quarta-feira, 16 de julho de 2008

Crônica 9: O VELHO

Antes de servos jovens, adultos ou crianças somos seres. Humanos ou cafés. É difícil entender. Alguns acham que por terem uma ampla vivência podem faltar ao respeito. Outros acham o mesmo por terem experiência de menos. Eu sou centenário e jamais utilizei isso como argumento para não atender alguém. Estranho.

Muitas vezes sou obrigado a presenciar cenas as quais preferiria não ter assistido. Decepção. Era segunda-feira e compartilhava a mesa comigo um senhor. Em média setenta anos. Uma mesa calada. Sem dilemas. Sem palavras.

Senti-me um champanhe ao ser apreciado. Fui decifrado em todas as minhas notas. Como um vinho. Fui consumido sem açúcar, in natura. Adoro quando me degustam puro. Sinto-me valorizado. Odeio ficar melado, como muitos gostam. Parece que anseiam esconder meu sabor e me tornar mais palatável. Não sou doce. Sou amargo. Sou real.

- Sua Burra!

Minha reflexão havia sido interrompida por essa indelicada colocação do senhor à minha frente. Medo. O que gerou a revolta do meu plácido saboreador foi uma senhora que passou pela mesa e sem querer esbarrou a bolsa nele. Esbarrou.

- O senhor está falando comigo? – perguntou incrédula.

- A senhora passou com a bolsa por cima de mim.

- Me desculpe, eu não havia percebido! Mas isso não é jeito de falar com as pessoas! Tenha mais educação!

- Só faltava essa! Eu tenho setenta e quatro anos! Eu falo como quiser!

Todos os que estavam acomodados nas outras mesas olhavam. Uma cena grotesca. A senhora parou, respirou fundo. Caminhou até a mesa em que eu me encontrava. Roxa.

- Não estamos em uma competição para descobrir quem é mais velho. O senhor pode ser idoso, mas isso não lhe confere o direito de andar por aí agredindo os outros por nada. Se não sabe conviver em sociedade não saia de casa!

Dito isso, deixou o homem esbravejando e retirou-se. Desistiu de tomar seu café.

Um homem de setenta e quatro anos – como ele faz questão de afirmar - que tem esse tipo de comportamento, não é sábio. A idade não traz sabedoria. A vida se apresenta e optamos por aprender com ela ou simplesmente ignorá-la. Talvez a segunda opção tenha sido a do nosso protagonista. Nesse caso ele não é e nunca foi um sábio. Nem aos 5. Nem aos 30. Nem o será aos 100.

Eu estava louco para ser derrubado. Queria tanto poder me colocar naquela situação. Não pude. Não posso. Ser velho é lindo. Usar a velhice para destratar quem quer que seja é deplorável.



Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Julho/2008

14 comentários:

Anônimo disse...

Mari, parabêns!! seu blog tá massa adooooorei, fico feliz de vc ter se tornado jornalista e sem saber muito de vc,atualmente, acredito q continua sendo uma linda mulher de alma e corpo! abraços Nêssa

Anônimo disse...

Se um café que nem centenário, mas talvez milenar consegue entender um idoso e suas amarguras ou nostalgia pela vida, quem conseguirá? A sabedoria pode estar num rabugento, como na peça teatral, quem sabe. Porque o sr, seu café, queria ser derrubado? Para melar as cuecas ou a virtude da virilidade perdida de um homem que poderia estar naquele momento lembrando sua primeira noite de lua de mel com sua ex e única esposa. Um romance tão eloquente, quando se amavam e tinham uma vida sexual maravilhosa? E ele pode não ter tido outra mulher e quem sabe estava triste por nem sentir nada no seu , talvez, flácido e não fálico objeto de amor. Ser idoso pode ser ver o teto do quarto solitário muito próximo...o fim de tudo. Manter o espírito jovem e sempre alegre, como outrora, na velhice sem dúvida requer sabedoria. Muito me espanta sr café pelo seu "preconceito ou juízo". O sr, seu café, é reciclado pela terra, rejuvenecido, moído, torrado e quentinho tá sempre se sentindo vivo eternamente..

Anônimo disse...

Mari, na primeira linha da crônica tem que ser feita uma edição. Acho que o café quis dizer SERMOS ao invés de servos. Pra polemizar (rs):Nada justifica a falta de educação de ninguém e imagino que o café queria ser derrubado para protestar contra a rabugice. Ainda bem, porque não devemos perder nosso senso de indignação, nunca.

Anônimo disse...

eu, que já nasci velha, não sou chata assim, poxa.. hahahah... mas hj eu tô bem velha. tô com uns 120 anos já! droga...

Anônimo disse...

Como eu queria que voce queimasse e manchasse a roupa dele. kkkk Ele merecia nesse caso.

Anônimo disse...

Oie! Olha eu aqui!!! Ainda não li tudo, mas devagar eu chego lá! rsrs Parabéns!! Beijos

Anônimo disse...

Esse café escapou de uma fria que, aliás, o deixaria imbebível... café só quentinho! Mas voltando ao senhor da "mehor idade", ele deveria aproveitar a experiência expressando sua sabedoria e angariando cada vez mais admiradores e, não, botando a boca no mundo atribuindo os incidentes à sua idade. Respeito sim, rabugice compreensível, mas malcriação "pelo amor de Deus"...Tô fora.

Anônimo disse...

Educação e respeito não tem idade.Esse senhor nunca respeitou alguém e conforme a idade esse defeito piora,agora sob a justificativa dos cabelos brancos.Ainda bem que não são todos assim.

Anônimo disse...

Parabéns pelo seu blog. Como é bom te ver expressar, com palavras, aquilo que já mostrava em gestos e atitudes: delicadeza, sensibilidade, grandeza. Beijos

Anônimo disse...

Mariana, você está de parabéns. Continue sempre com essa sensibilidade maravilhosa. Eu e Carlos te amamos muito.

Anônimo disse...

Não deixo de ler suas crônicas,embora nem sempre dê para postar comentários. Estou adorando, uma leitura instigante, como a escritora. Até a próxima, um beijo.

Anônimo disse...

Aikido, a arte da reconciliação. Aquele cuja mente deseja brigar, perdeu o elo com o universo.

Anônimo disse...

Pois é Mariana. A velhice tem muito a ver com a vida que cada pessoa teve. As vezes ninguém a amou e ela torna-se um ser amargurado. Este tipo de pessoas gostam de ficar a sós com seu café saboreando a solidão

Anônimo disse...

Sei não... mas acho que ela não esbarrou SEM QUERER, não existe esse SEM QUERER. Como diz o Chaves: "sem querer, querendo"... Deu nisso...