domingo, 16 de dezembro de 2012

Crônica 70: Quando dar um presente


Fazia calor. Os dois estavam ali. Sentados. Eu os fazia companhia. Fora servido gelado. Na realidade já estava com ele antes dela chegar. Meio quieto. Trabalhava. Alguma profissão que exigisse escrita. Então, ela chegou. Falante. Nossa... Falava demais. Enfim, trouxe um excesso de assunto a nossa mesa.
E no meio de toda essa conversa. Aparece, discretamente, um terceiro elemento. Um pequeno elemento. Estava por volta de uns sete anos. Trazia consigo uma caixinha de engraxate. Fazia um calor absurdo. E ele olhava. Olhava. Observava todos tomando sorvete. Sucos ou bebidas doces e sofisticadas.
Em determinado momento seus olhares se cruzaram. O dela e o do menino. “Tia... Você me daria um sorvete?”. Humm... Será? Respondeu de forma    bem humorada, olhando para o seu acompanhante. Claro! Entre!

O menino deu um sorriso tímido. E meio sem jeito, entrou na minha casa. Vamos lá? E caminharam até o balcão de sorvetes. Seus olhos negros se arregalaram. Vai querer sorvete de que? Chocolate? Ele pensou bastante. Olhou para os sorvetes. E disse: “Sabe... Tia... Eu não sou uma pessoa muito ‘chocolate’... Eu prefiro este”, apontando para um sorvete gourmet de mascarpone.
Uau! Mascarpone? Você gosta? Ele acenou positivamente com a cabeça. “É o mais bonito”. Sei... Prefere experimentar? E pediu à garçonete que servisse uma prova para ele. Gostou? “Adorei”. Ele se sentia importante. Pudera escolher o sabor. Experimentar. “Sabe, tia, meu irmão é uma pessoa mais chocolate que esse que eu escolhi...” Entendo. Mas esse presente é seu. Vamos dividir em dois potinhos? Um pra você e um para o seu irmão? “Está ótimo!”.
Os olhos do pequeno trabalhador brilhavam. Ficaram enormes. Pegou os potinhos, agradeceu e saiu. Não sem antes dar-lhe um beijo no rosto. Olhou bem nos seus olhos e disse: Obrigada! Ela voltou para a mesa onde eu e seu amigo a aguardávamos. Ela estava satisfeita. Contou a conversa com o menino. No meio de sua narrativa – do lado de fora -  o pequeno e o irmão discutiam porque um deles deixou o pote cair. “Olha ai... Está derrubando tudo”... Riram.
“Sabe... Se ele escolheu este sorvete significa que vem sempre aqui”. E era verdade. Ele devia ir sempre ali mesmo. Mas e daí? Era criança. Estava calor. E ele queria sorvete. Era natural. Mas impossível pra ele. E pra ela... Bom, pra ela era um lindo sorriso. Ela havia ganhado um lindo sorriso. Que guardaria sempre como um belo e delicioso sorvete num dia de sol. 

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Janeiro/2013

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Crônica 69: Quando dizer NÃO

Crédito Site Abril

Em um café, como o meu, tudo pode acontecer. Num dia frio e chuvoso de São Paulo (sim, estava frio, acredite), ela se sentou e me convidou para aquele momento tão dela. Havia passado o dia inteiro sonhando com aquilo. Tomar um café. Ler um jornal. Celular desligado. Sem computador. Sem falatório. Sem cobrança.
Tudo corria dentro dos seus planos. Paz total. Até que... Sem que percebesse um rapaz se aproxima da mesa. Com um belo sorriso. Depois das apresentações formais, o jovem perguntou se podia sentar ali, na cadeira vazia. “Pode... Claro...”
Conversaram um pouco. Mas ela não queria conversar. Olhava para o alto. Sorria um sorriso cansado. E o moço falava. Falava tanto. E ela pensando como sair daquela situação. Ele era gentil. Como dizer que não queria conversar. Queria ficar sozinha.
“Nossa, preciso ir... Essa chuva não passa”. Ele parecia não ouvi-la. Continuava tagarelando sobre suas aventuras na Patagônia Chilena. E como é diferente da Patagônia Argentina. Suspirou. Resolveu reclamar. “Ai essa chuva que não passa e eu com pressa querendo ir embora. Este é o tipo de coisa que me irrita, sabe? Fico nervosa..."

E o jovem descrevia como foi interessante a época que morou em Buenos Aires. Os apuros que passou por não falar espanhol. E divertia-se ao contar os equívocos que cometeu por conta dos falsos cognatos. Riu-se. Minha amiga nem sorrir conseguia mais. O incômodo era maior.
Ela deu um gole em mim, como se eu fosse uma pinga. Desconfiei que seria entregue pro santo. Não sabia dizer não. Não queria deixá-lo chateado. Estava tão contente contando para alguém sobre sua vida. Talvez ele não tivesse muitos amigos.
“Sabe, eu hoje estou muito chata. Uma péssima companhia. Meu dia foi péssimo e tal. Nada contra você e suas histórias, mas não estou num bom dia hoje”.  Tudo bem, disse o jovem. Ingênuo ou inconveniente mesmo continuou seu falatório com a promessa de animá-la. Ela não queria ser animada. Ela estava animada há uma hora. Quando estava relaxando.
Começou a sentir que sua cabeça ia explodir. Não sabia mais o dizer. O que fazer. “Olha, eu hoje realmente estou muito chata. Você é uma graça de agüentar meu mau humor, mas não é certo com você. Se quiser mudar de mesa eu vou compreender”.
Imagina! Sei como é quando estamos assim... Ela não podia acreditar naquilo. E ele falava mais e mais. Partindo do Chile, ele agora falava sobre a Bahia. Até que, vendo que o cara ali na sua frente realmente não ia desistir da sua companhia, decidiu encarar a chuva. “Vou embora eu, então”, pensou.
Despediu-se. Pagou a conta. E quando estava na porta, sem guarda-chuva, ele aparece. Olha você ai. Eu tenho guarda-chuva. Pra onde você vai? “Obrigada, mas não precisa... Eu adoro tomar chuva”. De jeito nenhum! Levo você. Vai pro metrô? Ela ia. Eu também. Olha que coincidência boa? Limitou-se a baixar a cabeça.

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Outubro/2012