quarta-feira, 2 de julho de 2008

Crônica 5: Colcha de Retalhos

Domingo, fim de tarde. Foi um dia gostoso aquele. Nem quente, nem frio. Domingo é um dia estranho, é um dia que praticamente não existe. Digo isso porque nas conversas que ouço aos domingos todo mundo está – invariavelmente – reclamando do dia seguinte, ou seja, da segunda-feira. Será que o domingo é tão somente o dia anterior à segunda?

Fato é que neste domingo específico duas amigas de longa data resolveram se encontrar para colocar a conversa em dia. Muito jovens as duas, conseqüentemente, com muita história pra contar. Eu ainda estava no balcão, esperando a próxima bandeja chegar e já ouvia as risadas das duas. Logo pensei: “que delícia uma mesa cheia de novidades”.

Uma das moças falava alto. Muito alto mesmo. A outra permanecia muda. Estranhei aquilo. Acontece que a menina falante não falava com sua amiga, a que estava sentada à sua frente, ela falava com alguém que não estava lá. Com alguém que estava do outro lado de um pequeno aparelho: o celular.

Aliás, que negocinho incômodo. Quando ele chama, normalmente vibra e – para mim – aquilo parece um terremoto. Chego a ficar tonto. Todo sacudido. Não gosto mesmo. Mas quem não estava gostando nada dessa história era a amiga preterida.

Cada vez que ela tentava abrir a boca para falar algo vinha aquela música ensurdecedora de cima da mesa. E a outra não tinha a menor dúvida: atendia.

- Oi Cris! Claro que posso. Fala...

Depois desse “fala” geralmente seguiam-se uns dez minutos de conversa fiada...


- Ah... Não posso não... É... “Too Much” pra mim... “Too Much”... Não insista!

Sem brincadeira, esse bendito celular tocou umas oito vezes e todas as vezes foi atendido. Quando ele parou de tocar eu pensei que a amiga silenciosa iria, finalmente, conseguir falar o que tanto queria.

- Espera só mais um minutinho. Preciso ligar pro Clau... – soltou a dona do incansável celular.

A outra apenas aceitou e meneou a cabeça em sinal afirmativo.

- Oi Clau! Então, não irei hoje... “Too Much”... Pois é! Eu? Nada... Estou tomando um café... Com ninguém, ué! Estou sozinha!

Ao ouvir a última frase, a amiga que até então estava esperando pacientemente, me saboreando, curtindo o fim de tarde e pensando nos problemas de segunda, se assustou. Olhou para a amiga sem acreditar no que acabara de ouvir e fez um gesto com as mãos. Como se dissesse: eu sou ninguém?

A outra percebendo o descontentamento da amiga e sentindo-se extremamente incomodada com a situação, desligou o telefone – pela primeira vez – e permaneceu alguns segundos sem reação. Mas foi rápido. Levantou-se. Colocou sua bolsa no ombro. Pegou o molho de chaves que estava sobre a mesa. Deu seu último gole em mim, já em pé, e a única coisa que conseguiu dizer, foi:

- Lets?

Foi tudo “too much” para um velho café. Let`s?


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Julho/2008

9 comentários:

Anônimo disse...

Esse cafezinho tá boiando na histórinha.... Ele é novinho e ainda ingênuo, precisa rodar mais pelas mesas da vida, molhar mais bicos, ouvir e ver mais gente. Coisas comuns a diversos cotidianos de diverssa faixas etária e sociais. Um celular hoje na vida do ser humano é muito mais prazeroso do que ele. A ele resta o gole de quem não tem celular ou ninguém para ficar falando. E isso em qualquer roda... O tadinho deveria perceber o egocentrismo, o prazer e a necessidade de ser e ter das pessoas... a começar por uma bela marca de celular... A amiga só não tinha ninguém ligando para ela. Simples, pois ao contrário ela seria a protagonista. Mas o cafezinho não percebeu nada.A garota calada era apenas uma garota de programa..estava lá para servir a "amiga". Só lhe restou a palavra mais usada nesses casos..Lets..o resto, o que vai rolar nessa noite, as duas vão precisar de um celular para tagarelar para alguém os momentos íntimos que viveram.e o cafezinho descobrirá a força do Lets...

Anônimo disse...

Odeio quando estou com alguém e esse alguém não pára de falar no celular, falta de tudo. O cafezinho tem razão, e já descobriu a força do lets, boiando está quem esqueceu que o tête à tête est tout.

Anônimo disse...

é, minha filha... é too much mesmo! só nos resta o clássico conselho: get a life! haha

Anônimo disse...

Pois é, é a tecnologia que tanto nos ajuda como nos incomoda. Realmente a pior coisa que existe é quando você sai com alguém e a pessoa não sai do celular!

Anônimo disse...

Que coisa mais chata, deselegante. Marcar encontro pra falar com outras pessoas na frente do "amigo". Assim não dá... Mas o domingo... eu adoro este dia. E por sinal, não passo sem um bom cafezinho. De preferência acompanhado com uma deliciosa tortinha e depois um cinema. Quer coisa melhor para um domingo?

Anônimo disse...

Sem comentários.Mais um vício:"o celular".It's too much Let's...E mais uma vez o cafezinho não foi saboreado de acordo.

Anônimo disse...

Mari, tô de alma lavada depois de ler esta história. Eu odeio quando fazem isso comigo. E acontece com a maioria dos meus amigos. Todos têm celulares, no caso de uma emergência! Já aconteceu de eu ficar numa mesa com duas pessoas e cada uma em seus respectivos celulares, ocupadíssmas rs. Claro que eu sempre deixo claro que é muita falta de educação, mas não adianta. A sua história é exatamente o que eu gostaria de mostrar pra esse povo mal educado. Eta cafezinho bom o seu. Beijo

Anônimo disse...

Essse too much virou tomate rapidinho! E "lets", o que é isso, a moça achou que estava falando com a cachorrinha dela?! cada uma....

Anônimo disse...

A desconsideração para com o OUTRO, pela pessoa próxima, é tema interessante. É uma "gelada" que faz questionar a amizade. Cadê o ombro amigo, o partilhar experiências? Parece conversa de "surdos". Essas aí, estavam fisicamente lado a lado, mas... Uma faz a "agitação estéril", a outra "espera por algo que não vem". Acho que isto não é característico SÓ das grandes cidades, como a querida SAMPA, porque quando um não quer conversar com o outro, faz mesmo esse jôgo de máscaras, ou seja, estou fisicamente do seu lado, mas distante... PENA... PENA...PENA...