domingo, 28 de abril de 2013

Crônica 79: Sobre Compras, Vidas e Opções


Estranho como no momento em que as pessoas se sentam junto a mim eu não sei nada sobre elas. Ao mesmo tempo consigo me sentir tão próximo. Claro, eu sou um Cafezinho. Frequento suas mãos e suas bocas. Mais do que isso. Frequento seus pensamentos. Em alguns casos faço deles minha morada.

Tenho amigos dos mais variados. Com os problemas mais improváveis. Com as histórias mais loucas. E as mais normais. Cotidianas. Sim, porque a normalidade não é necessariamente o contraponto da insensatez. As duas podem andar de mãos dadas, não acham?

Um assunto bem genérico o meu hoje. Mas foi levantado por comentários que andei ouvindo nas minhas mesas. Julgamentos e pré julgamentos. Sentaram-se duas lojistas na minha mesa. Trabalhavam como vendedoras. Vez por outra nos horários de descanso vinham até minhas mesas e sentavam para colocar o assunto em dia.

E o assunto, claro, eram as freguesas. Deviam ter seus 38 anos. No máximo. Chegaram. Acenaram para o garçom e começaram a falar. "Menina, você viu a mulher que entrou na loja?", perguntou uma. "Vi sim, simpática, né?". Inconformada a outra respondeu: "estou falando daquela que entrou com a filha e a 'amiga' da filha".

"Vi. Achei super legal ela levar a filha e a 'amiga' para fazerem compras".  "Legal? Como assim? As meninas tinham uns 17 anos. Como poderiam saber o que querem para a vida delas? Ah! Sei não. Na minha época se aparecesse com uma 'amiga' dessas em casa... E Deus? Não pensam em Deus?"

"O importante é que compraram bem e garantiram nossa comissão. Deixa elas... Deixa Deus no canto dele..." , disse a outra. Impressionada com a postura da amiga, a primeira continuou... "Sabe lá o que vai ser do mundo se as coisas continuarem assim. É homem com homem. Mulher com mulher... Me dá até medo... E agora, ainda querem casar... Afffff!"

A colega, já enfadada daquela conversa... "Deixa cada um com quem quer. Você não quer 'amigas', quer? Então pronto. Mas para nós vendedoras é ótimo! Mulher compra mais. Presenteia mais e a gente ganha mais no fim do mês. ".

"Tá na hora, vamos?". E foram. E eu fiquei ali pela metade.Pensando. Por que será que as pessoas se incomodam tanto assim? Vivemos ou não em um estado laico de direitos? Não estou aqui defendendo, nem culpando. Que coisa mais chata. Viva e deixe viver é o que eu diria se pudesse... Mas, não podia... Enfim... Ouço de tudo. Em 2013 ouvindo um papo desses... Coisa démodé....

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Abril/2013

domingo, 21 de abril de 2013

Crônica 78 - Sobre Crianças, Pipoca e Futuro


Dia ensolarado. Tarde feliz. Em dias assim a cidade se torna quase um parque de diversões. É mãe passeando com filho. É cachorro brincando com os donos. Idosos caminhando. Incrível como o sol tira de todos seus melhores sorrisos. É como se houvesse uma promessa velada de dias melhores.

Enfim, filosofias baratas de um Cafezinho ... Sentou-se  em minha companhia uma jovem de seus vinte e poucos anos. Uma carinha simpática. Mas um tanto maltratada para tão pouca idade. Com ela seu filho, e sua sobrinha. Os dois com cinco anos. No máximo.

Sentaram. Demorou um pouco, mas se ajeitaram. Para ela um cafezinho. Para as crianças suco. Eis que a menina tira da mochila que trazia nas costas um saco de pipoca doce. Aquela que vem numa embalagem cor de rosa. E devagarzinho ela vai se deliciando. Grão a grão. O menino que não tinha a guloseima incomodou-se. Foi ficando triste.

A mãe, vendo a agonia do menino, disse: "meu filho se quer pipoca peça à sua prima". Foi o que o menino fez. Rápida e timidamente. "Melina, me dá uma?". Mas a resposta da garotinha não foi a esperada por todos. "Não". Rafael começou a chorar. Estava criado o caos. Puxava a blusa da mãe, num pedido de socorro.

A mulher, por sua vez, sem saber lidar com a situação, resolveu dar um fim ao problema. Não tentou uma conciliação ou a famosa psicologia infantil. Decidiu intimidar a garota. Quem era ela para negar uma pipoca ao seu filho?

"Ah, não vai dar não?". "Não", reafirmou a menina. "Não faz mal. Sabe o que acontece com quem come tudo sozinha? Engorda. Fica desse tamanho, "Ó". Enquanto falava essas palavras para a sobrinha de cinco anos, a mulher fazia caretas e estufava as bochechas numa tentativa de ilustrar como ela ficaria caso comesse tudo sozinha.

Melina, obviamente assustada, resolve recorrer ao único recurso encontrado. Ela estava sendo acuada pela tia. Por um adulto. "Meu pai vai bater em você". A tia, não contente respondeu: "vai é? O pai dele vai bater no seu pai e, quer saber, talvez a titia nem deixe você entrar na casa dela, hoje".

E, assim, levantaram. Ela segurando cada criança em uma das mãos. A pequena com sua pipoca e sua mochila. Foram embora. Mas a história ficou. Os comentários das outras mesas também. Não foi uma situação engraçada. Foi trágica. Dolorida.

Para as crianças foi ensinado nessa pequena experiência que o importante não é dividir. É ter razão. Que, para tanto, vale tudo, inclusive, a violência física. Que a chantagem é válida na hora de resolver os problemas. Entre tantos outros valores equivocados. E, assim, as crianças crescem e se desenvolvem! E o Brasil continua sendo o país do futuro!

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Abril/2013

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Crônica 77: Sobre Protagonistas, Cotidiano e Provas


E aquele era um domingo normal. Normalíssimo. Eu ia e vinha nas bandejas titubeantes. Observava. Ouvia. Correria no salão. O céu, do lado de fora, por vezes se fechava. Por vezes se iluminava. Aquele arzinho frio, um tanto outonal. Enfim, nada excepcional.

No entanto, aquele podia ser um dia como outro qualquer para mim. Para a moça na mesa ao lado. Para o senhor que passava na rua. Para o bebê que dormia no carrinho. Mas para ele não era. Para ele era o dia. Um dia decisivo. Para qual havia se preparado.

Sentou-se um tanto ansioso. Senti suas mãos geladas em minha xícara. Um tanto trêmulas, talvez. O olhar apreensivo. E a respiração ofegante. Trazia consigo um caderninho com anotações. Canetas azuis e pretas. Lápis. Borracha. Apontador.

Sem dúvida estava a caminho de uma prova. Dava um gole em mim. Pegava o caderninho. Lia um trecho. Fechava e dizia baixinho: tudo que eu sei, eu sei. Melhor não ler mais nada. Mas não aguentava. Minutos depois, pegava o caderno novamente. Fechava rapidinho. Pegou uma revista. Deu uma lida. Não conseguiu se concentrar.

Foi então que tocou seu celular. Essa é a parte que eu nunca gosto. Ô aparelhinho antipático. Não ouço quem está do outro lado. Perco parte da história. Além de ter que conviver com os desagradáveis tremores causados na mesa pela sua função "vibrar". Pronto, falei.

Voltando para o nosso amigo. Ele atendeu o telefone e falava para alguém do outro lado da linha. "Eu não estou nervoso não. Fica sossegada. É... Cheguei cedo demais... Pois é, fiquei com medo de me atrasar.

Esse dia tão comum. Era para ele definitivo. Decisivo. Havia acordado às 5:30 h pra chegar às 8 h no local. Se é que dormiu. Era um dia daqueles em que "vai ou racha ou arrebenta as borracha". E ninguém percebeu. Ele não precisava, nem queria que percebessem.  Encontrou em mim, seu Cafezinho, uma boa solução. Meia hora depois levantou, esticou a camiseta. Certificou-se de que nada ficou esquecido sobre a mesa e sumiu na multidão que já se aglomerava nas ruas da cidade.
Era mais um. Meu personagem principal em questão de segundos, tornou-se mais um. Com seus problemas. Suas angústias. Sua calça jeans. Sua camiseta branca com uma mancha na barra. Mais um. E eu, como sempre, voltei para pia. Pronto para o próximo coadjuvante com ares de protagonista.

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Abril/2013