segunda-feira, 30 de junho de 2008

Crônica 4: Às Escuras

“Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar...”, Chico Buarque. Maravilhoso. Pois é, nesse dia, ele que costuma chegar cheio de si, seguro, com sua pasta em uma de suas mãos e o jornal na outra, chegou quieto, sem jornal e sem pasta.

Usava um traje casual – bem diferente do terno preto de costume – seus cabelos estavam rigorosamente penteados. Cheirava à lavanda. Um aroma fresco, nada enjoativo. Eu também estava diferente, fora servido com chantilly e canela. Talvez quisesse algo mais leve, de sabor adocicado.

Nosso amigo estava lá para encontrar alguém que, até este momento, fazia parte apenas de sua imaginação. Como uma criança cria seu amigo imaginário, ele tem o computador. Pois é. Não precisa nem exercitar sua imaginação. Foi só entrar em qualquer sala de bate-papo virtual e uma porção de amigos se apresentaram.

Seu apelido, na rede, era “Gatão”. E não é que nosso “Gatão” conheceu uma “Tigresa”? Sim. O único problema é que ele só conheceu nessa “Tigresa” o que ela quis lhe mostrar. A foto, por exemplo, havia sido levemente alterada. Fato: ele estava lá para encontrar aquela por quem se apaixonou virtualmente. A imagem que ele fazia dela era igualmente virtual.

Entra uma senhora muito bonita e bem arrumada. Muito perfumada. A primeira coisa que ele pensa: É ela! Mas não era. Então, se deu conta de que esta, que acabava de entrar, nada tinha de parecido com a outra (por quem aguardava ansiosamente).

Mas o brilho nos olhos desta mulher lhe chamou atenção de tal forma que pensou em pedir para sentar-se em sua mesa. Mas... e se a “Tigresa” chegasse? Não. Definitivamente não poderia fazer tal coisa. Que pena...

Com uma hora de atraso chega a, já decepcionante, “Tigresa”. Quando ele a viu pensou: Não pode ser. E com as mãos no rosto, procurou se controlar. A mulher veio cuidadosamente até a mesa... Esta era a mulher da foto, da sala de bate-papo. No entanto, não era quem ele esperava. Claro que não. Esta era Vilma. A mulher real.

Enquanto conversava com Vilma, já cansado da história que ela lhe contava, não conseguia tirar os olhos da senhora sentada à sua frente e imaginar: por que não vim ao café antes? Ou melhor, por que não vim, sem o jornal cobrindo meu rosto, sem a pressa do trabalho e com um pouquinho de perfume... Por quê?

Vilma, não parava de falar um só minuto. Ela preferiu me pedir expresso, forte. E eu ali, vendo a aflição do homem e a animação da mulher. Impotente. Sem poder ir até a outra mesa e avisar à senhora dos olhos brilhantes... Enfim... Às vezes, muitas vezes, é realmente difícil muito ouvir. E nada poder falar.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Junho/2008

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Crônica 3: Coleiras

Adoro cachorros, eles é que não gostam muito de mim... Ao menos nunca vi um me experimentar. Talvez seja por não terem necessidade de se esquentar com algo externo ou, ainda, não precisarem refletir e, muito menos, de um motivo para encontrar os amigos.

Nada disso, os cachorros se encontram quando dá, na vida, se reconhecem apenas por já terem sentido aquele mesmo cheiro em algum pipi na rua. Assim, imagino, que eles se olhem e digam: você é o dono do pipi da rua tal? Ou então: seu dono precisa limpar sua sujeira, sabia?

Mas voltando ao assunto. Dia desses, duas moças se sentaram – lá em casa – para papear, trocar uma idéia, um plá, sabe como é, quando duas mulheres se juntam para conversar a conversa vai longe, elas até esquecem onde estão. Parece que o tempo do relógio pára só para as duas conversarem. Impressionante.

As duas estavam com seus cachorrinhos, seus pets, duas coisinhas lindas. Haviam vindo do banho. Estavam cheirosos, escovados, de hálito limpo. Pareciam dois bichinhos de pelúcia vivos. Mas não eram. E os bichinhos começaram a brincar, como se fossem crianças, uma graça.

Todos que entravam paravam, mexiam com eles... Quer felicidade maior para um cachorro que ser o centro das atenções?? Garanto que não há. Eu já voltava pela segunda vez, o dia estava tranqüilo. No entanto as duas moças – como ditas no início – se esqueceram dos dois bichinhos lindos e não notaram quando as coleiras de seus pets se enroscaram entre si e... Pior... Na mesa!

Mais especificamente no pé da mesa. Viemos todos abaixo: eu, o açucareiro, os celulares das duas, os copos d água, os biscoitinhos que me acompanham e, é claro, a mesa. Todos no chão. Eu virei uma poça escura e adocicada. Os cachorros – coitadinhos – se assustaram e sairam correndo.

Foi uma confusão. Uma corria e tentava acalmar os dois. A outra pedia desculpas e tentava levantar a mesa, limpar o chão, tudo de uma vez. Por sorte nada se quebrou, nem mesmo minha xícara. Fomos todos levantados e recolocados na mesa. Eu voltei recomposto, afinal meu lugar nunca foi no chão.

As duas e seus graciosos cães também se aprumaram. Dessa vez cada um deles foi amarrado separadamente e, por fim, elas conseguiram terminar sua conversa em paz e eu consegui respirar aliviado... Que dia!


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Junho/2008

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Crônica 2: A Lágrima

Ela chegou triste. Abatida. E olhava longe, tão longe que podia ver o mar. Não era um mar tranqüilo; era revolto, transtornado, com ondas quebrando fortemente na praia, deixando suas marcas na areia.

Por um segundo, imaginou-se mergulhando, mas não podia. Voltou a si, lembrou-se da realidade e, claro, convidou-me a sentar com ela em sua mesa. Uma... Duas vezes...

Assim que fui colocado na mesa, à sua frente, senti um arrepio, era uma lágrima salgada e morna que caia em minha xícara. Ficou ali me olhando, olhava tanto que parecia poder ver meus grãos seletos, fiquei envergonhado... Mesmo sabendo que não era até mim que seus pensamentos caminhavam...

Dessa vez não fui chamado a dividir uma espera, daquelas gostosas de ter, uma saudade, nem para afogar a ansiedade gerada depois de um agitado dia de trabalho. Chamou-me apenas para consolá-la, para compreendê-la, para que pudesse ficar quieta e aquecida.

Não me quis com chantilly ou leite, optou por algo mais forte. Chamou-me puro, expresso, forte e curto dispensando até o mesmo o açúcar ou o adoçante. Talvez procurasse a realidade... Talvez quisesse gritar... Mas não podia.

E eu, como um vira-latas que encontra um lar, fiquei ali, companheiro, parado e consolador. Apenas vendo ela ainda mais linda triste, exausta de pensar, de sentir.

A noite caiu e ela ainda estava lá. O celular tocou. Susto. Não era quem ela queria. Que bom. Virou-se, deu seu último gole e me colocou de volta no pires. E eu tive certeza que da próxima vez que nos encontrássemos seria eu aquecido pelo seu sorriso e não salgado por uma última e insatisfeita lágrima.


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Junho/2008

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Crônica 1: O Shampoo

Dia desses, vinha eu me equilibrando nas mãos de um malabarista – como de costume – quando ouço uma discussão acalorada, justamente na mesa para qual era levado. Fiquei imaginando o que teria acontecido.

Havia um lindo casal sentado à mesa, ela toda arrumada, emperiquitada... Ele de terno, como quem acaba de sair do trabalho. Fui colocado na mesa discretamente e assim me mantive. Quietinho.

O motivo da discussão: um shampoo. É isso mesmo. Os dois haviam juntado as escovas de dente há pouco tempo e pensavam que o problema da vida deles era o shampoo.

- Mas esse shampoo não faz espuma! – bradava o rapaz.
- E daí, é melhor que não faça... Quanto menos espuma melhor... E depois, eu comprei pensando em você – retrucava ela.

Um breve e tenso intervalo. Ele passava a mão suada no rosto, como quem pensa: eu não estou acreditando. Ela, roxa de raiva e com os olhos cheios de água, insistiu:

- Foi caro! Muito caro!

Mais um momento de silêncio. Mexeram tanto em mim, me rodaram de um lado para outro com aquele pauzinho de plástico, que já estava tonto, em certo momento cheguei a pensar que fosse sobrar pra mim.

Então, o silêncio foi quebrado. Ufa! E ela conseguiu ouvir o que esperava desde o momento em que parou naquela drogaria e comprou o tal shampoo: Eu Te Amo!

E, depois de um beijo, desses lindos beijos de cinema, os dois se levantaram sorrindo – ela, ainda, enxugando suas lágrimas – e foram para casa de mãos dadas, provavelmente tomar um belo banho com o novo e caro shampoo.

Isso aconteceria se em seguida ele não acrescentasse: desculpe meu amor, mas vou continuar usando o MEU shampoo...


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Junho/2008

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Seja bem vindo a este Blog!

Olá,

Seja bem vindo a este Blog!

Aqui pretendo narrar pequenos casos que se perdem em uma cidade tão grande como São Paulo. Para quem se interessa pelo dia-a-dia de figuras comuns, dessas que se vê passar na rua todos os dias e das quais sabemos tão pouco, sou uma xícara cheia.

Sou originário da Etiópia e sempre fui muito apreciado, tanto assim, que atualmente sou item obrigatório na dispensa de qualquer país do mundo. Muitos consideram impossível começar o dia sem mim; outros me evitam dizendo que sou capaz de lhes tirar o sono.

Naturalmente polêmico, apareci em terras tupiniquins por volta de 1730. Moro na cidade de São Paulo, onde, aliás, já sou cultivado há muitas décadas. Em um momento de bobeira me envolveram até na política, mas já superei essa fase.

Minha casa é sempre muito movimentada. Você não imagina as figuras que passam por aqui: são jovens, velhos, casais de namorados, pessoas sozinhas que param apenas para ter a minha agradável companhia e muitos, mas muitos cachorros. Mesmo.

As pessoas conversam diversos assuntos, toda sorte de temas que você imaginar eu escuto. E como falam, não? Outras preferem ficar quietas e ler um livro ou escrever. E eu fico ali, observando tudo, praticamente sem ser notado.

Assim, resolvi dividir com você alguns casos interessantes que já presenciei nessa minha vida, afinal, não posso guardar todos eles pra mim. Sabe, minha memória é curta... Risos. Bom, ainda não me apresentei:

- Muito prazer, eu sou o seu café, talvez um café diferente, mas, ainda assim, um café.

Até Mais!

Beijos

Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Junho/2008