domingo, 11 de setembro de 2011

Crônica 58: A Nuance

Uma bela tarde de feriado. Sol. Ventinho fresco. Perfeito para sentar-se em um café. Sozinho. Acompanhado. Com amigos. Com a família. Com o cachorro. Tudo pode. Sim. Pessoas felizes. Ai, eu realmente estava me sentindo bem. Adoro dias assim, que exalam bem estar.
Sentou-se uma mulher em uma de minhas mesas. Chamou-me. Fui com o maior prazer imaginando ouvir histórias de amor ou de conquistas. Ou ainda de uma promoção no trabalho. Mas não era nada disso. Quando olhei para o seu rosto vi um pedido de socorro. Um ar nublado. Um quê de desespero.
Permaneceu muda. Olhava para o vazio. Como se ali ele estivesse materializado. E ela, enxergando todas as suas nuances. Assim, é a tristeza em um dia feliz. Destoante. Ao mesmo tempo em que real e solitária.
Ela estava onde queria estar. Em nenhum outro lugar. Talvez faltasse alguém. Que jamais poderia vir. A partir do dia anterior. Anterior a quê? Ela se perguntava. Anterior ao nada. Sim. Ao nada.
Ela havia sido feliz. Sua vida tinha pinceladas de perfeição. Filhos lindos. E naquele momento, preenchida de vazio, sentiu-se oca. Seu querido. Seu amado. Tudo isso. Seu. Já não lhe era mais pertencido. Foi pra longe. Não se sabe bem pra onde. Nenhum cientista até hoje descobriu.
Por que me abandonar dessa forma? Sair de casa montado em uma moto, como se fora seu cavalo alado. Não demorou muito para perceber que ela não tinha asas. Caso contrário teria voado. E passado por cima do ônibus, carro e caminhão que lhe atravessaram o caminho. Ou será que ele é que lhes atravessou? Provável...
Por quê? Não sabe. O celular toca. Ela ignora. Invade-lhe o momento. Chega à alma. Como uma campainha de casa. Quando você não quer atender. Toca de novo. Ela olha para o aparelhinho. Irritantemente feliz, brilhante e ensurdecedor. E deixa que toque. Chega a admirar o som como se fora uma peça de Mozart ou Beethoven ou qualquer clássico da humanidade.
Ela sabia que precisaria atender. As pessoas queriam falar com ela. Precisavam saber como ela estava. Mal sabiam que ela não estava. Queriam vê-la sorrir. Levar os filhos à escola. Voltar ao trabalho. À sua casa – que havia deixado desde então. Mas não podia. Simplesmente não podia.
Não era justo tê-la deixado dessa forma. Sem avisar. Sem permitir que se preparasse... Foi egoísta. E agora... Perguntava-se. Dessa forma chegou a mim. Para falar sem dizer. Sentir sem expressar. Receber colo sem pedir. Para não ouvir julgamentos, nem questionamentos e, principalmente, para não ouvir conselhos.
Ela queria silêncio e a alegria das mesas ao lado. Onde ninguém lhe sentia pena pela perda. Onde ninguém olhava para ela com ar de caridade. Onde era apenas mais uma pessoa. Quieta. Em apenas mais uma mesa. E assim que saísse outro sentaria ali. Talvez uma família feliz... Talvez um casal briguento... Talvez...

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Setembro/2011

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