cabelos curtos. Unhas sem fazer. Usava camisa branca. Calça jeans. E uma bota. Básica. A outra estava toda de preto. Calça. Blusa. E uma sandália.

As duas tinham bolsas grandes. As agendas sobre o tampo da mesa disputando espaço comigo. Não gosto de nada que invada meu espaço. Meu perímetro. Existem cadeiras extras, pra que? Mas... O cliente tem sempre razão.

Depois de uma hora de bate-papo, levantaram-se e seguiram juntas até o carro.

- Tchau amor da minha vida! – disse a mais básica.

A outra voltou. Deu-lhe um agradável abraço. Em seguida um beijo. Beijo de cinema.

Logo se ouviu um burburinho. As pessoas foram tomadas por um choque.

- Oh!

- Pra que isso?

- Que pouca vergonha!

Esses foram alguns dos comentários das pessoas que estavam sentadas no café. Se pararmos pra pensar – talvez com alguma ironia – beijar não faz sentido nenhum. Mas é bom. Por que elas não poderiam? Expuseram-se? Sim. Opção delas. Um casal hetero se beija mais e mais vezes e isso não é considerado uma exposição.

De qualquer forma a questão é: até aquele momento ninguém havia se incomodado com as duas. Elas não haviam representado nenhum grande perigo para a humanidade. Porém, depois de um ato impensado destes, tornaram-se verdadeiros diabos.

Não passariam mais incógnitas. Se a idéia era provocar, conseguiram. Se o propósito era agir com naturalidade, não foram tão bem sucedidas assim. Fato é que este ainda é um assunto que levará muitos cafés para ser debatido.

Achei a frase de uma jovem senhora sentada próxima à janela, emblemática. Assim, termino minha crônica de hoje com ela... Será que você também pensa assim?

- Eu não tenho preconceito. Cada um faz o que quer. Mas o que se ganha com tamanha exposição?



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Outubro/2008

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Crônica 23: O IDIOMA

A mesa era animada. Três pessoas papeando. Gesticulando. Duas mulheres. Um homem. Um deles falava mais que os outros. Curiosamente não eram as mulheres. Cheguei quietinho e me acomodei. Espera aí. Para tudo eu não entendia nada que era dito.

Açúcar. Mais açúcar. Colherinha mexendo. Primeiro gole. Mexe mais. Segundo gole.

- What is this? – Dizia o homem.
- Sugar – as duas moças respondiam.
- Ok, ok. Very good!!

E então começavam a conversar freneticamente sobre aquele assunto. As mulheres gaguejavam um pouco. Mas conseguiam completar a frase.

“O que é isso?” pensei. Algum tipo de seita? Uma comunidade secreta? De repente uma palavra que eu conhecia. Português. Ufa! Mas era apenas uma correção relacionada àquela estranha língua. Foi aí que entendi.

Não se tratava de seita nenhuma. Era apenas um professor de inglês e suas duas alunas. Por isso só falavam inglês. Ele trazia seus alunos para os cafés, para as ruas, a fim de que aprendessem o idioma na prática. Para que se sentissem estimuladas a conversar. E conversavam sobre os mais variados assuntos.

Achei aquilo bárbaro. Uma forma inteligente de ensinar outro idioma. Por que será que poucos professores se valem desse método? Além de ser divertido aprendem-se palavras que não estão nos livros.

Outubro. Mês dos santos. Das crianças. Dos professores. É um mês de respeito. Existem professores bravos. Bonzinhos. Calados. Amigos. Inteligentes. Pedantes. São seres humanos. Cheios de defeitos. Mas também existem professores ousados. Cheios de idéias. Criatividade.

Os três conversaram muito. Mesmo. Comeram. Tomaram café. Eu fiquei tonto. Fui e votei tantas vezes... Nossa.... Sem entender uma só palavra.... Perdido. Preciso urgentemente aprender novos idiomas... Risos.

Percebi que falaram muito de mim. Virei o “Cófi”. Tentei me envolver. Entender. Aprender. Mas não podia perguntar. Dureza essa vida. Ninguém aprendeu minha linguagem ainda. Mas foi uma experiência e tanto.

Levantaram-se. Empurraram as cadeiras. Seguiram até o caixa. Passos leves. Formalidade no ar. Cada um pagou o seu. Ninguém pagou o “Cófi” do professor. Saíram. Foram-se. Falando. Falando. Falando.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Outubro/2008

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

CRÔNICA 22: O PRESENTE

Domingo. Dia das crianças. Parece que o dia abriu depois de um longo período de chuvas e dias cinzentos. Junto com o dia abriram-se também diversos sorrisos de crianças contentes em ganhar seus presentes. A minha cafeteria se encheu. Crianças. Papéis de presente. Pais. Irmãos.

Em uma das minhas melhores mesas se sentou uma grande família. E eram primos e primas de aproximadamente 7 anos. Uma farra. Vinham de um almoço e resolveram me visitar. As crianças optaram por refrigerantes e doces. As mulheres decidiram-se por chá. Os homens ficaram no suco.

Apenas um quis minha deliciosa presença. Talvez tenha me sentido deixado um pouco de lado, mas importante é que estava lá. Confesso que não tenho muita paciência com crianças. Quase fui ao chão duas vezes. Fui sufocado com papéis de presente. Meu degustador mal conseguiu me saborear com a atenção que mereço. Mas o dia era delas.

Em compensação nada paga ver uma criança sorrir. Ver a alegria brilhar quando ela ganha aquilo que quer. Pode ser algo aparentemente sem importância nenhuma. Mas para ela é um tesouro. Que delícia.

Tudo lindo. Mas eu já estava louco para voltar para o balcão, quando o meu apreciador resolveu ir embora. Ufa! Chamou a garçonete.

- Por favor, senhorita!

Nada. Ele esperou uns dez minutos. A casa estava cheia. Havia poucos atendentes. Quando finalmente ela chegou. Anotou algumas coisas em seu computadorzinho de mão e entregou um cartão para o homem.

- Sua comanda senhor!

Era preciso pagar diretamente no caixa.

- O que? Além de esperar por você, ainda terei que pegar aquela fila? Em pleno domingo?

- Nós funcionamos assim, senhor, desculpe...

A mulher segurou o braço do homem. Delicadamente. Para que ele se acalmasse. Mas seu rosto foi ficando vermelho. Sua voz num tom nada agradável. Pedante. Empurrou a cadeira com força. Dirigiu-se ao caixa.

Permaneceu na fila por dois minutos. Voltou. Pisava firme. As mãos na cabeça.

- Vamos embora!

Ele não pagou a conta. A fila era grande. A mulher lembrou-lhe da necessidade de quitar o que haviam consumido.

- O que? Fui mal atendido e ainda tenho que ficar na fila para pagar a conta? Tenho mais o que fazer! Vamos embora. – Recolheu os presentes. As crianças e todos seus parentes o seguiram calados. Ninguém voltou para acertar a conta.

Fiquei paralisado. Vendo a garçonete entrar em pânico. O gerente ir atrás do homem. As outras mesas comentando. E, principalmente, pensando. Será que este foi um bom presente para seus filhos e sobrinhos?

Provavelmente se tornarão pessoas que desconsiderarão o trabalho dos outros. Egoístas. Definitivamente, este não é um bom presente para se deixar. Os brinquedos vão quebrar. Acabar. Mas o legado deixado pelos pais se perpetuará e se reproduzirá. Que péssimo presente...



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Outubro/2008

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Crônica 21: A ELEIÇÃO

Terei que ser um pouco repetitivo. Novamente nosso tema será a eleição. Inevitável. Perto de onde moro, ou seja, da minha cafeteria, há uma escola que funciona como zona eleitoral. Seria impossível não falar nesse assunto.

Após a votação. Com o dever cumprido. Muita gente se senta por aqui para conversar. Encontrar amigos. Fazer hora. Acompanhar o resultado das urnas pelo Laptop. Enfim, muitos passam por aqui. E eu, que não sou bobo. Acompanho as conversas.

São vários os perfis. Há o desinteressado. Ele votou por obrigação. Acha aquilo tudo uma bobagem. Normalmente solta frases do tipo: Votar é uma chatice. A política não interfere na minha vida!”. Será? Essa pessoa provavelmente nunca se deu conta do que seria viver em sociedade. Dividir um espaço público. Nunca pensou nos impostos que paga.

Há também o idealista. Este é bastante interessante. Embora muitas vezes não perceba que o ideal pode ser impraticável. Mas tem um partido ao qual é fiel. Sabe bem o que quer da política. A importância desta para a sociedade. É um apaixonado.

Bastante comum também é o estilo consciente. Acompanha os jornais. Sabe que se passa no mundo. Tem uma opinião formada. Não se deixa influenciar. De forma geral escolhe seu candidato avaliando propostas. Partido para ele é o que menos importa. Leva em consideração a figura do político.

Poderia citar aqui uma infinidade de perfis. Só observando meus apreciadores. Mas o que mais me entristece são aqueles que perderam a fé. Muitas vezes anulam seu voto. Deixam de escolher. Perdem a oportunidade de expor sua opinião. Eu entendo. Pelo que leio nos jornais alheios, a vida política brasileira está uma pouca vergonha.

É um escândalo novo por dia. Aliás, quero deixar claro que não é culpa do cafezinho esse monte de roubalheira. Digo isso, porque sempre ouço: “na hora do café tudo se resolve”. Voltando. Fico decepcionado quando vejo jovens desestimulados a votar.

Pode ser mais do mesmo. Pode sim. Mas é a sua hora para tentar mudar o que não gosta. A urna é onde estarão depositadas suas expectativas. Seus valores. Seu estilo de vida. Acho lamentável alguém simplesmente abrir mão dessa chance. Não vote contra alguém. Vote a favor de uma cidade melhor. Para todos que a habitam. Este café fica longe das urnas. Mas bem perto dos eleitores.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Outubro/2008

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

CRÔNICA 20: A FILA

Época de eleições. Que bagunça. Debate na televisão. Milhões de matérias nos jornais, telejornais, revistas ou, como diria uma de minhas degustadoras, milhões de variações sobre o mesmo tema. Vira e mexe vejo, ao meu lado, na mesa, santinhos, folhetos, enfim, publicidade. Montes de sorrisos. Falsos. Com certeza. Promessas. Quem sabe se reais, ilusórias ou idealistas?
Fato é que dia desses... Senta que lá vem a história...
Semana passada mais precisamente. Estava eu. Atrás do balcão. Como de costume. Ainda em grão. Esperando ser preparado. Nesse momento sempre fico um pouco ansioso. Bate aquela insegurança. Serei expresso? Com leite? Chantilly? Apreciarão meu sabor? Será uma mesa agradável?
Questões mil. Estou, eu, neste momento de total introspecção, quando uma menina muito simpática se aproxima do balcão. Era um dia de movimento. Casa cheia. Havia uma fila enorme. Alguns querendo refrigerante. Outros atrás de doces. E havia ainda aqueles que preferiam os salgados. E, é claro, os apaixonados por mim.
Todos foram sendo atendidos. Um a um. De repente, notei certo movimento na rua. Uma barulheira. Era um grupo entoando um tipo de canto de guerra. Não entendi nada. De onde estava não conseguia enxergar a rua.
Chegou a vez de a menina ser atendida. Foi só ela tentar abrir a boca... Entrou um rapaz. Feito uma bala. Aproximadamente vinte anos. Nervoso. Tenso. Parecia não ter visto a fila. Passou por todos. Muito aflito.
- É o seguinte: eu preciso de um refrigerante light, dois salgados, um de frango, um de palmito...
Ao ver aquilo a mãe da mocinha que estava sentada à mesa. Próxima à fila. Levantou-se.
- O que é isso? Você não notou a fila?
- Mas é uma emergência, madame – afirmava o rapaz com os olhos arregalados.
- Emergência por quê? Tem alguém morrendo?
- Eu não posso explicar agora. Tenho que voltar, logo!
- Que coisa. Voltar pra onde? O senhor aguarde na fila como todos! Que falta de educação! – esbravejou a mãe da garota.
- Olha, eu vou ser claro: estou no comício de um candidato a vereador da região. Ele quer comer e eu preciso correr.
- Então o senhor avise a esse “candidato” que ele vai ter que esperar como todos os outros! E me dê o nome dele pra eu nunca votar nesse ser!
Nessa altura os integrantes da fila já estavam inquietos. Reclamando. Fazendo coro. Amaldiçoando o rapaz. Política no Brasil é isso. A pessoa nem se elegeu ainda e já acha que pode sair dando carteirada. Furando fila. Passando na frente de outros cidadãos. Pra dizer o mínimo. Burrice do candidato. O funcionário perdeu tempo, pois teve que voltar para o final da fila. O seu pessoal se desgastou. E – o pior para ele – perdeu, no mínimo, dez eleitores. Fora os curiosos e o boca a boca. Dia 5 de outubro está aí. Abra os olhos. Conselho de um amigo pé quente. Um amigo pra todas as horas.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Outubro/2008