Final de tarde de uma quarta-feira. Quente. Promessa de chuvinha no final do dia. Chegam à minha casa um senhor rechonchudinho e sua filha. Ela, uns sete anos. Animadíssima. Tivera um dia cheio. Milhões de novidades para contar. Não podia esperar. As palavras não cabiam na sua boca. Precisava falar. Ele, por sua vez, cansado do dia exaustivo que tivera.
Pararam ali para espairecer. A pequena queria uma torta de morango. Seu pai optou por mim. Um café. Cheio de chantilly. “Tudo bem”, pensei. “Com a quantidade de histórias que a garotinha deve ter pra contar, vale apena encarar o chantilly!”. Fui para a mesa. Doce... Muito doce!
E a menina falava... Ele chamou o garçom.
- Por favor... Gostaria de trocar de mesa... Há algum problema?
- Não senhor. Fique à vontade! – indicou.
A menina havia sido bruscamente interrompida. Mas insistiu. Permaneceram sentados uns 5 minutos em sua nova mesa.
- Então pai, quando a Luiza pegou o brinquedo, eu...
- Um momentinho querida... – chamou novamente o garçom – Olha, aqui está muito vazio, não há ninguém. Gostaria de me sentar em alguma mesa onde tivesse mais movimento... É possível?
- Claro senhor! Mudarei suas coisas não se preocupe...
Nessa altura eu já estava frio e o chantilly todo misturado em mim. A garota estava ficando chateada. Era uma história muito interessante...
- Posso falar?
- Claro, querida!
- A Luiza, pegou a corda e disse que brincava apenas quem ela quisesse...
- Um momentinho, meu amor... – Esticou a mão, novamente, acenando para o garçom.
- Este café está intragável! Traga-me outro, por favor!
O garçom providenciou outro imediatamente. Voltei novo. Purinho. Uma beleza. Pensei, “agora consigo saber o que aconteceu”. O pai pegou o jornal que havia trazido e começou a ler... Sua filha, indignada, apenas calou-se. Talvez pensasse no porque o pai não quis ouvir sua história... Era boa... Mas ele não ouviu...
Passaram-se uns dez minutos. O pai olhou para a menina que já havia comido sua torta - e não estava mais falante como antes – e disse:
- Acabou a torta?
- Sim.
- Então, vamos? Sua mãe nos espera...
Foram. Ela saiu cabisbaixa. Tristonha. Entrou no carro quieta. Talvez tentasse contar a mesma história de seu dia para a mãe. Em casa. A dúvida era: ela ouviria? Valeria à pena? Não sei a resposta. O que eu sei, é que esse cafezinho aqui, gostaria muito de tê-la ouvido. É pena não poder falar... Também...
Mariana Primi Haas - MTB 47229
Novembro/2008
9 comentários:
É uma pena mesmo, você já imaginou a quantia de histórias não ouvidas, e a proporção de desencantos que geram, fora o vazio do não saber, e seria só naquele momento pois no dia seguinte seria com certeza com lacunas. Beijos Mariana
Quando a menina se tornar uma adolescente, esse pai vai se arrepender de não ouví-la desde criança. Esse cafezinho está cada vez no ponto. Gostoso, obsevador e curiosoooooooooo rs. Parabéns amiga.
É, acho que aquelas crianças que perguntam muito (o que, por que? por que não?, contam muito, falam muito...e são correspondidas, transformam-se em jornalistas... blogueiras.
Segunda-feira, 24 de novembro de 2008 Um minutinho só... Recebi hoje, artigo muito interessante do blog Histórias de um café e resolvi compartilhar com vocês. O texto é da jornalista Mariana Haas, que escreve crônicas semanais. Espero que o texto sirva para uma reflexão sobre a forma como, muitas vezes, as crianças são tratadas (...)
È uma pena que alguns pais deixem passar momentos tão importantes para os filhos e principalmente para eles mesmos. Depois, é tarde demais para reclamar quando os filhos não conversam com eles.
Que pena deste pai que perdeu esses maravilhosos momentos, que não terão como ser recuperados. E da filha que não pôde compartilhar suas histórias com quem seria mais apropriado; ainda mais num café...
Querida, concordo com a Dna.Regina, e seu comentário, esta menininha ainda vai ser uma excelente jornalista!! rsrsrs Vamos ouvir falar muito dela e suas histórias, não só do mundo infantil, mas também do complicado mundo "adulto", onde infelizmente alguns pais não dedicam alguns minutos pra ouvirem seus filhos ou outras crianças!!Que pena, mal sabem o que estão perdendo!! Desculpe me estender querida, vc é a culpada, por criar polemicas!!rsrsrsrs Te adoro!! Bjos
mas como o café pode contar o final da estória se ele já foi sorvido inteiramente, não está mais presente fisicamente na xicarinha, e nem apoiado na mesa, está agora reconfortado na barriga de quem o bebeu. como ele sabe que a menina foi embora triste? Tomara que ela não tenha ido triste para a casa, isso me corta o coração!
Carol, acontece que o café é um conceito e não exatamente o líquido. É só a visão de alguém de fora sobre sentimentos, situações. E depois, nunca vi alguém que não deixe um restinho pra contar história... hehehe
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