segunda-feira, 21 de julho de 2008

Crônica 10: O “PIANINHO”

Pessoas. Iguais. Diferentes. Pessoas de todos os tipos passam pelas minhas mesas. Algumas se sentam e apreciam um delicioso café – desculpe a “modéstia” – outros preferem suco, chá, refrigerante. Não importa. Alguns entram e saem correndo. E Existem aqueles que passam sempre pelas mesas. Parando em cada uma. Nada podem consumir. Estão ali trabalhando.

Não me refiro aos garçons ou garçonetes. Refiro-me aos vendedores ambulantes. Aqueles que muitas vezes não são, nem mesmo, vistos. Há vendedores de tudo que é jeito. Um dos mais assíduos é um senhor, na casa dos sessenta anos. Seus trajes são simplórios. Mas percebe-se seu esforço para estar sempre bem arrumado. Preocupa-se com seus consumidores.

Ele vende um instrumento musical, que não se sabe ao certo qual é, uma mistura de mini-piano com harpa. Estranho. Barulhento. Ouço-o chegar ao longe. E o que indica sua presença é o “parabéns a você” que ele entoa em seu trajeto labiríntico entre as mesas. O sorriso é outra de suas marcas. Sua aproximação é sempre delicada: sorri e inclina o objeto na direção do comprador em potencial.

É um objeto difícil de vender. A maioria nem olha. Apenas acena negativamente. Outros simplesmente não enxergam o simpático senhor. Já eu sempre o ouço. Sempre o vejo. Pergunto-me: quem é esse homem? Por que se dedica a um trabalho tão árduo? Terá ele uma família? Filhos? Onde será que ele mora? Ele gosta de seu ofício? O que ele faz para se divertir?

Tantas outras perguntas fervem em mim. Tal qual a água borbulhante usada no meu preparo. Minha curiosidade vai além da figura do velho homem. Novamente estou impossibilitado. Não posso satisfazê-la. Nunca tomarei um café com o doce senhor do “pianinho”. Assim, jamais conseguirei decifrá-lo.

Como ele tantos outros passam vendendo camisetas, balas, doces, panos de prato, bijuterias e acessórios em prata, sândalo, etc, etc, etc. Nenhum é notado. Nenhum é ouvido. Nenhum é enxergado. Não por aqueles que estão no café. Seu público-alvo. Será que algum dos meus degustadores e companheiros já parou para pensar no quão difícil é passar de mesa em mesa vendendo objetos inusitados? Caminhar dia e noite para no fim do dia, talvez, perceber que seu esforço foi em vão?

Imagino que não. Mas eu, um café intrometido e enxerido, penso. Tento olhá-los. Conhecê-los. Impossível. A angústia do impossível. Ainda vou conseguir entender como seres da mesma espécie conseguem ignorar tanto uns aos outros. Conseguem não se interessar por dificuldades alheias. Um olhar. Um “muito obrigado”. Pequenas considerações e valorizações daquele trabalho. Daquele ser humano. Com tão pouco se pode fazer com que alguém se sinta especial. Por que não?

Mariana Primi Haas - MTB 47229                                                                                                                                        Julho/2008

6 comentários:

Anônimo disse...

Mari, esses dias eu estava no bar Galinheiro e o cara da harpa/piano apareceu rsss. Eu, que não sei vender água gelada no deserto, fico imaginando por que as pessoas insistem em vender coisas desse tipo. Por que não escolhem algo mais útil e mais fácil de se vender...bem, vai saber. Outra coisa, de repente uma das diversões do referido senhor seja saborear um bom café. Beijo, boa semana. Loy

Anônimo disse...

Na época que eu o conheci, nem café as pessoas tomavam na mesinha. Era nos barzinhos da "prainha" perto da Cásper Líbero. Mas minha breja se entusiasmava com ele.Aliás todos a minha volta naquela farra antes, durante ou após as aulas. A agitação política contra a ditadura era grande e os papos fervilhavam nesse sentido. Café mesmo só para doentes e lá não tinha nenhum, penso eu porque o que se bebeia era a mardita mesmo. Bem, o "senhor" em questão andava muito humilde e eu ficava imaginado como um homem daquele, com aquela sabedoria, aquele papo maravilhoso, aquela cultura inacreditável poderia ficar de mesa em mesa com sua sacolinha cheia de levrinhos, tentando vendê-los para ganhar seu sustento. Afinal ele deveria ter uma grande editora vendendo aqueles livrinhos maravilhosos. Ele andava mal arrumado, cabelos despenteados e uma bolsa de pano jeans pendurada de atravessado com alças no peito. Passava horas nos entertendo nas mesas. Querem saber queméra esse sr? Plínio Marcos.....

Anônimo disse...

Ai, eu quero muito conhecer o cara do pianinho agora, haha.. Lindo texto, como sempre. Beijo

Anônimo disse...

O Senhor "Pianinho" já realizou uma ação bacana, motivou essa crônica e muitas reflexões... quando encontra-lo, quem sabe, num impulso, eu leve o treco pra casa!

Anônimo disse...

Um dia eu vou acabar comprando esse pianinho...o cara ainda vai conseguir me convencer...

Anônimo disse...

Pois é, entra ano sai ano e o senhor do pianinho não desiste.Acho que ele é amigo do senhor que vende mãozinha de madeira para coçar as costas.E ele também não desiste.