segunda-feira, 14 de julho de 2008

Crônica 8: O PEDESTRE

Meus maiores apreciadores e, talvez, os mais fiéis são os “politicamente incorretos” fumantes. Degustam seus cigarros, observam sua fumaça e em seguida convocam a mim, o cafezinho, apenas para complementar aquele pequeno momento de deleite e relaxamento.

Nesses momentos, em geral, sou direcionado às mesas da calçada. Adoro. Há tanto para se observar. A falta de educação dos motoristas é um exemplo. Buzina, carro furando o sinal vermelho, gente colocando a cabeça pra fora e gritando, xingando. Nossa. Como pode alguém conseguir relaxar ante a uma situação dantesca como essa?

Quem mais sofre são os pedestres. Sinceramente, não sei qual o problema com os motoristas. Uma faixa de pedestres. Um carro. Um transeunte. Um cruzamento. Não há semáforo. O cidadão – parado na calçada – aguarda o melhor momento para atravessar. Os carros passam como raios em dias de tempestade.

Quando o movimento diminui, ele olha para os dois lados. Zeloso. Vendo apenas um carro, ao longe, resolve arriscar-se. Mexe sua perna e dá seu primeiro passo. Quando, finalmente, coloca seu pé na faixa, o carro, antes longínquo, aproxima-se. Ignora a existência da faixa. Do cidadão. O pedestre se assusta.

O homem coloca a mão no coração. O carro pára. O motorista olha para trás, vê o sujeito transtornado, desce do carro, caminha estressadamente até ele.

- Escuta, você não olha para atravessar, não?!
- Eu? Aqui há uma faixa de pedestres... Comprou a carta, foi? – responde o homem incrédulo.
- Se eu vi o seu carro, o senhor também me viu... – continuou indignado
- Você está em São Paulo, não no interior. Aqui é o Brasil e não a Suíça. Acorda!

Xingaram-se.

O motorista limitou-se a olhar para o homem. Um olhar desdenhoso. Deu-lhe as costas e voltou para o seu carro. Seu templo. Provavelmente, continuou seu caminho – como tantos outros motoristas – passando pelas faixas sem vê-las. Cruzando sinais vermelhos. Enfim, agredindo a todos com sua ignorância.

A rua acalmou-se. Os fumantes – sentados nas mesas da calçada – perguntaram-se o que havia acontecido, observaram, comentaram e voltaram às suas vidas. Muitos concordaram com o motorista... E eu, um simples café, não pude falar. Alertar para a falta de cuidado existente entre os homens. Mostrar que uma cena dessas não pode ser corriqueira. Deve ser sempre refletida.


Mariana Primi Haas - MTB 47229 
Julho/2008

10 comentários:

Anônimo disse...

Oo pobres dos fumantes e o café fazem uma dobradinha infalível, mas seu estivesse lá não concordaria nunca com o motorista, se fosse menos ignorante saberia que é para parar na Faixa. Este cafézinho tá cada dia mais interessante....Parabéns Mari. Beijos

Anônimo disse...

Mari, mais uma vez adorei a sua crônica. Sua crítica é sempre perspicaz. Realmente nao estamos na Suíça,pois só mesmo numa cidade caótica os veículos têm prioridade sobre os pedestres.Atenção! Olhe BEM dos dois lados antes de atravessar a rua.

Anônimo disse...

Próxima, arrasou de novo! Haha.. Beijos

Anônimo disse...

Mariana, Seu texto é muito, muito bom... E a idéia do café magnífica. Continue. Beijos

Anônimo disse...

Essa constatação do cafezinho eu a tive quando morei em Londres em 1987. Me impressionou ver os carros pararem em qualquer lugar das ruas para os pedestres, mesmo longe de semáforos. Lá, ele era chamado de xafezinho e nem tinha tanta consciência ou questionamentos, políticos/sócio econômicos etc.Percebia e sabia como os relacionamentos entre cidadão, empresas /funcionários e cidadania/governo funcionava. Aqui nosso cafezinho, uma das preferências nacionais, além de bundas, futebol e novelas, observa tudo. Será um político em campanha?Porém com pré-julgamentos também ao se referir como fiéis apreciadores os "politicamente incorretos". Ele se esquece do amor incondicional dos fumantes por sua degustação. E também é cúmplice desse vício, que ao ser degustado requer imediatamente, ou logo após um cigarrinho. E não aquele do capeta. Gostaria de saber a origem desse cafezinho. Se é de família humilde, mas com a sabedoria dos nordestinos. Ou se seu tataravô era dos cafezais dos coronéis.

Anônimo disse...

Muito bom, Mari. A cada texto uma pitada diferente. Parabens!

Anônimo disse...

Esse café é mesmo impertinente, insolente, atrevido e perspicaz...tô quase lançando sua candidatura mas, não, aí ele deixa de ser a delícia de ser o que é!

Anônimo disse...

Oi Mariana ! Disse que iria voltar e voltei .Li todas as crônicas , a cada semana, mas não consegui deixar mensagens.Algumas estão mais especiais (ex:sobrancelhas), mas todas estão muito gostosas de ler. A de hoje está ótima, afinal gentileza e atenção com as pessoas nos faz sempre melhores. Beijos ! Eli

Anônimo disse...

Êta cafezinho bom! Observador, genial.Mas ele está no Brasil, num país onde o respeito pelo ser humano deixa muito a desejar.

Anônimo disse...

Se o café pudesse falar com certeza estaria do lado do pedestre! Muito bom!