segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Crônica 30: O MISTÉRIO

Quando alguém senta à minha mesa imagino mil coisas: de onde essa pessoa é, como vive, como se relaciona com a família, como andará seu coração, se tem filhos ou não, se é solitária... Enfim, procuro logo traçar um perfil. Mas nem sempre é possível. Talvez existam pessoas indecifráveis. Ou alguns se tornem indecifráveis em determinados momentos de suas vidas.
Gostaria de entender a complexa alma humana, afinal, não possuo essas sutilezas. Não tenho uma alma delicada, gentil. O que possuo é conhecimento. Experiência. Mas alma, não. Isso eu não tenho. Outro dia sentei junto a um cliente antigo. Desses que a todo o momento me procuram. Já o vi triste, feliz, amargurado, cansado, animado. Mas da forma que o encontrei essa última semana, ainda não tinha visto.
Ele estava muito bem arrumado. Quieto. Ao chegar percebi o ar pesado no entorno da mesa. Quase sólido. Estaria ele conseguindo respirar? Talvez o corpo, mas sua mente com certeza clamava por espaço. Claustrofóbica. Como sei que a roupa muitas vezes disfarça sentimentos, notei que aquele meu amigo precisava de mim como jamais havia precisado antes. Eu era seu refúgio. Seu pedido de isolamento.
Cheguei. Fui delicadamente apoiado ao tampo, junto com o açucareiro, o adoçante, um cel... Espera um pouco – pensei – as coisas estão diferentes. O celular não estava junto a mim. Uau! Isso era realmente estranho. Mas eu o havia observado falando no tal aparelho. No momento em que me levava à boca, vi o celular no bolso da jaqueta.
Eu, que não sou bobo, entendi logo, o problema era exatamente o celular. Provavelmente recebeu alguma ligação desagradável. E bota desagradável nisso. Não estava concentrado. Parecia inquieto. Pegava o jornal – que estava na cadeira ao lado – abria. Folheava. Fechava. Colocava-o de volta no mesmo lugar.
Olhava o cardápio. Não tinha fome. Ia ao banheiro. Voltava. Tudo sem vida. Sem animação. Finalmente parou. Aquietou-se. Parecia mergulhado em seus pensamentos. Ensimesmado. Tonto. Não consegui entender o que havia se passado. Só sabia que o problema havia sido o celular. Olhou para as mesas ao redor. Mas só conseguia enxergar a si mesmo. O barulho, a conversa, o tilintar dos talheres, pareciam demasiadamente externos a ele, para que pudessem ser percebidos. Observados. Seu olhar seguia caminhos escuros. Desconhecidos. Inimagináveis.
Meu grande amigo pareceu-me um estranho. Parecia impossível desvendar seus mistérios. Sua matemática. Não existia uma lógica para ser desvendada. Não existia, sequer, uma venda. O que existia era o ritmo caótico de um furacão. E a calma inquietante de um lindo dia de sol.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Dezembro/2008

12 comentários:

Anônimo disse...

Mariana.Mais uma vez Parabéns,consigo visualizar o texto,o silencio de um amigo fala direto ao nosso coração.E tudo acontece sempre num café.Incrivel!.Beijos mil.Fernando Rubano.

Anônimo disse...

Você se supera a cafa dia.Você escreve com poesia e nos transporta para o café. AMEI.

Anônimo disse...

Nem de propósito. São 7 horas da manhã ,tou vindo dum café algures por aqui e que de certeza tem suas histórias. Tem muita gente colmatando insuficiências de solidão pelos cafés.- Eu pessoalmente não acredito nem curto a solidão.Solidão é um estado de alma, que pode ser tratado, basta só o meu EU existir. xaxuaxo

Anônimo disse...

Acredite, me envolvi no misterio!!Vi a cena inteira!! Só me entristece não saber o que o afligia!! Mas como numa metropole como a nossa, milhares e milhares de pessoas, cada qual com seus pensamentos, não dariamos conta, mesmo que quisessemos do misterio e aflição interior de cada um!! Sua fã "Helô"..bjs.

Anônimo disse...

Amei, Ma. òtima narrativa! Obrigada pela visita tb. beijos

Anônimo disse...

Oi, gostei de conhecer seu Café. Pode ter certeza que volta e meia estarei por aqui pra um "dedinho de prosa". Obrigada pelo convite.

Anônimo disse...

E vou recomendar! Volte ao Dicas Sobre Nada para conhecer o Cabo Valdimir (CV) e o Soldado Rubis (SR), dois tiras que são parceiros e mandam bem na Viatura 2112. Beijão Toninho Moura Capitão Ócio

Anônimo disse...

Oi, Mari, não sei mais o que fazer, não tenho mais celular esqueci-o na sala de aula da faculdade e quando voltei não estava mais lá... mas acho que foi um sinal, estou muito cansada com essas coisas, e não tem nada melhor do que um café, uma boa conversa, olhar nos olhos da pessoa, encontros de repente e é aquilo, oi td bem, quanto tempo, vamos tomar um café? é como aquela música do paulinho da viola, sabe? o café é a alma dos nossos negócios, ele em si não tem alma, mas faz com que as coisas tenham, faz reverberar a nossa solidão. Não vejo mais momentos revolucionários com o café, a última vez estava numa padaria tomando café da manhã e fugindo da aula passei a manhã numa praça ensolarada olhando os felinos. Não sei, só sei que EU NÃO TENHO MAIS CELULAR!!!! obrigada pelo convite,venho sempre, amiguinha! bjbjbj

Anônimo disse...

Existe uma lógica para ser desvendada, se o café é ao mesmo tempo narrador e personagem, as impressões sentidas são daqueles que o provam, logo se é forte, ou fraco, depende da disposição psicológica daquele que o prepara e por quais motivos. Mas acho que 1. café é uma coisa celular é outra e cigarro é outra. 2. vivo sem celular mas não vivo sem café. 3. ainda não entendi o mistério do café.

Anônimo disse...

Esse café tá dando o que falar.

Anônimo disse...

O mistério do café, como qualquer mistério, só tem eco, atrai, aqueles que vão além, que superam o comum, a mesmice. Portanto, cafezinho, não se desgaste em explicar nada... apenas apresente-se, seja. Quem quiser que conte outra, que escolha beberagem diversa.

Anônimo disse...

A "razão" do mundo ocidental pós Descrtes já era.Mais do que nunca a emoção é busca de compreensão por nossa reações ao que vivemos dentro de nós e em relação ao mundo. Parabéns a esse cafezinho sempre observador.