Era um lindo domingo de sol. Ela chegou com sua cadelinha. As
duas já são minhas conhecidas. Eu já sei que Ela tem todo um ritual a cumprir
antes de sentar. Primeiro passo, colocar a bolsa sobre a mesa. Segundo passo,
amarrar a cadelinha à sua cadeira. Terceiro passo sentar. É nesse ponto que ela
se vira, chama a garçonete e diz: "um cafezinho, por favor... Ah! Você
pode trazer um pouco de água para a minha cachorrinha? Obrigada!". É nesse
ponto que eu entro.
Tudo tranquilo até aqui. Cheguei quentinho. Sentei-me junto a
elas. Minha amiga estava bem. Mas um tanto quanto tristonha. Pelo que entendi teve
um bom final de semana. Mas a vida não é sempre o que queremos ou planejamos. E
ela é o tipo de pessoa que faz e cumpre seus planos. No entanto, dessa vez não
deu.
Estava lá. Sentada. Bebericando-me aos poucos. Usufruindo do
nosso momento. Aproveitando sua própria companhia. Olhava para as unhas, que
haviam sido feitas um dia antes, e pensava: "Estão ótimas! Mas na terça
tenho um compromisso... Talvez estraguem até lá...". Passava as mãos no
cabelo. Olhava para os transeuntes.
Mas toda esta paz durou muito pouco. Sua cachorrinha. Que
sempre fora apenas sua companheira. Esta semana deixou de ser apenas mais um
cachorro nas ruas. Tornou-se especial. É um Beagle. E todo aquele instante de
reflexão e bobeiras foi por água abaixo.
"Olha lá, um Beagle!", disse uma menina para o
namorado. "Papai! Um Beagle", gritou um garotinho esfuziante. E assim
foi. As mais diferentes pessoas. Nas mais diferentes idades. Todos gritavam.
Apontavam. Meu Deus pensou minha companheira, mais um pouco vão pedir
autógrafo. Af...!
Mas até então ela conseguia lidar. Começou a ignorar o
assédio. Seguiu em seus pensamentos. Fazendo carinho em seu Beagle e se deleitando
com seu segundo Cafezinho. Até que de repente se aproximou da mesa um casal. Os
dois com mais ou menos 60 anos. E eles queriam conversar. "Gente, o que é
isso que estão fazendo? Você viu? Chorou muito? Você ficou triste? Fico
imaginando a dor que deve ter sido...
E nesse tom seguiram-se diversas perguntas. Ela não teve nem
tempo de responder. Quando viu a senhora já contava sobre o câncer de uma
amiga. Depois algo sobre colocar óleo no ouvido. Enfim. Distraímos-nos nesse
ponto. Mas eles não foram os únicos. Um pai com uma criança. Uma família
inteira. Mais idosos. E por ai vai. Todos com as mesmas perguntas.
Era como se quisessem ver o sofrimento alheio. Se quisessem
fazê-la sentir-se culpada. Era uma forma questioná-la. "É claro que você
ficou arrasada". Bom, se ainda não estava, esse era o momento de ficar.
Este caso do Instituto Royal é realmente terrível. Mas ela já sabia. E,
obviamente, sofria por eles. Mas fez o que podia. Talvez ainda não estivesse
com tudo esclarecido na sua cabeça. Vai saber.
Ela não podia mais suportar aquele falatório. Era muita
pressão. Talvez nem a cachorrinha estivesse aguentando. Que pressão. Só faltou
alguém se sentar junto a ela na mesa. Mas isso não aconteceria. Ela não permitiria.
Parecia que estavam diante de algo que nunca viram. O Beagle virou um ídolo.
Ninguém se preocupou se estava incomodando. Se ela esperava
alguém. Se ela estava no telefone. Todos queriam e se preocupam apenas em estar
perto de um Beagle. É triste que situação como as do Instituto Royal aconteçam.
Mais triste que tantos animais sofram maus tratos. Mas os beagles são
cachorros. Não são ídolos. São animais que merecem ser respeitados como
qualquer outro. Este é um caso sério. Não pode virar moda.
Mariana Primi Haas - MTB 47229
Nov/2013
Mariana Primi Haas - MTB 47229
Nov/2013
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