segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Crônica 37: A CHUVA

Todos os dias de manhã, quando um funcionário aqui da casa liga o rádio, eu ouço: “e hoje, mais um dia de chuva na cidade”. E todos os dias eu penso: “De novo? Não, eles devem ter se enganado”. E o pior é que eles, os meteorologistas, não andam se enganando muito, não. De fato tem chovido todos os dias. E não é coisa pouca. É chuva pra dar e vender.
Nos fins de tarde chuvosos coisas interessantes acontecem. Além, é claro, das tragédias mil. Mas deixemos essas para os telejornais. Imaginem a cena: vem caminhando pela calçada uma senhora de aproximadamente cinqüenta anos. Trazia nos pés um belo salto alto. Altíssimo. Finíssimo. Trajava um conjunto elegante de saia e casaco. E nas mãos uma linda bolsa. Dessas que se carrega pela alça. Não nos ombros. Na outra mão uma pasta.
Ela andava firme em seu salto. Elegantemente. Porém, com um ar de superioridade. Trazia em seu nariz um “Q” de arrogância e em seus modos qualquer coisa de uma excessiva soberba. Entrava e saia das lojas que me circundam como se nenhuma apresentasse produtos à sua altura. À altura de sua exigência.
Eu estava acomodado junto a um senhor que lia tranquilamente seu jornal. Estávamos ali, apreciando a companhia um do outro. De repente, o tempo começou a fechar. Três horas da tarde e a cidade ficou escura como se a noite se apresentasse. Trovões e raios pipocavam no céu. Em menos de dez minutos a chuva começou a cair. Uma verdadeira tempestade.
A senhora que caminhava na calçada da frente, assustou-se. Colocou a pasta sob seu braço. E com a mão livre buscou em sua bolsa uma proteção. Achou um lindo guarda-chuva estampado em zebrinha. Nessa altura seu cabelo já estava molhado. Assim, como a linda bolsa e sua preciosa roupa. Abriu rapidamente sua zebra protetora. Mas logo que terminou de abrir o guarda-chuva, com a mesma suntuosidade que se abre um champagne, este foi pego por um vento e virou do avesso.
A maquiada senhora ficou tão nervosa que não viu um buraco logo de baixo de seus pés. Caiu de quatro. Apoiando-se com as mãos para não machucar o rosto. Xingou Deus e todo mundo. A pasta que estava sob seu braço espatifou-se na poça. Foi papel pra todo lado. Um dos meus garçons correu para ajudá-la. Levou um enorme guarda-chuva. Pegou a senhora pelo braço e levantou-a.
O que se esperaria de alguém na situação em que ela se encontrava? Um “muito obrigada”, talvez. Decididamente não foi essa a postura assumida por nossa elegante (?) senhora.
- Tire as mãos de mim! Não está vendo que estou aqui há horas? Tive que cair para alguém fazer alguma coisa?
O rapaz ficou atônito. Não sabia o que fazer. Não imaginou uma reação tão dura quanto esta. Rapidamente, pensou em algumas possibilidades: “Devo deixá-la debaixo de chuva? – Não – Devo puxá-la? – Não”. Por fim, resolveu que a própria mulher deveria decidir.
- A senhora quer mesmo que eu vá embora? Tudo bem. Mas se quiser pode me acompanhar até o café em que eu trabalho e se arrumar, tomar algo quente. Então?
- Bom... Já que você está aqui vou até este “café”... Fazer o que!
Ele então, mais uma vez de forma gentil, segurou a senhora – com os joelhos ralados pela queda – atravessou com ela a rua, já inundada e colocou-a sentada confortavelmente. Fui servido com tranqüilidade. E como oferta da casa. Não fui tocado. Com um leve toque ela me empurrou. Chamou garçom...
- Rapazinho, eu prefiro chocolate quente! – e resmungou – Ai a gente tem que explicar tudo!





Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Fevereiro/2009

7 comentários:

Luiz Galvão disse...

kkkkkkkkkkkk
muito bom texto Mari...
esse café..hummmm..cada vez mais observador.
Essa senhora deveria ser levada pela enchente até o rio Tietê.
Com certeza tomaria lá um "refresco! ou algo quente para sua imponência e estupidez.
bjs

KImdaMagna disse...

senhoras elegantes, caridosos,tementes a deus, mulheres beatas, continuam por aí...


xaxuaxo

Fernando Rubano disse...

Mariana.Bom o seu texto,tem gente
que nem na dor perde a arogância,nem mesmo um café amigo
muda algumas pessoas.Quem sai na chuva que se molhe.Hora.
PARABENS PELA SENSIBILIDADE CADA VEZ MAIOR.BEIJOS MIL.
FERNANDO RUBANO

Anônimo disse...

Chove chuva, chove sem parar... e a senhora em questão precisa urgentemente de algo que faça bem pra pele.
Amei, fiquei atenta para saber o destino desse ser que até Darwin rechaçaria. Evolução da espécie?

Unknown disse...

Acho que a tal senhora precisa de muito açucar,para tanto amargor, além de uns tombinhos a mais.Quem sabe assim ela aprende a ser gente.
Como sempre você se supera.
Adorei.

Lobotomia disse...

É cafezinho, nessas horas é preferível estar bem frio. Já imaginou essa mala te digerindo? Falando sério, seu texto é muito bom.

Parabéns

Anônimo disse...

Cada uma, não?